ENSAIO | Edição 204

Não há como tratar de políticas públicas de educação sem considerar uma grande gama de aspectos, entre os quais o papel exercido pelos pais

por Maurício Garcia

© iStockphotoO ex-ministro Renato Janine vinha  afirmando reiteradamente, assim como seus antecessores, a importância do foco das políticas públicas na Educação Básica. Afinal, é notório o pífio desempenho do Brasil em exames como o Pisa, avaliação realizada a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A última prova foi em 2012, envolvendo 65 países e 510 mil jovens de 15 a 16 anos. Apenas sete países tiveram resultados piores do que o Brasil. Ficamos atrás de nações com contextos históricos e socioculturais não tão diferentes do nosso, como Vietnã, Sérvia, Cazaquistão, Chile, México, Uruguai e Costa Rica. Em breve, será publicado o relatório de 2015 e dá frio na barriga só de pensar.

Os professores que atuam na educação superior  conhecem bem essa realidade. Recebem do ensino médio alunos que sabem ler, mas que não são capazes de fazer abstrações a partir de textos de média complexidade. Sabem as operações matemáticas básicas, mas falham nas mais elaboradas, como a soma de frações. Por mais que as instituições criem programas de recuperação e nivelamento, não dá para consertar em pouco tempo um problema tão estrutural.

Parece adequado, assim, focar a Educação Básica como solução desse problema. Há, todavia, uma questão mais sistêmica que precisa ser abordada como um todo. Pesquisadores de vários países já demonstraram que o principal fator que interfere na capacidade de aprendizado dos jovens é a qualidade dos estímulos intelectuais que a criança recebe até os sete anos de idade, o que está diretamente relacionado com a escolaridade dos pais. Crianças que crescem em ambientes com diálogos mais elaborados e que participam de atividades intelectualmente mais complexas tornam-se melhores alunos e conseguem aprender mais quando vão para a escola.

Esse assunto foi abordado por pesquisadores da Universidade da Califórnia, que acompanharam durante 28 anos o desempenho acadêmico de um grupo de indivíduos, desde a infância até a maturidade. O trabalho publicado na revista Parenting: Science and Practice (jan/2015) demonstrou o efeito positivo no fato de mães lerem histórias para as crianças no que se refere ao desenvolvimento da capacidade cognitiva na fase adulta. Em abordagem semelhante, pesquisadores da Universidade de Nova Jersey fizeram a revisão de 38 trabalhos também de longo prazo e a conclusão foi a mesma: a educação na tenra idade produz resultados longos e persistentes para a vida toda.

Para os nossos lados, a história é a mesma. Pesquisadores da USP demonstraram que a nota que um aluno obtém no Enem depende muito mais (80%) da renda familiar, da escolaridade dos pais e de outros fatores socioeconômicos, do que do trabalho das escolas propriamente dito (20%).

Os efeitos não se restringem ao desenvolvimento da capacidade cognitiva na fase adulta. De acordo com o Ounce of Prevention Fund, que cuida de milhares de crianças desamparadas nos EUA, aqueles que não recebem educação de qualidade na infância têm 20% mais chance de abandonar os estudos, 40% mais chance de serem pais/mães adolescentes, 50% mais chance de necessitarem de educação especial e 70% mais chance de serem presos por crimes violentos.

Não há como tratar de políticas públicas de educação sem considerar uma grande gama de aspectos, entre os quais o papel exercido pelos pais. Crianças que crescem em lares com pais de baixa escolaridade terão mais dificuldade em aprender quando adultos, se comparadas com crianças de lares com maior riqueza na qualidade dos diálogos domésticos.

Temos, assim, um perverso círculo vicioso: o desempenho acadêmico médio das crianças brasileiras é pífio, quando comparado com outros países, em grande parte porque elas possuem pais com baixa escolaridade. Dessa forma, a chance de essas crianças não completarem uma faculdade é grande e, por consequência, seus filhos também não se desenvolverão, perpetuando o problema.

Dessa forma, o que o Brasil precisa não é melhorar a qualidade dos alunos, mas sim a qualidade dos pais. O Brasil precisa de mais pais que estudem com seus filhos, de mais mães que contem histórias para suas crianças. Precisa de pais que não transfiram para a escola a sua obrigação de educar os seus próprios filhos.

Educação é um segmento que produz resultados somente após muitos anos. É algo para ser pensado em termos de gerações, não em anos, muito menos em governos. Não é possível, assim, pensar em Educação Básica sem pensar na educação superior. O grande papel da educação superior, neste momento, não é apenas formar profissionais para o mercado de trabalho. É ajudar a formar bons pais. Quanto mais escolaridade tiverem, mais ricos serão os diálogos em suas casas e mais vão se desenvolver os seus filhos.

O Brasil possui apenas sete milhões de universitários. Deveríamos dobrar para ter uma taxa de escolaridade superior decente. Apostar nos universitários de hoje é investir na geração de seus filhos, ou quem sabe seus netos. Países devastados por guerras, como Coreia e Vietnã, fizeram essa aposta há várias décadas e hoje colhem os seus frutos. Por que não podemos fazer isso também?

Maurício Garcia é doutor pela Universidade de São Paulo e vice-presidente de Planejamento e Ensino da DeVry Brasil