CAPA | Edição 205

Com profissionalização e competitividade crescentes, setor busca lideranças que conciliem resultado nos negócios e qualidade acadêmica

por Paulo Jebaili

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No final de novembro de 2015, executivos financeiros de instituições de ensino superior privado estiveram em Brasília para a 8ª edição do FinancIES, fórum criado para debater questões específicas dessa confraria que reúne cerca de 1,2 mil profissionais no país (leia mais na pág. 38).

Mais do que o teor do fórum, o evento em si exemplifica a profissionalização do setor de ensino, que vem passando por significativas transformações desde meados dos anos 1990. Na última década, especialmente, a demanda por eficiência na gestão das instituições só fez crescer. “Há cerca de dez anos, o ensino superior no Brasil se tornou um negócio altamente rentável, à medida que houve ascensão das classes C e D, e uma facilitação do governo federal para o financiamento do ensino superior. Isso também fez com que houvesse uma chegada acelerada de grupos internacionais  a essa área. De modo geral, houve uma profissionalização da gestão”, observa o filósofo e educador Mario Sergio Cortella.

O ambiente competitivo fez com que a preocupação das IES se ampliasse para além dos currículos acadêmicos. Gestão financeira, visão sistêmica de produtos, clientes e mercados passaram a ser requisitos básicos de sobrevivência. “Realmente estamos vivendo não apenas uma época de mudanças, mas uma verdadeira mudança de época no mercado de educação no Brasil”, diz Cesar Souza, presidente da consultoria Empreenda.

A exigência dos novos tempos deflagrou dois movimentos na gestão do capital humano das instituições: a capacitação de quadros acadêmicos em ferramentas gerenciais e o recrutamento de executivos de outros segmentos econômicos. “Houve um momento em que se trabalhavam questões de uma complexidade menor, em que se chamava alguém para ser gestor financeiro de uma instituição de pequeno porte. Esse profissional, de alguma forma, aplicava o conhecimento de outros setores”, explica Marcio Sanches, coordenador da Universidade Corporativa do Semesp. A partir do momento em que o mercado mudou de patamar, com  grandes negócios, a régua gerencial foi elevada. “Principalmente com abertura de capital, ações em bolsa, parcerias com fundos de investimento, entrada de private equities (modalidade de investimento para empresas prestes a abrir o capital ou a atuar de uma nova forma no mercado aberto), há uma inflexão nessa curva. O setor passa a ter uma exigência de profissionalização muito maior, não só por causa do capital aberto, mas porque as instituições têm de cumprir todos os princípios de governança, de transparência, de prestação de contas, e de dar resultados para o investidor, o que não era uma cultura nas instituições de ensino, que eram meio envergonhadas em relação a essa questão de geração de resultados”, explica Sanches.

Esse quadro de expansão das IES e a necessidade de eficácia gerencial abriram um fluxo migratório de executivos de outras áreas. “Ao longo dos últimos anos, aumentou muito o interesse de profissionais de outros mercados pelo setor de educação. Isso também impacta o líder acadêmico, porque quem vem com uma visão de negócio de indústrias muito diferentes, muitas vezes, chega já muito profissionalizado. Esse profissional vem de setores que têm processos, procedimentos, governança, tudo muito bem estruturado, e vem com ideia de implementar isso também na intuição de ensino”, conta Alessandra Neves, gerente de treinamento e desenvolvimento da Kroton, maior grupo de ensino privado do país.

Essa troca de experiências sinalizou que o mercado não seria mais o mesmo. “Isso está oxigenando muito o setor, trazendo ideias novas, fora do mundo tradicional da educação”, observa Cesar Souza.

