Com R$ 18 bilhões previstos, a disponibilidade de recursos não é problema para o financiamento do ensino superior brasileiro, mas a liberação do dinheiro emperra na burocracia e regras rígidas. Conheça os tipos de programas e como acessá-los

por José Eduardo Coutelle

principalO Brasil tem aproximadamente R$ 18 bilhões em recursos destinados à educação superior para 2013, um valor recorde na história do país. Nunca houve tanto investimento público para o setor acadêmico. Desse montante, cerca de R$ 7,2 bi são dedicados às bolsas e linhas de financiamento à pesquisa e R$ 8,75 bi à formação de alunos, além de um valor inestimado de crédito disponível no setor bancário para uso direto das instituições. Para se ter uma ideia do volume de recursos, com esse dinheiro poderiam ser construídas 17 arenas do Corinthians ou sete circuitos de Fórmula 1 como o dos Emirados Árabes, um dos mais modernos do mundo.

No entanto, esses recursos não conseguem ser aplicados para a melhoria do sistema de ensino superior, pois a liberação de verbas não chega assim tão facilmente às instituições de ensino. A maioria dos programas de financiamento prioriza as universidades públicas e a burocracia para acessar os demais créditos acaba deixando a rede particular à margem das políticas nacionais de educação, que inclusive recebem recursos de órgãos como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Financiamento de gaveta
Do estimado montante de recursos esperando para ser aplicado no ensino superior, já de saída subtrai-se R$ 1 bilhão. É que uma das mais importantes linhas de crédito, lançada especialmente para dar fôlego ao sistema de ensino superior privado, desde 2010 não sai do papel.

O Programa de Melhoria do Ensino das Instituições de Educação Superior (Proies), criado pelo Ministério da Educação em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), é destinado a financiar equipamentos, livros, adequações físicas, capital de giro, reestruturação financeira, entre outras demandas das instituições particulares. A ideia era suprir a carência de recursos para o setor educacional privado, oferecendo financiamento com juros baixos – entre 0,9% e 4% ao ano – e longo prazo para pagamento, mas esse dinheiro está praticamente inacessível, pois até agora nenhuma instituição conseguiu acessar os recursos.

A proposta de salvaguardar as instituições para melhorias estruturais foi alinhada às políticas do MEC de controle da qualidade do ensino, desencadeando uma série de exigências e uma burocracia sem fim para elaboração de um projeto. Para recorrer ao recurso as instituições precisam manter sua participação nos programas de bolsa e de financiamento estudantil do governo, como ProUni e Fies, além de apresentar pelo menos nota 3 no Índice Geral de Cursos (IGC). Dessa forma, o governo criou, extraoficialmente, um grupo de instituições não contempláveis, as quais, normalmente, seriam as que mais necessitariam de investimentos para melhorar sua infraestrutura e qualidade.

Segundo dados do e-MEC, das 2.634 instituições de ensino superior registradas no país, entre faculdades, universidades e centros universitários, 2.352 são privadas, o que corresponde a quase 90% do total. Destas, apenas 1.115 tiveram IGC 3 ou maior na última avaliação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). Ou seja, a metade das instituições privadas de ensino superior não pode recorrer ao financiamento do BNDES. E ainda pior: além da possível evasão nas matrículas devido à propaganda negativa gerada pela qualidade insatisfatória avaliada, a instituição fica impossibilitada de abrir novos cursos, agravando ainda mais sua crise financeira.

Outro empecilho ao acesso do Proies é a falta de divulgação. Uma pesquisa realizada no ano passado pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) mostrou que quase a metade das instituições entrevistadas sequer sabia da existência do programa. Já as que conheciam e tentaram, sem sucesso, solicitar o recurso apontaram como principais impeditivos uma emaranhada rede de burocracia, a necessidade da intermediação de instituições financeiras e o atendimento ineficiente e incapaz de sanar dúvidas pontuais.

