TECNOLOGIA | Edição 196

O que os jovens ‘geeks’ que se reuniram na Campus Party 2015 mais esperam da faculdade é que os ajude a ‘aprender a aprender’

por Felipe Falleti

Memória turbinada: detalhe de computador usado por campuseiros faz referência à alta capacidade da mente dos jedis criados por George Lucas

As bem-sucedidos executivos de empresas tecnológicas, criadores do Facebook e da Apple, Mark Zuckerberg e Steve Jobs, respectivamente, têm mais em comum do que nunca terem concluído os estudos nas universidades em que se matricularam. Ambos são ídolos de uma multidão de garotos e garotas aficionados por tecnologia – os chamados geeks – que acamparam durante a oitava edição da Campus Party Brasil, ocorrida no início de fevereiro, em São Paulo.

Apesar de reconhecer a importância do diploma de ensino superior, para a pequena multidão de jovens que participou da festa, a faculdade pode ser apenas um lugar para conhecer pessoas, discutir novas ideias e encontrar inspiração para realizar seus sonhos empreendedores. Ao todo a Campus Party 2015 recebeu cerca de oito mil participantes, sendo 71% do público com idade entre 18 e 29 anos.

Jovens à procura

De acordo com Denis Samra Nunes, 20 anos, estudante do segundo ano de engenharia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, entre as disciplinas que aprende na faculdade metade é “inútil” e outra metade, interessante. “Acho que tem muita coisa legal dentro da faculdade, mas é como comprar um pacote fechado. A gente perde muito tempo com coisas que nunca vamos usar ou a respeito das quais não temos interesse”, afirma o jovem gaúcho, que participou de um hackaton para o desenvolvimento de aplicativos mobile na Campus Party.

O questionamento ao papel das instituições de ensino em sua formação é uma tônica entre os jovens reunidos no evento e que tomam de exemplo Jobs e Zuckerberg, os quais abandonaram os estudos para dedicar-se, com muito sucesso, ao empreendedorismo. Em várias das palestras ministradas na Campus Party, o discurso de relativização da importância da instituição de ensino
superior foi reforçado. Chris Anderson, ex-editor da prestigiosa revista Wired e fundador das fabricantes de equipamentos DIY Drones, afirma que, embora tenha cursado até o final sua faculdade (Anderson formou-se em física), nunca se interessou por fazer um MBA ou especialização. “Eu aprendi sobre leis assinando contratos e, se alguém me perguntar se deve adiar seus sonhos para estudar mais, eu responderei que não protele seus projetos”, afirma Anderson.

Importância da formação

Apesar do questionamento ao modelo formal de ensino superior, 90% dos jovens reunidos na Campus fazem ou pretendem cursar uma universidade. “É um discurso muito bonito você dizer que pode aprender tudo o que precisa sozinho. De fato, hoje em dia, praticamente para qualquer disciplina que você deseje estudar, existe um módulo disponível on-line e, frequentemente, de forma gratuita. Mas a gente vai para a aula porque sabe que seremos cobrados por ter um diploma, que isso será fundamental em nossa trajetória profissional. Afinal, nem todos terão a sorte de Zuckerberg”, afirma o estudante de matemática Joelson dos Santos Neto, 22 anos, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Para Matthew Reyes, pesquisador da Agência Espacial Americana (Nasa, na sigla em inglês) que palestrou na Campus 2015, o sentimento de que a instituição de ensino superior não é um lugar importante para se estar faz parte de uma espécie de inconformismo natural das novas gerações, mas nada tem a ver com a perda de importância das universidades. “Quando eu era jovem, tinha um sonho de entrar para a faculdade, mas depois que consegui, confesso que me sentia entediado e questionava o sentido de tudo aquilo. Acho que esse fenômeno se repete com milhões de jovens em todo o mundo e é, até certo ponto, uma reação que devemos ponderar em função da idade e da inexperiência das novas gerações. Na minha carreira, por exemplo, seria totalmente impossível progredir sem um forte embasamento acadêmico”, afirma Reyes. “Nunca na história humana a educação foi tão fundamental como agora”, diz.

O pesquisador da Nasa, no entanto, avalia que o descontentamento dos jovens com as universidades deve ser entendido como um alerta. Para Reyes, muitos garotos estão buscando inspiração e precisam de tutores dentro das escolas que os ajudem a continuar aprendendo e avançando no conhecimento, em uma era em que a informação que entendemos hoje como a mais correta se transforma rapidamente. “O conhecimento sempre se modificou, mas nunca em ritmo tão veloz como agora, o que desafia a faculdade a ensinar seus alunos a perceber tendências e aprender por meio da pesquisa em rede, com método e critério”, diz Reyes.

