Editor do ranking da Times Higher Education, Phil Baty, reconhece o peso exacerbado da pesquisa científica na avaliação e ressalta a importância de construir classificações adequadas ao perfil de cada instituição

por Amanda Cieglinski | fotos Paulino Menezes



O que faz de uma universidade uma grande instituição? A pergunta inquietante foi repetida várias vezes pelo jornalista Phil Baty, editor-geral da revista Times Higher Education (THE), responsável por um dos principais rankings internacionais de ensino superior. O britânico esteve no Brasil para ministrar uma palestra a convite do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) sobre avaliação e a qualidade do ensino superior brasileiro. Para Baty, não existe uma resposta correta para a pergunta inicial de sua palestra. O ranking THE utiliza 13 indicadores, como a reputação da instituição, a quantidade de recursos financeiros que ela aplica, o número de alunos por professor e o impacto da pesquisa produzida para eleger as melhores universidades do mundo.

Após o evento, ocorrido no auditório do MEC, em julho, em entrevista à Ensino Superior, ele destacou que a avaliação não pode tentar comparar modelos diferentes de instituição e defendeu que a variedade de formatos é importante para o fortalecimento de um sistema de ensino. “Acredito que rankings nacionais são muito mais complicados do que os globais porque, embora se tenham dados mais detalhados, eles não recompensam a diversidade do sistema. Já os rankings internacionais são produzidos com os competidores globais que têm uma missão parecida”, ponderou.

Ele convidou os representantes de instituições brasileiras presentes na palestra a participarem do ranking, que é voluntário. Atualmente, apenas quatro instituições brasileiras estão no THE: a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Baty comentou ainda que a internacionalização do ensino superior brasileiro é um grande desafio, já que as universidades nacionais têm pouca interação com instituições de outras partes do mundo. Apesar de estar na 13ª posição entre os países que mais produzem pesquisas, o esforço brasileiro tem pouca influência no cenário mundial. “Somente se você morar na América do Sul saberá que o Brasil tem instituições fantásticas, mas se você morar na Ásia não as conhecerá. É disso que trata a internacionalização”, explicou.

Ensino Superior: Você disse em sua palestra que não existe uma única resposta para a pergunta “o que faz uma grande universidade?”. Mas eu tenho de lhe perguntar mesmo assim: do ponto de vista dos rankings, o que é determinante para definir a qualidade de uma instituição?

Phil Baty: Eu acho que não há uma resposta correta para essa pergunta. Existem vários modelos diferentes de excelência, você tem universidades focadas no ensino, universidades que fazem um trabalho maravilhoso de mudar as oportunidades de vida dos seus alunos, há instituições que são brilhantes na transferência do conhecimento, em criar propriedade intelectual e inventar novos produtos. Portanto, não existe um modelo único de excelência. O que nós [no ranking da Times Higher Education] tentamos capturar é a rede de pesquisa das universidades globais como Harvard, Oxford, Cambridge etc. E, quando nós fazemos essa pergunta, o principal é saber o quanto a pesquisa está expandindo as fronteiras do conhecimento, que impacto ela tem quando é publicada. Esse é o principal critério [do ranking], mas não é necessariamente o único ponto que deve ser analisado para avaliar todas as diferentes instituições de ensino superior.

O que você consideraria crucial para uma boa instituição?

Também é claro que para ser uma boa universidade você tem de ter muito dinheiro. Você precisa de financiamento, seja público ou privado, para pagar bons salários e atrair os melhores quadros ao redor do mundo. Também acho que é bem importante ter um alto nível de autonomia. Universidades precisam ser dinâmicas, flexíveis, o mundo está mudando muito rápido. Muitos países estão em crise internacional e o financiamento está apertado; então, as universidades precisam ser flexíveis para encontrar mais recursos. Por isso eu acho que a liberdade financeira e a autonomia institucional também são muito importantes.

A internacionalização é o grande desafio atual para as universidades brasileiras?