“Ninguém consegue ter acesso a essa linha de financiamento. A burocracia é tão grande que as instituições desistem”, constata o diretor-executivo do Semesp, Rodrigo Capelato, que revela não conhecer uma instituição particular sequer que tenha recebido o recurso. Segundo ele, o problema já começa na elaboração do projeto, o qual não possui um modelo padrão de preenchimento. Em seguida, quando se recorre aos bancos credenciados que fazem a intermediação, o projeto para porque não há conhecimento sobre a existência do programa. A complicada tramitação engessa o processo e deixa dúvidas se o financiamento realmente existe fora do papel.

Para tentar reverter a situação foi criado um grupo técnico formado por representantes do governo, dos bancos e das instituições de ensino com o objetivo de criar mecanismos para flexibilização do programa. Entretanto, em sete meses de muitas reuniões e conversas, nenhum avanço concreto foi alcançado. Os representantes do setor acadêmico seguem agindo para que um meio termo seja estabelecido e com isso o programa seja de fato efetivado. Capelato destaca que o financiamento é de fundamental importância, ainda mais para as pequenas instituições que não possuem mecanismos como a possibilidade de captação de recursos no mercado financeiro e bolsa de valores.

Alternativa bancária
Assim, para superar uma eventual situação de crise, a principal alternativa para essas instituições acaba sendo recorrer aos bancos tradicionais, normalmente submetendo-se a juros maiores e prazos mais estreitos.

Existem inúmeras linhas de crédito dependendo do porte da empresa, algumas específicas para capital de giro, antecipação de recebíveis e financiamentos de investimentos. Entretanto, nenhuma oferece benefícios específicos para instituições educacionais. Os prazos para pagamento variam conforme o valor solicitado e o relacionamento com o banco, podendo chegar a 72 meses. As taxas de juros também variam bastante, ficando em média na casa do 1% ao mês.

Para o consultor em educação Celso da Costa Frauches, as políticas públicas para as instituições particulares estão paradas no tempo. “Estamos no mesmo nível de 50 anos atrás. A atual realidade é muito cruel. E não é nem por falta de patrimônio do governo, mas sim por uma posição política”, afirma. O especialista lamenta o descaso com o setor privado de ensino superior, que acolhe cerca de 75% dos alunos de graduação. “Eu acho que existe sim preconceito do governo”, assevera Frauches.

Fonte estudantil
Sem acesso a uma política de crédito facilitada para investir, os programas de financiamento e bolsas de estudos se transformaram nos maiores aliados das instituições de ensino para levantar recursos por meio do oferecimento do serviço educacional. O crédito estudantil possibilita ter turmas mais cheias e maior segurança com relação à inadimplência, que em 2011 chegou a quase 14%. Somente o Fies tem orçamento estimado em R$ 7,8 bilhões para este ano, destinado ao pagamento das mensalidades dos 626,5 mil contratos em andamento e dos cerca de 400 mil que devem ser firmados em 2013. A remuneração é realizada através de títulos da Dívida Pública, que são repassados mensalmente às instituições de ensino. Esse valor é utilizado para quitação de contribuições previdenciárias e demais tributos da Receita Federal. No caso de excedentes, eles são recomprados pelo governo pelo mesmo valor da mensalidade.

O programa tem sido visto como uma das principais formas de salvação financeira para instituições particulares. Isso porque anualmente concede um número cada vez maior de financiamentos e o histórico de atrasos dos repasses que vinha ocorrendo até 2011 foi regularizado. No ano passado, 23,8% dos alunos ingressantes na rede particular foram contemplados com o custeio, contra apenas 2,4% em 2009. E esse percentual deve aumentar ainda mais. O diretor-executivo do Semesp, Rodrigo Capelato, acredita que rapidamente ultrapassará a margem dos 30%, podendo chegar a 40% nos próximos anos.

