Instituições de ensino superior europeias passam por período de grave crise e se esforçam para manter o padrão e a qualidade da educação

por Melissa Becker, de Birmingham (Inglaterra)

186_18Após sucessivos cortes de verbas públicas, estruturas sem manutenção e fuga de cérebros, as instituições de ensino superior europeias buscam caminhos para equilibrar contas, manter funcionários e seguir bem posicionadas em rankings em meio à persistente crise financeira.

O sistema de ensino superior no velho continente varia, mas a maioria das instituições é pública, e recebe grande parte de seu financiamento do governo, podendo cobrar baixas anuidades dos estudantes. Por isso, quando a maior recessão dos últimos tempos mexeu com as estruturas de potências econômicas em todo o mundo, governos não pouparam as academias dos cortes, causando fortes impactos em vários níveis.

Quase seis anos depois, ao olhar o cenário europeu é possível perceber semelhanças e diferenças na situação dos países. Enquanto um grupo tem cortado verbas, outro tem aumentado (veja página 20). No entanto, as peculiaridades de cada país fazem com que a recessão impacte as instituições de diferentes maneiras.

Países do sul, como Grécia, Itália e Espanha, e do leste da Europa, como Hungria e Letônia, têm suas instituições de educação superior entre as mais prejudicadas, observa Thomas Estermann, diretor de governança, financiamento e desenvolvimento de políticas públicas da Associação de Universidades Europeias (EUA, na sigla em inglês), baseada na Bélgica. Desde 2008, a entidade monitora o financiamento público do ensino superior no continente e registrou, entre 2012 e 2013, um quadro misto: de 17 países, nove tiveram aumento de recursos, enquanto oito viram seus euros reduzidos.

“As universidades tiveram de responder a grandes cortes no financiamento público. Da redução de oferta de programas educacionais a menos funcionários, sem perder a qualidade da educação. No norte da Europa (Noruega, Suécia, Finlândia e Dinamarca), ainda há investimento, não houve mudanças em relação ao período anterior à crise. Outros países, como Áustria e França, também seguem investindo”, compara Estermann.

Mesmo assim, o representante da EUA afirma que não se pode apontar um país que tenha se saído melhor do que outro para superar a crise; é mais uma questão de quais opções são usadas para isso. A maioria dos países europeus tem discutido como fazer o máximo com o financiamento disponível e medidas como fusões de instituições entraram em debate.

Como resultado dos cortes, o primeiro item a ser riscado da lista de gastos das universidades, segundo a EUA, foi manutenção e desenvolvimento da infraestrutura de seus campi. O que trabalha contra o desenvolvimento das instituições, pois equipamentos e prédios ultrapassados aumentam custos e prejudicam aulas e pesquisas.

Buscando soluções
A situação mais crítica no continente é a da Grécia, onde uma queda de 46% no financiamento da educação superior entre 2009 e 2013 levou ao fechamento de instituições tradicionais como a Universidade de Atenas. Para o grego Alex Katsomitros, analista de pesquisa do Observatory on Borderless Higher Education, em Londres, a crise só expôs problemas já existentes.

O governo reduziu a verba para a educação superior, que já era baixa antes da recessão, e demitiu servidores públicos como parte do acordo com seus credores. O pesquisador estima que cerca de 10% dos gestores de universidades perderam seus empregos. O drama das instituições gregas ganha ares de tragédia com a fuga de cérebros para países menos afetados, como Alemanha, França e Estados Unidos. “Está se tornando um problema maior agora, porque se esperava que essas pessoas nos tirassem da crise – tendo ideias, sendo empreendedoras, fazendo negócios”, aponta Katsomitros.

Tanto na Grécia quanto na Itália, a burocracia é um dos principais entraves. Com mais de mil leis e regras introduzidas entre 1990 e 2006 na Itália e a influência de “barões” que controlam políticas de admissão e resistem a reformas nas instituições universitárias, além do nepotismo e da falta de contato com empresas e indústrias. A reforma do sistema italiano para enfrentar cortes de 12% desde o início da crise inclui fusões entre instituições, como as dos consórcios universitários Caspur, Cilea e Cineca, que compartilhavam a missão de dar apoio à pesquisa e à inovação tecnológica e iniciaram o processo de união em 2012. Em julho de 2013, tornaram-se uma única instituição, sob o nome Cineca, com unidades em Roma, Milão e Bolonha. Neste sentido, a França também é um bom exemplo na opinião do analista grego. O governo busca incentivar instituições a unirem forças para melhorar a posição nos rankings mundiais do ensino superior, altamente considerados por estudantes estrangeiros, e ganhar visibilidade. As universidades francesas estão entre as que receberam maior investimento público nos anos de crise.