O pesquisador contesta, por exemplo, a afirmação de que Jobs e Zuckerberg não teriam se beneficiado de suas faculdades. “Se você estudar sobre a vida de Steve Jobs, verá que a decisão de abandonar o Reed College tem muito a ver com questões financeiras de sua família e não com uma suposta inutilidade do conhecimento ministrado lá”, diz.  Em discurso feito para uma turma de formandos em Harvard, Jobs conta que sentia-se entediado com as aulas, mas foi estudando caligrafia que teve o insight de criar um sistema operacional com letras mais bonitas. Como se sabe, o design foi uma característica fundamental para o sucesso da Apple.

Do mesmo modo, a trajetória de sucesso do Facebook começa dentro de um dormitório de Harvard e é por meio da troca de experiências com estudantes mais velhos, como os irmãos Winklevoss e com o colega de quarto Eduardo Saverin, que Zuckerberg obtém as bases para criação da rede social que se tornaria, uma década depois, a mais popular do mundo. “O ambiente acadêmico permitiu a Mark aprimorar, testar e desenvolver suas ideias”, diz Reyes. Não à toa, Saverin e os Winklevoss foram à Justiça (e venceram) Zuckerberg em seu pedido de reconhecimento (e milionárias indenizações) por terem contribuído para a criação do Facebook.

Mudança à vista

Na avaliação do professor de economia e administração da Universidade de São Paulo Roy Mantelarc, as instituições de ensino superior já perceberam esta transformação na forma como se constrói o conhecimento e nas expectativas de seus alunos. “São muitas as instituições que organizam projetos de empreendedorismo, estudam a concepção de start-ups e preparam seus alunos para pesquisarem o conhecimento de que precisam nas redes digitais”, afirma Mantelarc.

Para o pesquisador da USP, no entanto, o público da Campus Party reflete apenas uma parcela dos jovens estudantes e suas expectativas em relação à sua formação educacional e o futuro de suas carreiras. “A gente entende que o público geek é apenas um recorte do total de estudantes. Há outros segmentos que desejam a formação humanística, a pesquisa e o conhecimento em seu sentido mais sofisticado”, avalia.

Para qualquer grupo de estudantes, entre os que sonham com o empreendedorismo e os que desejam obter uma formação cultural sólida, afirma o pesquisador, é generalizada a convicção de que a aprendizagem será contínua ao longo da vida, muitas das aulas serão dadas a distância e o aluno poderá montar seu próprio curso usando ferramentas como vídeos e pesquisa em rede.  “É possível, e até provável, que o diploma perderá importância e, naturalmente, instituições de ensino do mundo todo estão debruçadas em pensar sobre como tornar suas estruturas atraentes para novos alunos e relevantes para a sociedade”, reflete Mantelarc.

Durante uma mesa-redonda sobre o futuro da educação nas sociedades conectadas, um dos temas mais recorrentes foi a necessidade de aproximar o conteúdo ensinado em sala de aula da realidade que os alunos encontrarão no mercado. Para isso, uma sugestão apontada foi a criação de empresas juniores nas faculdades, as quais possibilitam projetar aos estudantes os desafios profissionais. O valor das faculdades que conseguem atrair para suas fileiras professores bem-sucedidos em suas carreiras profissionais, capazes de compartilhar experiências e misturar o perfil “de mercado” com o perfil “acadêmico” também foi lembrado por especialistas presentes.

Segundo Mantelarc, o que parece uma novidade, no entanto, é apenas uma forma diferente de ler o desafio que as instituições de ensino sempre tiveram. “Sou professor há 30 anos e, desde jovem, ouço as mesmas discussões sobre a importância de unir mercado de trabalho e ensino teórico”, diz. Para o pesquisador, é tão verdade que o conhecimento pode ser encontrado em muitos lugares (e não só na universidade) como é correta a afirmação de que nunca antes as instituições de ensino jogaram um papel tão fundamental para a sociedade. “O fato de todos sabermos mais e termos mais acesso à informação torna ainda mais importante fazer a curadoria, reflexão e análise sobre este novo conhecimento. As faculdades podem ter mil defeitos, mas ainda não se criou instituição melhor para transmitir e construir o conhecimento”, afirma Mantelarc.