Eu acho que não há nenhuma dúvida de que universidades como a USP e a Unicamp têm um papel global importante, estão produzindo pesquisa de alto nível. Mas eu acredito que uma das áreas em que vemos as instituições brasileiras fazendo menos nos rankings é nos indicadores internacionais. Elas precisam fazer mais para estimular os alunos a utilizarem suas habilidades para trabalhar com isso, elas precisam compartilhar e colaborar com as pesquisas internacionais um pouco mais, porque estão atrás nos benchmarkings globais de internacionalização. Mas há sinais claros de que as coisas estão melhorando e as iniciativas governamentais como o programa Ciências sem Fronteira deverão ter um impacto muito positivo nisso. Há áreas em que identificamos que o Brasil tem algumas deficiências nos rankings, mas elas estão sendo atacadas e no futuro veremos algumas melhorias que esperamos se reflitam nos rankings também.

No Brasil nós temos uma variedade imensa de instituições – faculdades, centros universitários, universidades – com diferentes vocações. Como nós podemos comparar diferentes modelos?

Acho que com o ranking mundial de universidades que nós produzimos, temos de aceitar que poucas universidades de pesquisa poderão se destacar. Não acho que possamos usar os mesmos indicadores para avaliar todas as diferentes missões que uma universidade pode ter. Sessenta por cento dos indicadores que utilizamos estão ligados à excelência em pesquisa. Nós temos um peso de 30% que é dado ao ensino, mas é mais relacionado ao ambiente de ensino – não há boas formas de medir o resultado do ensino. Então temos de aceitar que os rankings avaliem as universidades líderes em pesquisa. As nossas top 100 representam 1% das instituições de ensino superior de todo o mundo. É importante frisar que nem todas as instituições deveriam aspirar estar no ranking mundial. Algumas delas devem aceitar a missão de ser instituições de ensino locais. Isso não é dizer que elas são inferiores, é apenas dizer que elas fazem atividades diferentes. Seria errado sugerir que todas as universidades devessem aspirar a ser como Harvard ou Oxford porque francamente nós queremos diversidade no sistema. Se você é fantástico no ensino, isso é ótimo e você não precisa tentar ser Harvard ou Oxford. Isso é importante porque não estamos sugerindo um único modelo de excelência.

No Brasil há o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), que é aplicado aos concluintes dos cursos de graduação. Você acha que esses exames são uma boa medida para aferir a qualidade do ensino?

Acho que sim. Uma das coisas que nós não temos em escala global é uma medida dos resultados do ensino. Há situações locais em que você encontra dados sobre o ensino e sobre os resultados da graduação. Mas isso não mede o que a universidade faz, isso mede o quanto os estudantes são bons ou não. O que nós gostaríamos de ver em termos globais é uma maneira de medir o quanto a universidade contribui para o aprendizado do aluno. Se uma universidade tem os melhores pré-requisitos de entrada ou seleção, você não consegue saber o que ela faz de fato pelos estudantes. Pode ser que eles já eram brilhantes. Esse é um dos grandes buracos nos rankings globais, a falta de uma maneira para medir a qualidade do ensino. É um tema de interesse crescente para quem organiza os rankings, mas é muito difícil de fazer. A OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] está tentando fazer um exercício chamado AHELO – Assessment Higher Education Learning Outcomes [Avaliação dos Resultados da Aprendizagem do Ensino Superior, em tradução livre] – que na verdade testaria universitários ao redor do mundo na mesma escala. Isso é um desejo e seria muito interessante para as organizações de rankings internacionais. Mas é algo que a OCDE tem encontrado dificuldades para realizar e que custa muito caro.

Na sua opinião, para que servem os rankings?

Nós temos de entender o que os rankings estão medindo. Nenhum ranking é perfeito e nenhum é objetivo, eles sempre refletem as opiniões subjetivas daqueles que os compilaram. Então, antes de conferir o que um ranking está mostrando ou o que os indicadores mostram, é preciso que você tenha se educado sobre o que os rankings fazem e não fazem. A partir deste ponto de vista eles podem acarretar benchmarkings fantásticos. Nós usamos 13 indicadores de performance e descobrimos que o THE está sendo utilizado por universidades líderes para avaliar seus desempenho em relação aos competidores internacionais, por governos para definir políticas de ensino superior ou para focar o seu financiamento no caminho certo. Então nós achamos que os rankings são muito mais vistos pelos governos como uma ferramenta de benchmarking. E também são uma ferramenta para os estudantes como consumidores, pois eles usam as classificações para checar o status de uma universidade. Então, os rankings têm uma grande variedade de usos como, por exemplo, para definir parcerias acadêmicas e até definir decisões de alto nível de governo como no caso do Ciências sem Fronteira que usou o THE para definir as instituições que iriam participar do programa.