Financiamento estudantil e melhora na economia dos brasileiros permitem um salto na educação superior nos últimos anos. Porém, com a redução de novos postos de trabalho e com o momento de instabilidade política, a expectativa é de crescimento contido

por José Eduardo Coutelle

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O ensino superior privado no Brasil vive um momento histórico. Na contramão de uma economia praticamente estagnada, os números do segmento educacional seguem impressionando. A procura por uma formação superior – e uma melhor remuneração – colocou quase 2,2 milhões de pessoas dentro das salas de aula em 2012 e outras 812 mil deixaram os bancos universitários com um diploma nas mãos no mesmo período.

Entre 2009 e 2012, o crescimento do setor foi de 33,8% em se tratando de novos ingressantes. Mais alunos significam maior entrada de recursos, e também maior concorrência e redução das mensalidades. No Censo de 2013 – ainda não divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) –, a expectativa é que esses números batam novos recordes. Ponto para as instituições, para o mercado e para o país.

Mas como explicar esse crescimento justo num momento em que o Brasil sofreu um grande tropeço ao reduzir em 14,1% o número de novos postos de trabalho gerados em relação a 2012? Concorrência é a palavra-chave.

Com a taxa de desemprego estabilizada e com a escassez da demanda, um profissional precisa capacitar-se ainda mais para ocupar a mesma vaga que teria em anos anteriores. Assim, despende mais tempo dentro das instituições de ensino, agregando novos cursos ao currículo. Isso pode ser identificado pelo crescente número de matrículas registrado nas instituições privadas: 5,1 milhões em 2012, 16% a mais do que em 2009.

O momento positivo para o setor é confirmado pela maioria dos consultores educacionais. Eles destacam três pontos fundamentais que alicerçam e impulsionam esse crescimento: maior disponibilidade de cursos de educação a distância, valorização e aumento da demanda dos cursos tecnológicos e programas de financiamento estudantil.

Ensino direcionado
É inegável que o governo federal se tornou o maior parceiro das instituições de ensino privadas no Brasil. No ano passado, 31% dos alunos matriculados eram contemplados pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) ou pelo Programa Universidade para Todos (ProUni). Em quatro anos de Fies, o fundo desembolsou R$ 14,7 bilhões para o pagamento de mensalidades, e vem praticamente dobrando seu orçamento a cada ano. Somente em 2013, 556 mil contratos foram formalizados, 47% a mais que no ano anterior. E pelo que tudo indica, as cifras tendem somente a crescer, dando ainda mais fôlego à expansão do setor acadêmico. Entretanto, este boom suscita questões que merecem análise. O aumento progressivo é sustentável a médio e longo prazo? Que reflexos pode causar o ingresso desta leva de novos profissionais num mercado sem expansão?

O diretor-presidente da CM Consultoria, Carlos Monteiro, entende que o mercado apresenta áreas saturadas, mas que existem outras onde a procura por profissionais capacitados é grande, como no caso das engenharias. Entretanto, o principal risco que o país enfrenta, segundo ele, é a formação de um contingente de desempregados estruturais. Ou seja, pessoas que não conseguirão emprego porque suas competências não serão as mais adequadas ao que será exigido. “Isso é um perigo que estamos correndo, porque temos ainda um ensino superior muito preso às tradições do modelo industrial de produção e muito distante das exigências típicas da sociedade do conhecimento. Não é só aumentar a quantidade de alunos matriculados, mas sim fazer uma adequação para o que se aprende na faculdade. Somos vítimas do conceito de que o aluno vai aprender sentado na sala de aula ouvindo o professor. Não estamos ensinando o aluno a aprender sozinho”, destaca.

Monteiro denomina sociedade do conhecimento aquela em que os profissionais sejam formados de forma polivalente, com capacidade para desempenhar atividades em diversas áreas. Isso é importante, segundo ele, porque muitas profissões deverão deixar de existir para dar lugar a novas, mais adequadas ao avanço da tecnologia.