Outra alternativa de fonte de recursos do governo federal vem por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni), que concede bolsas integrais ou parciais (50% da mensalidade) para estudantes de ensino superior. Nesse caso os valores das matrículas são repassados às instituições de ensino através da isenção tributária – PIS, Cofins, IRPJ e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Diferentemente do Fies, não há negociação de excedente e o número de vagas é limitado conforme a demanda específica de cada instituição. No processo seletivo do primeiro semestre deste ano foram ofertadas 108.686 bolsas integrais e 53.643 parciais. Isto representa, conforme previsão da Receita Federal, aproximadamente R$ 751 milhões em impostos que deixarão de entrar nos cofres públicos.

No entanto, Celso Frauches alerta para o risco da dependência dessa fonte de recursos. Isso porque basta uma avaliação negativa no Índice Geral de Cursos (IGC) para que os contratos de financiamento e ProUni da instituição sejam congelados, o que pode comprometer seriamente a saúde financeira do estabelecimento.

Mantido pela iniciativa privada, o Pravaler é uma outra opção de crédito estudantil alternativa para a manutenção de recursos em caixa, seja para pagamento da folha ou aplicação em reformas e ampliações. Com esse programa de crédito oferecido aos alunos é possível que a instituição antecipe até o valor integral das mensalidades do semestre. Isso quer dizer risco zero de inadimplência e dinheiro na mão para ser utilizado da maneira que bem lhe couber. Criado pela Ideal Invest em 2006, o Pravaler já repassou R$ 1 bilhão em mensalidades até março de 2013 e visa alcançar pelo menos o mesmo montante nos próximos cinco anos.

Para participar do programa, explica o diretor-executivo da Ideal Invest, Carlos Furlan, o primeiro passo é a formalização de um contrato. Nele será definido o percentual que a instituição de ensino subsidiará do juro do financiamento – um opcional para atrair mais alunos – e mais as taxas de manutenção do programa, que incluem gastos com marketing e divulgação. Concluída essa etapa, o Pravaler coloca uma equipe de trabalho dentro da instituição de ensino para a formalização dos contratos.

Para o estudante o contrato funciona da seguinte forma: cada mensalidade é dividida em duas prestações e o financiamento é renovado a cada semestre. Assim, um curso de quatro anos é pago em oito. Com isso, o aluno pode escolher a formação que deseja e não a que pode pagar. Como resultado, mais de 30 mil estudantes já receberam o financiamento e cerca de 300 instituições de ensino de todas as regiões do Brasil estão credenciadas.

Entretanto, o Pravaler enfrenta uma concorrência quase que desleal exercida pelo Fies, especialmente pela taxa de juros cobrada. Enquanto que no programa federal a taxa é de 3,4% ao ano, no Pravaler o índice é de 1,99% ao mês, que pode ou não ter uma parte subsidiada. Mesmo sendo atrativo para as instituições de ensino, com essa taxa de juros fica difícil de o programa conquistar os alunos. Além disso, no financiamento federal o aluno começa a pagar o valor contratado somente 18 meses após a formatura e o período de quitação é de três vezes o da duração do curso.

Recurso para pesquisa
Outra fonte de financiamento do ensino superior vem das linhas de apoio à pesquisa. Com uma seleção bem mais restrita, este recurso deixa de fora uma boa parte das pequenas faculdades, pois é necessário que as instituições apresentem projetos elaborados por uma equipe especializada de professores, com no mínimo doutorado.

Dinheiro tem de sobra, mesmo que as universidades públicas dominem a conquista dessa parcela de recursos. A estimativa do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) é que o orçamento de todas as 25 fundações estaduais de pesquisa juntas chegue a R$ 2,2 bilhões neste ano, sendo R$ 1 bilhão só no Estado de São Paulo, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp).

O diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, conta que o encaminhamento de projetos por instituições particulares tem aumentado nos últimos anos. Passou de 700, entre 1998 a 2002, para 1,1 mil no ano passado. Destes, 57% foram aprovados e receberam o recurso, percentual muito próximo ao das universidades públicas que alcançou 58% de taxa de sucesso. A principal diferença está mesmo na quantidade de projetos apresentados: 22 mil das públicas contra 1,1 mil das particulares. Brito justifica que esses números se devem à menor quantidade de cientistas no quadro dos docentes – 700 nas particulares contra oito mil nas públicas – e que dedicam menos interesse à atividade de pesquisa, até mesmo por razões econômicas.

O financiamento da Fapesp, que cobre gastos com estrutura de pesquisa, equipamentos, componentes e bolsas já é um recurso muito utilizado por algumas universidades particulares. A Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) ocupa a primeira posição e apresenta em média 80 projetos por ano. Logo em seguida estão a Universidade Nove de Julho (Uninove) e a Universidade de Franca (Unifran). Essa procura crescente é vista com bons olhos pelo diretor. “Seria bom para São Paulo se as universidades privadas dedicassem mais esforço à pesquisa. O estado precisa de um maior número de cientistas ativos, com isso a educação será melhor”, completa Brito.

Outros três órgãos federais financiam pesquisa no Brasil. Ligados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) têm orçamento previsto de R$ 2,7 bilhões para este ano. Além disso, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculada ao MEC, adiciona a esse bolo mais R$ 3,3 bilhões.

Parte desse recurso é destinada através de chamadas públicas, que são divulgadas no Diário Oficial da União. Para participar, os programas de pós-graduação devem encaminhar suas propostas, que serão avaliadas e selecionadas por uma equipe julgadora. “Nunca houve tanto recurso para a área de pesquisa e tecnologia”, constata o diretor de Relações Interinstitucionais da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação (Abipti), Félix Andrade da Silva.

Em contrapartida, uma parcela deste recurso nunca chegará às mãos de algumas instituições de ensino. Isso porque somente as públicas e as particulares sem fins lucrativos podem participar dos editais da Finep. Ou seja, retire as faculdades e centros universitários que não são obrigados a fazer pesquisa e sobram 83 universidades particulares no Brasil. Destas, 62 são sem fins lucrativos e podem concorrer ao recurso.

Na trilha dos recursos
Saiba onde buscar e o que é preciso para obter os financiamentosAmparo à pesquisa
Nas Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs), o processo de liberação do recurso se inicia através da elaboração de um projeto científico, coordenado por um professor doutor. Após receber aprovação da instituição de ensino a que está vinculado, o docente encaminha o projeto à FAP de seu estado. Em seguida, os documentos passam por uma análise e avaliação que dura em média 65 dias. Caso aprovado, o recurso é liberado. O financiamento das FAPs cobre bolsas para pesquisa, aquisição de componentes, equipamentos e obras de infraestrutura.Finep
Os recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) também são destinados à pesquisa e inovação. Eles são distribuídos através da abertura de chamadas públicas divulgadas no portal da instituição e no Diário Oficial da União (DOU). A instituição interessada deve encaminhar sua proposta e concorrer ao financiamento em um processo de licitação. Na etapa seguinte, um comitê de avaliação determina qual será a proposta vencedora. Uma ressalva é que somente instituições públicas e sem fins lucrativos podem concorrer ao recurso.Subsídio aos alunos
Para participar do Pravaler o primeiro passo é a formação de um contrato. Nele é definido o valor da comissão repassado ao programa conforme o que for acordado (divulgação, marketing e equipe interna) e o percentual subsidiado dos juros das mensalidades. Todas as instituições de ensino podem participar e não há limite mínimo ou máximo de alunos no programa.

Pós-graduação
CNPq e Capes também concedem financiamentos em editais publicados no DOU. Já as regras para distribuição de bolsas variam muito conforme cada tipo. Uma das formas é através de quotas aos programas de pós-graduação. Para concorrer, o curso precisa necessariamente estar cadastrado junto aos agentes financiadores. Outro critério excludente é a avaliação de qualidade da Capes, que varia de 1 a 7. Ela irá determinar o número de bolsas que o curso irá receber.

 

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