Intersecção

A aproximação do mundo dos negócios impõe a lógica da competitividade, mas não isenta que descompassos fiquem expostos. O setor se viu diante do desafio de ter um contingente com sólida formação acadêmica e pouca familiaridade com os aspectos gerenciais. Do outro lado, executivos vindos de outros segmentos, com pouca desenvoltura na linguagem de uma área que tem aspectos próprios, como regulação, meritocracia e plano de carreiras, por exemplo. Cabe às lideranças juntar essas pontas e equacionar os gaps de competências. Além de amalgamar culturas diferentes. “No setor, existe ainda um preconceito com o estabelecimento de metas em educação, especialmente para as pessoas que estão no corpo acadêmico. E os líderes têm dificuldade em acompanhar o desenvolvimento das suas equipes para darem resultados”, comenta Flávia Leão, gerente da consultoria Hay Group. Já do ponto de vista de quem chega, há a necessidade de compreender as particularidades do meio. “A gestão de caixa numa IES é diferente de uma gestão de caixa de uma empresa varejista”, explica Sanches. “A gestão de RH em uma IES tem particularidades, porque há um aspecto legal, um acordo coletivo de trabalho e carreiras com uma série de peculiaridades”, completa.

Essa interseção de mundos ainda exige uma afinação, para que não se crie uma eventual contraposição entre quantidade e qualidade. “O executivo precisa entender que o mercado aceita essas lógicas da atividade mercantil, mas isso tem um limite. Embora não tenha o olhar exclusivo do acadêmico, ele não pode relegar o acadêmico a um plano secundário”, alerta Cortella.

Na visão de Marcio Sanches, o fato de o mercado ser regulado reduz a possibilidade de uma oposição entre rentabilidade do negócio e nível de ensino. “Na minha visão, os instrumentos de regulação do Ministério da Educação vêm ajudando as instituições a melhorar a sua qualidade”, diz.  Ele toma como base a comparação de indicadores das últimas duas décadas, quando os números de mestres e doutores, e de programas de iniciação científica, por exemplo, eram muito menores que os atuais. “O grande desafio das instituições é obter resultados entregando um produto dentro de um ambiente competitivo. Pois quando há situações de mais crédito, o aluno vai escolher um curso que tenha um desempenho melhor”, argumenta.

A qualidade do ensino é um fator-chave na competitividade, segundo Márcio de Morais, reitor da Universidade Metodista de São Paulo. “Os maiores desafios com os quais temos convivido são manter a qualidade dos cursos e, ao mesmo tempo, fazer com que estejam em sintonia com o mercado de trabalho, o que significa dizer que precisamos não somente estar atentos a tudo o que acontece e aceitarmos que a mudança gerada pela constante atualização – tanto tecnológica, quanto de processos – gera impactos profundos. Isso significa que um dos maiores desafios é exatamente o de reconhecer que estudar por toda a vida é o que precisamos”, afirma.

Apesar de não ter recrutado executivos de outras áreas, o reitor relata que não teria problema em fazê-lo. “Não vejo grandes dificuldades em receber profissionais que venham e sejam integrados à área de ensino. Atuar na área de ensino é tão desafiador quanto em outras áreas, com a diferença de que, por aqui, os desafios são novos a cada dia e isso é um fator motivador dos mais importantes.”

A importância da escuta

Quem experimentou essa transição quando o mercado começava a mudar foi Custódio Pereira, que deixou uma indústria multinacional para ser diretor financeiro do Mackenzie, em 1997. Desde então, não saiu mais do setor de educação e hoje é diretor geral da Associação Santa Marcelina, mantenedora da Faculdade Santa Marcelina, onde está há cinco anos. Para ele, há dois atributos essenciais para um líder em uma IES: estar constantemente atualizado e saber se relacionar com as pessoas para ter uma equipe capaz de contribuir para a alta performance da empresa. “Para ter uma equipe capacitada e motivada, o líder precisa ter contato com os professores, com os coordenadores, com o diretor, não é só papel e relatório. O líder precisa ouvir as pessoas. O grande desafio do líder é conseguir equipes com um alinhamento motivacional, dentro de um objetivo comum, com metas de crescimento, de qualidade”, ressalta.

