Acadêmicos e representantes da área de psicopedagogia debatem as perspectivas dos cursos, que esbarram na falta de regulamentação para crescer e conquistar o mercado de trabalho pela qualidade

por Leandro Quintanilha

Responsável por estudar e tratar os problemas de dificuldade de aprendizagem, há 32 anos no Brasil, a psicopedagogia continua sendo uma profissão desregulamentada no país. A área de formação, normalmente associada à especialização, hoje conta com três cursos de bacharelado, que devem formar profissionais com vistas ao estudo do processo de ensino-aprendizagem com atuação nos campos clínico, institucional (escolas, hospitais ou empresas) e em pesquisa.
Os desafios e perspectivas da psicopedagogia em nível de graduação foi um dos temas discutidos durante o 9º Congresso Brasileiro da área, realizado em julho, em São Paulo, e com a participação das três instituições que oferecem o curso: o Centro Universitário Lassalle (Unilassale), o Centro Universitário Fieo (Unifieo) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O evento, promovido pela Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), ocorreu simultaneamente ao 1º Simpósio Internacional de Neurociências, Saúde Mental e Educação, realizado pelo Centro de Estudos de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A fusão dos encontros é fruto de um movimento da ABPp pela regulamentação da psicopedagogia e pela normatização da formação e do exercício profissional. O momento é oportuno, já que corre no Senado um projeto de regulamentação da atividade no Brasil. Durante o evento, foram recolhidas assinaturas de apoio a serem apresentadas em uma audiência pública sobre o tema prevista para agosto no Congresso Nacional.
“Ainda hoje, há quem acredite que psicopedagogia só exista como especialização”, disse a palestrante Adriana Gaião e Barbosa, coordenadora de curso UFPB. Apesar disso, ela anotou que existe uma demanda grande de mercado, inclusive para trabalho em consultórios. É justamente essa tendência que tem chamado a atenção dos conselhos federais de psicologia e fonoaudiologia, preocupados em perder espaço nas suas áreas de atuação. Adriana lamentou que a área também enfrente o preconceito de pedagogos. “Com o foco específico nas questões da aprendizagem, a psicopedagogia existe para somar e multiplicar”, reforçou.
De fato, são amplas as possibilidades de trabalho de um psicopedagogo. No curso da UFPB, há quatro etapas de estágio, duas na área institucional e duas na área clínica. A graduação da federal paraibana, hoje organizada em sete semestres (três anos e meio), deve ser ampliada em um semestre em breve, de acordo com a coordenadora.
Já o curso de bacharelado do Unilassalle, em Canoas, mantém as áreas de atuação no título: Psicopedagogia Clínica e Institucional. A instituição já atendeu a mais de 10 mil pessoas com dificuldades de aprendizagem, incluindo pessoas com deficiência visual e auditiva. De acordo com a coordenadora Glica Kartmann, que participou da mesa redonda por meio de um vídeo, o perfil dos discentes são profissionais que já trabalham com educação. O curso é noturno e organizado em oito semestres, incluindo plantões para esclarecimento de dúvidas antes e depois das aulas como uma forma de atenuar as dificuldades de tempo e disposição de quem trabalha o dia inteiro e estuda à noite.

Estudo comparativo
O ponto alto da mesa redonda foi a apresentação de um estudo comparativo das ementas de graduações da área em três países: Brasil, Argentina e Espanha. O material foi trazido por Márcia Siqueira de Andrade, coordenadora do curso de psicopedagogia do Unifieo. “A ideia não foi avaliar os cursos, mas entender comparativamente como eles funcionam”, disse.
A primeira graduação em psicopedagogia no país foi criada em 2005, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PucRS), mas o curso foi extinto por razões institucionais, isto é, sem a interferência do Ministério da Educação. Nos outros países pesquisados, a psicopedagogia é uma graduação mais antiga. Na Espanha, a primeira iniciativa, da Universidad de Vigo, na Galícia, tem 20 anos – data de 1992. Na Argentina, por sua vez, a pioneira foi a Universidad del Salvador, em Buenos Aires, que criou o curso de graduação em psicopedagogia há 56 anos, em 1956.
Márcia explicou que no Brasil, assim como na Argentina, o conceito de aprendizagem é mais abrangente – focado na vida, não apenas na escola, como é o caso da Espanha. Os cursos espanhóis preparam profissionais para trabalhar principalmente como orientadores escolares. Nos três países analisados, os cursos de graduação têm a mesma carga horária: cerca de três mil horas. Mas aqui as aulas podem estar concentradas em menos de quatro anos, o que não acontece na Argentina e na Espanha. Ainda de acordo com pesquisadora, no Brasil, a aproximação da psicopedagogia com a saúde é cada vez mais forte.
É o caso do curso do UniFieo, onde a ênfase em saúde está bem clara na grade curricular – 27% da carga horária são dedicadas a disciplinas da área. Os campos de psicologia e psicopedagogia detêm 27% e 18% do curso, respectivamente. Por sua vez, as áreas de educação e social ficam com 15% e 13% do total. “Esse movimento em direção à saúde é mais forte ainda na Argentina, embora lá a prioridade sejam as disciplinas de psicologia”, comentou Márcia. Já na Espanha, 43% do conteúdo são dedicados a matérias de educação.
Para Márcia, o reconhecimento formal é importante, mas “o reconhecimento social é mais”. Ela avalia que esse fenômeno já está ocorrendo, por meio da atuação de profissionais qualificados no mercado de trabalho.
Participando do debate da plateia, a conselheira da ABPp Marisa Irene Siqueira Castanho, psicóloga por formação, também defendeu os psicopedagogos. “É preciso fincar o pé e marcar o território da psicopedagogia”, disse. Ela lembrou que a área vem sendo reconhecida na prática, por constar em editais de concursos públicos com uma opção válida para candidatura. Para ela, o reconhecimento da profissão virá naturalmente com o tempo, fundamentado por pesquisas sobre o assunto.
A fonoaudióloga Quézia Bombonatto, presidente da ABPp, contou que a regulamentação da profissão já é uma realidade em diversos países como Espanha, Portugal, Alemanha, Argentina e Chile. De acordo com ela, ter regras é um grande avanço inclusive para a qualidade dos profissionais. “Com a regulamentação, teremos profissionais mais bem qualificados”, disse. Segundo ela, além do atendimento ao aluno, o psicopedagogo pode trabalhar também com equipes gestoras, atuando na prevenção de problemas de aprendizado.