Apesar desse risco, Monteiro acredita que os índices de crescimento devem seguir até 2020 de forma bastante acelerada, e em seguida se estabilizar, ultrapassando facilmente a marca de 10 milhões de alunos matriculados. O cálculo é simples: o Brasil tem uma média estável próxima de dois milhões de concluintes no ensino médio por ano. A maior parte deseja cursar o ensino superior e realiza o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Sem vagas suficientes na rede pública e com o crescente orçamento do financiamento estudantil federal, a tendência é esses alunos escoarem para as instituições privadas. Essa ambição dos jovens é compreensível e está voltada para a perspectiva de uma vida melhor, já que no Brasil um diploma universitário representa um salário 167% mais elevado do que sem tal qualificação.

Para o doutor em Gestão de Negócios e consultor associado da Humus Paulo Eduar­do Marcondes de Salles, o fenômeno do crescimento da educação superior se deve principalmente à expecta­tiva do aperfeiçoamento e da ascensão profissional. Segundo ele, a tendência é a disputa dos cargos já existentes, e para isso, a capacitação continuada é fundamental. Salles cita como exemplo uma de suas turmas do curso de Gestão. Dos 42 alunos matriculados, 28 já estavam na faixa dos 30 anos e tinham pelo menos oito anos de experiência profissional.

Além da concorrência por melhores cargos por parte dos estudantes, as instituições de ensino também entram na disputa entre si pela preferência dos alunos e, com isso, tendem a reduzir ainda mais o valor médio das mensalidades, gerando um incentivo para os novos ingressantes. Isso porque, segundo o professor, o mercado brasileiro vem se tornando cada vez mais atrativo à vinda de empreendedores estrangeiros, que deverão fazer aquisições ou fusões para trabalhar em grandes escalas, com sistemas de custeio diferenciados, que possibilitem reduções do valor das matrículas. Assim, Salles acredita que o segmento seguirá crescendo nos próximos cinco anos, porém de forma mais conservadora, sem grandes mudanças e com aumento do crédito dos financiamentos.

Alma do negócio
Todos sabem que não adianta ter o melhor produto, ser o melhor profissional, se o comprador ou empregador não souber da sua existência. A propaganda é essencial no mundo moderno, e vem sendo realizada com sucesso pelas instituições de ensino e pelo governo federal para ‘vender’ os cursos superiores às classes que antes não tinham acesso. Esse é um dos argumentos do sócio-diretor da Intaag Educacional, Edwin Parra Rocco, para o aquecimento do setor. “As pessoas passaram a perceber que o ensino superior não estava mais tão distante”, ressalta.

Apesar do sucesso de adesão, Rocco destaca um grande abismo que existe no caminho entre o ingresso e a conclusão: as evasões. Segundo ele, a maior parte dos brasileiros busca de forma prioritária a obtenção de renda como uma necessidade imediata. “A pessoa se coloca à disposição do mercado, e dependendo de quanto auferir vai buscar qualificação. De forma geral, não vai atrás da formação, porque não tem uma retaguarda de sustento que permita isso. Mesmo com programas do governo, o aluno precisa sustentar-se dentro da faculdade e isso não depende exclusivamente da compra de livros. Precisa de tempo para estudar, e se o trabalho exige esse tempo, acaba abrindo mão da qualificação”, explica.

Outro ponto que, segundo Rocco, contribui para as evasões é a falta de uma noção clara de empregabilidade, em grande parte devido à inexistência de um plano nacional de desenvolvimento social atrelado à educação. “Falamos em capacitar o trabalhador, mas não temos um planejamento claro que oriente para o que vamos capacitar, quais áreas são prioritárias. Hoje, se uma instituição propõe abrir um curso em qualquer área, precisa apenas estar com a documentação em dia. Ninguém questiona se o local é adequado e se tem trabalho para os egressos”, comenta.

Não tão otimista quanto os demais especialistas consultados, Rocco acredita que neste momento de transição política, com as eleições presidenciais, o setor acadêmico deve arrefecer um pouco, para em 2016 iniciar uma nova curva de ascensão.

Empurrão federal
Considerando as ações do governo, fica evidente o apoio e a continuidade dos programas de incentivo ao ensino superior. O Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado pela presidente Dilma Rousseff no final de junho deste ano, prevê em suas metas a elevação da taxa bruta de matrícula para 50% e da taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos. Além disso, entre outras medidas que beneficiam os estudantes de baixa renda, o governo tem aumentado exponencialmente o orçamento do Fies.

