Confira série de entrevistas sobre ensino híbrido

Na entrevista a seguir, o cientista digital Maurício Garcia fala ao Semesp sobre sua visão em relação ao ensino híbrido

Em um piscar de olhos, a pandemia da Covid-19 mudou a forma como o ensino é percebido e acelerou uma série de transformações que já eram pauta, ainda que de forma mais incipiente, dos setores ligados à Educação. Agora, com o impacto do surgimento da pandemia já no passado e o avanço da vacinação em todo o mundo, é hora de analisar como essas mudanças repentinas e não programadas podem ser incorporadas para melhorar a qualidade do ensino.

Para discutir o ensino híbrido, uma das possibilidades de nova tendência de aprendizagem que ganhou força com a pandemia, o Semesp começa uma série de entrevistas com especialistas educacionais. Nessa primeira entrevista, o cientista digital Maurício Garcia conceitua o que é ensino híbrido e fala sobre os principais desafios de sua implantação. Pesquisador do impacto das novas tecnologias, o mestre e doutor pela Universidade de São Paulo explica, por exemplo, que não faz mais sentido fazer uma distinção entre ensino presencial e EAD.

Antes de falarmos sobre ensino híbrido propriamente, ainda faz sentido tratarmos a educação superior pelo ponto de vista de modalidades como presencial e EAD, como proposto pelo Ministério da Educação?

Essa é uma visão antiga que não faz mais sentido no contexto da sociedade digital na qual o mundo se transformou. Essa fronteira entre presencial e a distância se tornou fluida e é irrelevante em muitos contextos. Por exemplo, o Instagram é presencial ou a distância? Notem que não faz sentido essa pergunta para esse caso. A pandemia da Covid-19 acelerou mais ainda essa transformação.

Um conceito que tem quebrado a cabeça dos especialista, o que é realmente o ensino híbrido?

A resposta seria simples, o ensino híbrido é aquele estudo em que parte das atividades ocorre presencialmente e parte ocorre a distância. Todavia, há certos complicadores. Por exemplo, os alunos podem estar todos fisicamente dentro de uma sala de aula, com um professor, mas interagindo remotamente por meio de aplicativos. Ou seja, há que se considerar uma combinação de espaço (no mesmo local ou em locais distintos) e de tempo (ao mesmo tempo – síncronos – ou em tempos distintos – assíncronos).

O ensino presencial tradicional é no mesmo local e síncrono, enquanto o ensino a distância tradicional é em locais distintos e assíncronos. Mas, como disse anteriormente, essas não são mais as únicas combinações, e o ensino híbrido pode assumir qualquer arranjo de tempo e espaço, inclusive mistos, por exemplo, com parte dos alunos na mesma sala de aula e outra parte dispersa, com os alunos em suas casas acessando remotamente.

O ensino híbrido e o ensino remoto se confundem, mas são conceitos distintos. Na sua opinião, até que ponto a pandemia e a adoção do ensino remoto emergencial contribuíram para o avanço e maior conhecimento do ensino híbrido?

O ensino remoto emergencial adotado por muitas instituições, como o próprio nome diz, é uma solução de emergência. Ou seja, não é um modelo necessariamente a ser seguido, foi o que deu para fazer na situação que estava posta. Mas a simples transposição do modelo presencial tradicional para o ambiente digital, com os professores “dando aula” remotamente, tem várias limitações, sobretudo em termos de engajamento dos alunos.

Assim, não importa o nome (ensino híbrido, ensino remoto, ensino a distância etc.). A pedagogia precisa sempre preceder a tecnologia. Em outras palavras, a tecnologia é apenas uma ferramenta que facilita ou mesmo potencializa a implementação de determinada metodologia pedagógica. Quando bem executado, o nome disso não faz diferença.

Quais as principais dificuldades para a implantação do ensino híbrido em um país tão socialmente desigual como o Brasil? Faz sentido falar de ensino híbrido em um país com uma educação tão precária quanto o nosso?

Volto ao ponto anterior. Tecnologia é apenas uma ferramenta e só produz bons resultados quando bem usada. Por exemplo, o que é melhor? Um martelo ou um alicate? É óbvio que depende. É até possível pregar um prego com um alicate, mas sabemos que não é a melhor ferramenta para isso. Então, o ensino híbrido, enquanto metodologia potencializada pela tecnologia, só produz resultados se considerar todas as variáveis de contexto, inclusive o acesso a equipamentos.

Independente de questões sociais, quais os principais desafios a serem enfrentados para uma correta implantação do ensino híbrido?

Toda instituição precisa, na minha avaliação, de um projeto de transformação digital. E um projeto desse tipo deve ser precedido de uma revisão do projeto pedagógico. Por exemplo, se uma instituição considera importante a adoção de metodologias ativas, ela vai necessitar de ferramentas digitais específicas e, consequentemente, capacitar os docentes para utilizá-las. Ou seja, é preciso que tudo esteja amarrado e consistente.

O ensino híbrido pode ser utilizado tanto na educação básica quanto na educação superior? Ele melhor se aplica em alguma delas?

Sim, pode ser utilizado em todos os tipos de educação. Mas, insistindo no tema, a pedagogia precisa vir antes da tecnologia. Ou seja, a instituição precisa antes definir o que deseja em termos pedagógicos para somente após isso escolher quais tecnologias devem ser adotadas. Por exemplo, algumas escolas da educação básica estão incluindo em seu currículo o chamado “letramento digital”, que inclui temas desde programação, até supervisão e uso responsável da tecnologia. Para tanto, podem ser planejadas atividades presenciais, a distância, síncronas ou assíncronas e, para cada uma, deve haver uma ferramenta apropriada.

Em que pé o Brasil está em termos de adoção do ensino híbrido? Que tipos de avanços poderiam ser alcançados caso o MEC reconhecesse de forma regulatória o ensino híbrido?

O principal desafio é superar a rígida fronteira que existe hoje entre “presencial” e “a distância”. O MEC, na minha opinião, deveria suprimir essa distinção, eliminando o “Credenciamento para Oferta de Cursos a Distância”, bem como todos os dispositivos relacionados, tais como os “40% de EAD em cursos presenciais” e os “70% de presencialidade em cursos EAD”. Assim, nos processos de autorização de cursos, a avaliação deveria ter como foco a consistência entre a proposta pedagógica, seja qual for, e as estratégias e recursos para sua implementação.