Mais do que uma maneira de ajudar o outro, o trabalho voluntário no Canadá, estimulado pelas instituições de ensino superior, permite a jovens estudantes colocar em prática o aprendizado da faculdade

por Renata Eny Kappaun

172_38Saber como se comportar em um ambiente profissional e estar por dentro das normas e hierarquias do mundo do trabalho são conhecimentos preciosos que engrandecem a formação dos jovens universitários e contam pontos na hora de disputar uma colocação no mercado. Para além da responsabilidade social envolvida, o engajamento de estudantes em trabalhos voluntários, incentivado pelas instituições de ensino superior, vale como prática solidária e ainda contabiliza como experiência profissional.

Na Universidade de Montreal (UdeM), o trabalho voluntário é estimulado entre os estudantes visando inclusive a integração universitária com diversos nichos do mercado. A responsabilidade é confiada ao Serviço de Ação Humanitária e Comunitária aos Estudantes, departamento ligado à universidade. “Sob a ótica de diferentes serviços e programas, nós encorajamos os estudantes a se aplicarem no programa, tanto no campus como em organismos fora dele”, conta Jean-Philippe Fortin, responsável pelo setor na Universidade de Montreal.

De acordo com ele, a participação no voluntariado é fortemente recomendada pela instituição justamente porque é repleta de vantagens. “A participação do estudante é muito benéfica sob o plano de integração à vida universitária, pois favorece o espírito de equipe e de solidariedade. Também representa um laboratório bem interessante para o desenvolvimento das competências profissionais dos universitários. Além disso, o trabalho voluntário adiciona uma importante vantagem à trajetória do aluno, permitindo constituir uma rede de contatos que poderá ser útil numa futura busca por emprego”, analisa.

Referência em atenção
As universidades canadenses normalmente são bastante propositivas para a realização do voluntariado, abrigando até mesmo setores específicos no campus para o encaminhamento dos estudantes. A opção por se envolver no voluntariado, no entanto, cabe diretamente ao aluno.

Um exemplo é o Centro de Escuta e Referência, um organismo comunitário autônomo que compartilha uma sala da Universidade de Québec à Montreal (UQÀM). O centro nasceu de uma necessidade gerada dentro do campus, para o atendimento de universitários de outras cidades que encontravam dificuldades para se integrar à vida acadêmica, ou possuíam algum problema de ordem pessoal. Assim, o objetivo do Centro de Escuta e Referência era disponibilizar um espaço de acolhimento e atenção, a partir da ajuda de voluntários. Com o passar dos anos o centro estendeu ajuda à parte da comunidade que vive ao entorno do campus, e passou a captar voluntários nessa mesma seara.

“É sempre muito bem-visto pela comunidade o fato de uma universidade se engajar no trabalho voluntário. Nossos colaboradores são na maioria estudantes da UQÀM, mas também temos funcionários e professores aposentados nos apoiando”, conta Stella Kukuljan, coordenadora do centro, que considera fundamental a parceria entre voluntariado e universidade.

O organismo funciona dentro da Universidade de Québec à Montreal há mais de 25 anos. “A universidade nos apoia cedendo o espaço, a linha telefônica e de internet”, acrescenta Stella. Para cobrir outras despesas, como o pagamento dos salários de seis funcionários efetivos e a produção de campanhas temáticas durante o ano, o organismo recebe recursos do governo, pelo serviço social prestado, e de grandes empresas engajadas com a responsabilidade social.

Bons motivos
Integração à vida no campus, desenvolvimento da responsabilidade cidadã e aperfeiçoamento das qualidades profissionais são três bons motivos para fazer parte do voluntariado. Mas além desses, há outros aspectos positivos segundo Maya Kordylewska, estudante de psicologia da Universidade McGill. “Em uma oportunidade trabalhei com idosos, ajudando-os em suas tarefas domésticas. Se no futuro eu encontrar um emprego para trabalhar com esse grupo social, o voluntariado terá me ajudado porque através dele pude compreender melhor o universo desses senhores e senhoras”, conta.

A coordenadora do Centro de Escuta e Referência abona a declaração da estudante. “Os universitários podem usar o voluntariado para terem uma ideia do que vão encontrar pela frente no futuro profissional. E mesmo quando o trabalho desenvolvido não é na mesma área de atuação do jovem, ele é válido como experiência, pois trata-se de uma vivência de relação humana. O aluno voluntário será um melhor profissional pois a sua maneira de entender e escutar o outro foi aprimorada.”

Nesse sentido, os estudantes canadenses fazem do trabalho voluntário uma ponte para se apropriarem de conhecimentos até então disponíveis somente no competitivo mundo dos negócios. Dar o primeiro passo profissional, apoiado por organizações bem articuladas e focadas em serviços sociais, é uma boa saída para os universitários que ainda não possuem o jogo de cintura que o cenário
atual, dinâmico e exigente, demanda.