Vale ressaltar que o crescimento deve vir aliado à qualidade de ensino, como destaca o consultor jurídico do Instituto Latino Americano de Planejamento Educacional (Ilape) e da Associação Brasileira de Mantenedores de Ensino Superior (Abmes), Gustavo Fagundes. Isso porque o Fies só financia os estudos em instituições que forem aprovadas pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).

Entretanto, o consultor entende que existem dois grandes riscos nessa rápida expansão, um para as instituições e outro para os estudantes. Corrigido o atraso inicial da recompra dos títulos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), algumas instituições passaram a confiar ao Fies mais de 50% de seus alunos. Ou seja, metade do seu orçamento. Para Fagundes, é no mínimo arriscado depender tanto de um programa que pode vir a não ter lastro suficiente no futuro.

Por outro lado, o procedimento aumenta o número de egressos e assim melhora-se o processo de retenção na instituição. E com mais gente no mercado, a questão volta a ser se haverá trabalho para todos. “Existe a possibilidade da subutilização desses profissionais. Além de gerar uma remuneração menor, corre-se o risco de uma acomodação intelectual e do abandono da educação continuada, ou ainda, de perder essa mão de obra para o exterior”, ressalta Fagundes.

Essa falta de perspectiva de que mesmo com a formação superior não se conseguirá um trabalho melhor poderá causar um retrocesso para o setor. “Se o mercado não reagir, corremos o risco de diminuir a procura. Teremos ofertas interessantes no ensino superior e as vagas permanecerão ociosas”, completa.

Poder da EAD 
“Sem o Fies estaríamos no zero a zero ou mesmo no negativo”, afirma Alexandre Nonato, analista de mercado da Hoper Consultoria. Segundo ele, o setor deverá crescer até 2016, mesmo que a passos curtos, e que o foco das instituições deve recair para as cidades de médio porte, com até 200 mil habitantes, onde a competição é menor. Nonato destaca ainda que novas propostas de incentivos deverão ser elaboradas pelo governo para que os números do segmento voltem a crescer em ritmo acelerado.

Entre as alternativas de crescimento, o consultor destaca a abertura do financiamento estudantil para os cursos na modalidade de ensino a distância, o que, sem dúvida, caso seja aprovado, permitiria um salto exponencial no número de matrículas e de ingressantes.

Em 2012, mais de 20% de todas as matrículas eram do ensino a distância. O formato é o que mais cresce e puxa os números totais para cima. Já tramita no Congresso um Projeto de Decreto Legislativo que visa incluir a cobertura de EAD no Fies. Entretanto a pauta é polêmica e divide a opinião dos especialistas.

Monteiro acredita na aprovação para 2015. Já Salles diz que a proposta deverá ser rejeitada devido ao altíssimo índice de evasão. “Enquanto o aluno está na sala de aula é mais fácil controlar o seu devedor, e nesse caso não se tem um menor referencial”, justifica. Salles destaca que é necessário um perfil especial de aluno para se adequar ao estudo a distância, e que uma das causas dos altos índices de abandono é a dificuldade do brasileiro em manter uma disciplina regrada.

Para Gustavo Fagundes, segue distante o momento em que a EAD será coberta pelo Fies. Isso por diversos motivos. O consultor aponta que muitas instituições ainda veem a modalidade apenas como uma forma de despender menos dinheiro e obter maior retorno. Além disso, o formato exige grande comprometimento do aluno, e se ele não tiver o perfil correto, a tendência é formar profissionais menos qualificados. “O problema de trazer o Fies para EAD é o próprio descrédito do aluno e do mercado. O MEC está tentando discutir o marco regulatório para ter um mecanismo de avaliação na EAD mais rígido”, complementa.

A vez dos tecnológicos
Os números não mentem e nesse caso deixam claro o grande sucesso dos cursos tecnológicos. O segmento é o que mais cresce. De 2009 para 2012 o aumento das matrículas alcançou a marca de 129%. A diretora dos Consultores Associados de Educação (Cadec), Ana Cristina Canettieri, explica que a expansão da modalidade se iniciou com a criação do Catálogo Nacional dos Cursos Tecnológicos e principalmente com a mudança da legislação que permitiu aos diplomados seguir os estudos na pós-graduação sem ter de cursar um bacharelado ou uma licenciatura.