O fato de estar à frente de uma entidade confessional não muda a forma de atuação no mercado. “Não é que nós não nos preocupemos com o resultado – nos preocupamos e muito. Temos uma preocupação com a formação não só no conhecimento científico, mas com a formação também sob o ponto de vista humano”, diz.

O dirigente considera que o porte de uma instituição não é indicativo de competitividade. “Darwin já dizia que não é o mais forte que sobrevive, e sim o que mais rapidamente se adapta às mudanças. Num mercado com mudanças constantes, a adaptabilidade, a flexibilidade de saber a hora em que é preciso mudar ou se ajustar são muito importantes”, analisa.

Se em algumas áreas da atividade econômica há um emparelhamento dos fatores de competitividade, no mercado educacional, com aproximadamente 2 mil instituições de portes e características diferentes, há empresas em diferentes estágios no aspecto negocial.

Na avaliação da consultora Flavia Leão, do Hay Group,  a visão de negócio ainda está restrita ao topo, não se espalhou para as demais camadas das organizações. “O setor avançou com velocidade nessa direção. Mas ainda está aquém da necessidade. Porque o setor trabalha essas questões do negócio e da estratégia de forma desorganizada, pois busca profissionais do topo, mas não treina a base, por exemplo. A visão de negócio tem de ir para a base também”, diz.

O timing e as necessidades variam conforme as características de cada entidade. Numa organização como a Kroton, que se notabilizou pela aquisição de outras instituições de ensino, um desafio crítico para as lideranças é conduzir os processos de integração. “O líder precisa dar uma visão de futuro para que as pessoas se mobilizem e façam as implementações e as integrações de sistemas, de processos, de pessoas. E não tem receita para bolo, cada aquisição é diferente. Existem níveis diferentes de maturidade de culturas, há culturas mais ou menos aderentes à cultura estabelecida”, relata Alessandra Neves.

Boas práticas

Em um mercado que ainda está se moldando, quais seriam os aspectos em que há mais espaço para evoluir?

Na opinião de Sanches, do Semesp, esse movimento de olhar para outros setores da iniciativa privada necessita ser intensificado, sem perder o referencial do próprio mercado educacional. “Precisamos ter programas em que cada vez mais se tragam boas práticas de outros setores, ao mesmo tempo que as boas práticas que o nosso setor desenvolve sejam compartilhadas.”

A lacuna observada por Pereira, da Santa Marcelina, é a pouco trabalhada relação com ex-alunos. “É algo que ainda não se desenvolveu o suficiente dentro do potencial que tem. Os norte-americanos usam os ex-alunos para divulgar a escola, para fortalecer o esprit de corps. Alguns ex-alunos são hoje diretores, presidentes. Não temos a preocupação de saber onde eles estão. E eles são a nossa marca”, diz.

A conexão com universidades de outros países é um caminho apontado por Mario Sergio Cortella para abrir o horizonte de instituições e alunos. “Num mundo globalizado, é necessário que o líder esteja atento a instituições de fora, porque isso hoje tem um valor muito forte. Várias IES têm convênios com universidades de outros países, o que permite uma complementação curricular e isso interessa ao mundo empresarial. Por isso, o líder tem de operar localmente com uma mente global. Pegar o que é novo de fora e também fazer com que a formação se complemente, seja ao trazer pessoas de fora para aqui ensinar, pesquisar, seja fazendo com que uma parte dos alunos consiga essa complementação. Hoje um dos diferenciais das instituições é a possibilidade de fazer um período numa universidade fora do Brasil”, analisa.

Impacto positivo

Com várias frentes de melhora, a tendência do setor de educação é tornar-se mais atrativo para profissionais de outras áreas. “Mesmo com o cenário que a gente enfrentou em 2015, o setor tem muita expectativa de crescimento, até pelo déficit educacional que temos, uma condição preexistente. Mas é uma função de muito encanto, que tem um produto nobre. Uma das coisas mais importantes de um país, se não a mais importante, é a educação. Ao mesmo tempo, a possibilidade de tornar a instituição mais eficiente faz brilhar os olhos de um executivo que quer fazer diferença”, comenta Alessandra Neves.