A área de atuação, o tipo de tarefa e uma boa base de informação sobre os organismos solidários podem ser conhecidos pelo estudante nas Feiras de Trabalho Voluntário. Da cultura ao esporte, do lazer à saúde, praticamente todas as searas da vida social contam com a colaboração do trabalho voluntário.

Essa diversidade no campo de ação dá força à prática da atividade e atende a uma demanda dinâmica e cheia de energia, habitual aos estudantes universitários. No Canadá, o trabalho voluntário é tão diverso que chega a ser quase sob medida: há oportunidades de curta ou longa duração, em casa ou na rua, em festivais de música ou de arte, com o público-alvo de idosos ou crianças. Enfim, todas as intenções são bem-vindas quando a finalidade é ajudar ao próximo.

No caso do casal brasileiro Cristiane Rossi e Fernando Galvani, o voluntariado os ajudou a descomplicar a língua francesa. Chegados a Montréal em agosto passado eles já planejavam se engajar no programa. “Era algo que desde o começo do processo de imigração eu já pensava em fazer por alguns motivos: pelo prazer de ajudar a comunidade, para me adaptar mais facilmente ao novo país, para ter uma experiência de trabalho, e como uma oportunidade a mais de falar francês”, explica Cristiane.

Prática qualificada
Além de garantir o desenvolvimento do idioma, o voluntariado também os apresentou ao mercado de trabalho canadense. “Foi ótimo para conhecer pessoas e fazer uma rede de contatos para uma futura busca de emprego. Também ajudou a entender melhor como uma empresa daqui funciona e como devemos nos comportar no ambiente de trabalho”, complementa Cristiane.

Para Fernando Galvani a experiência foi ainda mais gratificante. Após algumas semanas de voluntariado, o estudante recebeu uma proposta de trabalho, dentro da instituição em que atuava. “Na verdade não era essa minha intenção inicial [ser contratado], mas achei muito positivo e gratificante que isso tenha ocorrido. Positivo porque os dois lados saem ganhando: o trabalhador, ao passar da condição de voluntário à de empregado, e a empresa que, ao contratar alguém cuja qualidade do trabalho já conhece, dispensa uma seleção muitas vezes custosa e demorada”, observa Fernando.

“O voluntariado sempre te ajuda no mercado de trabalho, pois mostra como a estrutura de uma companhia é organizada e isso é fundamental porque o mundo da escola e o mundo do trabalho são muito diferentes”, concorda a estudante de psicologia Maya Kordylewska.

Estar preparado para receber uma proposta de trabalho a partir de uma boa performance no voluntariado é fato que deve ser considerado e levado em conta na hora de procurar uma instituição para atuar. Estar disposto a ampliar o leque de amizades também. “Os estudantes desenvolvem um sentimento de companheirismo, pois interagem com pessoas de outras realidades, de outros programas de estudos, e acabam compartilhando admiráveis experiências. No meio solidário há também pessoas de todas as idades, logo, cria-se a oportunidade de trocar informações com profissionais de gerações diferentes”, finaliza Stella Kukuljan.

Um pouco da história
O primeiro centro de voluntariado foi fundado em Montreal, em 1937, para atender uma demanda por voluntários da Segunda Guerra Mundial. Durante os anos 1960 e 1970 os centros comunitários se espalharam por todo o Canadá, valorizando e articulando o trabalho solidário. Nos últimos 30 anos os centros de voluntariado adquiriram considerável experiência de treinamento e de pesquisa nas áreas sociais. Esses centros estão empenhados em propiciar uma boa experiência de voluntariado para aqueles que se envolvem no projeto, desobstruindo as barreiras para a participação, a fim de promover uma vivência segura e gratificante aos colaboradores.

 

A solidariedade em números
Segundo uma enquete realizada pelo governo do Canadá em 2010, a qual analisou as tendências da sociedade canadense, cerca de 57% dos trabalhadores que se envolveram no voluntariado receberam suporte oficial de seus patrões. O apoio se apresentou de diversas formas, desde a mudança da carga horária do funcionário para melhorar sua performance no voluntariado (34%), até a permissão de usar as instalações ou equipamentos da empresa para as atividades solidárias (29%). A pesquisa mostrou também que os jovens trabalhadores, com idades de 15 a 24 anos, tiveram melhores perspectivas de trabalho após a realização do voluntariado. A obtenção de uma oportunidade de emprego foi o que motivou 54% dos jovens a se envolver na causa.

 

Gestores podem conhecer instituições canadenses

Uma missão técnica organizada pelo Semesp vai levar gestores educacionais para conhecer a realidade das instituições de ensino superior canadenses e suas melhores práticas de gestão e acadêmicas. A viagem acontece entre os dias 17 e 26 de maio, quando os gestores participarão de atividades em quatro diferentes instituições: Universidade de Toronto, Universidade de Waterloo, Universidade McMaster e HEC Montreal.Veja as informações completas da V Missão Técnica Semesp Canadá aqui.