A rapidez da formação profissional é destacada por Carlos Monteiro também como fator de sucesso dos cursos tecnológicos. Com três anos nos bancos universitário, o aluno de um curso tecnológico pode ter em mãos o diploma de pós-graduação e conquistar uma importante posição no mercado de trabalho. “Estamos numa fase de formação rápida, conhecimento rápido e continuado”, afirma.

Outra vantagem dos tecnológicos, conta Gustavo Fagundes, é que os cursos oferecem certificação intermediária. Ou seja, quando o aluno encerra um período, já pode ingressar no mercado atuando na sua profissão, ao contrário dos bacharéis. “Além de ser bom financeiramente para o aluno, é bom para retê-lo na instituição de ensino. O estudante passa a ganhar mais e não desiste do curso. Ele vê o progresso na realização de cada módulo”, destaca.

Porém, pelo fato de os tecnológicos surgirem de uma demanda específica de mercado, eles também podem extinguir-se caso a necessidade inicial seja suprida. E isto não é um fator exclusivamente ruim. Fagundes explica que este é o caminho natural e que instituições e alunos devem estar cientes disto. Ou seja, um curso tecnológico não é uma formação para a vida inteira e o profissional precisa adequar-se a isso, buscando continuamente novas capacitações.

As instituições de ensino e a demanda por profissionais
Para formar mais alunos, precisa-se de mais professores. Assim, o mercado interno da educação superior precisou capacitar mais profissionais qualificados para comandarem suas turmas. Além disso, a exigência de mestrados e doutorados pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) colocou muitos educadores de volta aos bancos escolares, desta vez, nos assentos de pós-graduação. “Antes não existia punição para as instituições de ensino superior que tivessem professores não qualificados. Agora é preciso prestar contas ao Ministério da Educação”, lembra Ana Cristina Canettieri, da Cadec.
De fato, houve uma corrida pela formação continuada dos docentes. Em 2001 havia pouco mais de 122 mil professores lecionando. No ano passado, esse número alcançou a casa dos 212 mil, um aumento de 73%. Já as especializações foram muito além. O crescimento de professores doutores foi de 154% e o de mestres 122% no mesmo período.Necessidade de mais docentes x crescimento de especialistas
Financiamento estudantil e o colapso americano
O financiamento público para o ensino superior cresce exponencialmente a cada ano no Brasil e da mesma forma aumentam as expectativas sobre a sua sustentabilidade. Isso porque até agora nenhum centavo retornou aos cofres do governo federal. Os primeiros alunos contemplados em 2010 começarão a pagar suas dívidas no segundo semestre do ano que vem. O Fies entende que 18 meses são suficientes para o profissional já diplomado encontrar um trabalho e iniciar a quitação do seu financiamento. A expectativa dos especialistas é que, com esse retorno o fundo tenha caixa para realimentar o sistema. Porém, esse processo depende do crescimento da economia e da abertura de novos postos de trabalho. O exemplo americano, que já tem uma longa cultura de financiamentos federais, levanta um dado preocupante. A dívida estudantil no país já soma US$ 1,2 trilhão aos cofres públicos, e a inadimplência praticamente dobrou na última década. Em 2003, 6,2% dos alunos estavam em atraso com seus financiamentos, enquanto em 2013 esse número passou para 11,5%. De acordo com o Institute of Education Sciences, uma das justificativas é a elevação do valor médio das mensalidades, que subiu 70% no período entre 2000 e 2010.
Para o diretor-executivo da Abmes Sólon Caldas, o Fies não corre o mesmo risco da inadimplência que os americanos enfrentam. Entre as principais justificativas, destaca a baixa taxa de juro cobrada (3,4% ao ano), a possibilidade de os egressos em pedagogia e medicina quitarem suas dívidas através da prestação de serviços em instituições públicas de ensino e no Sistema Único de Saúde (SUS) e, por fim, a garantia de 90% da operação mantida pelo Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (Fgeduc).