Não bastassem esses motivos, a área de educação também parece ser um destino e tanto numa época em que se fala de trabalho com propósito. “E nisso a gente sai na frente. Não consigo imaginar algo mais agradável de se trabalhar e que impacta milhões de brasileiros. E também há a possibilidade de crescer num setor que ainda está se profissionalizando”, acrescenta a gerente da Kroton.

Pereira, da Santa Marcelina, que passou pelas áreas bancária, de engenharia e industrial, não tem dúvida. “A mais bonita é a de educação, você se sente dando uma contribuição ao país, trabalhando num setor de alta dignidade e de responsabilidade”, arremata.

Sejam capacitados na própria IES ou vindos de outras áreas, os líderes chegam também com a incumbência de formar a futura geração de líderes, do setor e do país. Mais do que nunca, uma missão prioritária.

 

Demandas de ponta
O consultor César Souza lista os maiores desafios a serem encarados pelos líderes das instituições de ensino superior:•  Posicionamento claro da IES: algumas instituições não têm isso tão claro quanto deveriam e outras usam a estratégia de “o que cair na rede é peixe” e nem sempre explicitam uma identidade, a razão da sua existência.

•  Conhecimento profundo dos desejos e necessidades do seu público – alunos, famílias, empresas, comunidades –, pois muitas acham que entendem, mas não conhecem os sonhos dos alunos, nem suas verdadeiras aspirações e carências.

•  Necessidade de um grau muito maior de integração entre todos aqueles que compõem a IES. Mundos acadêmico e administrativo ainda são vistos como estanques.

•  Ótimo atendimento aos alunos. Qualidade não é apenas dentro da sala de aula, do ensino acadêmico; falta qualidade no trato do relacionamento do aluno, da família com a instituição como um todo. Há muita propaganda para atrair o aluno, mas, depois de o conquistar, falta esforço que justifique a escolha que ele fez.

•  Equilibrar resultados quantitativos com os qualitativos.

•  Inovar para ser protagonista do processo de transformação do Brasil e não apenas coadjuvante.

 

Dentro ou fora?
Não existe fórmula na hora de buscar um líder. Mas a ordem dos fatores pode alterar o resultado
Quando surge a necessidade de colocar um profissional num cargo de liderança, é melhor capacitar algum quadro que já esteja na casa ou recrutar do mercado? A decisão depende de uma série de circunstâncias que cercam a instituição naquele determinado momento. Os dois caminhos são viáveis. Há, no entanto, a recomendação de primeiro avaliar o capital humano existente e depois, se for o caso, ir à procura do executivo em outras paragens. “Antes de trazer um profissional do mercado, é preciso ter certeza de que não tem ninguém dentro de casa. As empresas do setor educacional raramente avaliam os seus profissionais. Começam a trazer do mercado e a mexer demais no seu time de executivos. O período de adaptação pode ser longo, ele se vê numa cultura diferente e, nisso, perde-se tempo”, analisa Flavia Leão, do Hay Group. O fator tempo é crucial nesse processo, mesmo que se constate que é preciso buscar o reforço fora. “Se fizer a avaliação de perfil e perceber que não tem esse executivo, traga do mercado imediatamente”, afirma a gerente. Para atender às necessidades de expansão, a Kroton teve de ir ao mercado. Ainda assim, o primeiro passo sempre foi olhar para dentro. “A empresa cresceu muito rápido, então, houve um índice bastante alto de promoções internas. Começamos a estruturar processos de avaliação de desempenho, ferramentas de assessment para avaliar os perfis que temos internamente. Hoje, quando há uma necessidade de liderança, olhamos no nosso pool interno quem está pronto, quem já conhece, até porque já tem aderência à cultura, então, esse risco nós não corremos mais. Somente quando não temos ninguém é que vamos para o mercado”, explica Alessandra Neves, gerente de desenvolvimento do grupo educacional.