Na contramão, até mesmo a estratégia internacional das universidades na Espanha foi atingida pela redução de 9,5% das verbas públicas, com o cenário econômico mudando prioridades. A iniciativa para recrutar mais estudantes estrangeiros teve de ser revista por causa dos gastos públicos. O governo eleito em 2012 deve reduzir o investimento em educação de 4,9% para 3,9% do PIB em cinco anos, com o objetivo de economizar € 10 bilhões (cerca de R$ 33 bilhões).

“Professores e pesquisadores tiveram de encarar redução de salário e de férias, o que significa trabalhar mais horas do que antes por salários mais baixos. É um exemplo de como universidades tentam compensar os cortes que tiveram”, comenta Estermann.

Fontes alternativas
Para lidar com a pressão, as instituições passaram a procurar outras fontes de financiamento. Com as possibilidades do setor privado restritas a um cenário de recessão, as universidades depositaram suas esperanças no fundo europeu, tanto nos programas de pesquisa da União Europeia, quanto em verbas estruturais.

No entanto, isso não substitui a quantia total de verba pública que foi reduzida, alerta o diretor da EUA. Esquemas de recursos nacionais precisam permanecer fortes para assegurar competitividade. Instituições financeiramente enfraquecidas nos países mais atingidos têm menos possibilidade de participar de consórcios de pesquisa europeus, dada à redução de sua capacidade de cofinanciamento. Contratos com indústrias e empresas também são opções para reparar o rombo nas contas.

“No norte da Europa as universidades comercializam pesquisas, o que é considerado ruim na Grécia. Elas são mais focadas em marketing e têm papel importante na economia, fornecendo inovações para que negócios locais sejam competitivos globalmente. Isso não ocorre na Grécia, infelizmente”, observa Katsomitros.

Em meio a protestos, o repasse da conta chegou aos estudantes. Embora os bolsos dos universitários espanhóis não tenham escapado ilesos – com reajuste entre 15% e 25%, dependendo da região –, nenhum outro governo aumentou a contribuição dos alunos de forma tão drástica como o britânico. Graduandos na Inglaterra e no País de Gales tiveram de encarar uma anuidade quase três vezes maior: de £ 3,29 mil (cerca de R$ 13,2 mil) para £ 9 mil (R$ 36 mil). A medida tenta substituir a redução de cerca de 10% no investimento público entre 2008 e 2013.

“No momento, parece que não houve menos estudantes tentando se matricular. A grande questão é como isso afetará cursos de mestrado, porque ainda se está monitorando os de graduação. Aqueles que pagaram taxas maiores na graduação também farão isso para um mestrado? Ainda existem muitas incertezas e precisa-se de mais tempo para avaliar a situação”, alerta Estermann.

Para os especialistas ouvidos pela Ensino Superior, as perspectivas não são boas, e a academia europeia deve encontrar mais dificuldades em curto prazo.
“Acredito que iremos ver, em alguns países, mais cortes e mudanças no sistema. Veremos a questão sobre as anuidades prosseguir. Claro que depende da situação financeira de cada país, mas os debates levantados durante a crise não irão acabar”, opina o diretor da organização na Bélgica.

Gestores europeus puderam tirar uma lição positiva das dificuldades vivenciadas desde 2008, constatando que uma crise pode ser uma oportunidade para mudar. Na Grécia, há mais questionamentos quanto ao papel do ensino superior e como isso foi tratado, exemplifica Katsomitros. Uma medida recente adotada no país foi a formação de um grupo de renomados acadêmicos gregos que vivem no exterior para orientar alterações no sistema de ensino superior. O conselho, apontado pelo Ministério da Educação grego, é presidido por Dimitris Bertsimas, professor do The MIT Sloan School of Management, em Cambridge, Massachusetts. O analista acredita que isso irá incentivar uma perspectiva diferente, de como a economia pode ter vantagens com uma forma mais efetiva do sistema de educação superior.

“O sul da Europa irá se beneficiar com a crise em longo prazo. A mentalidade mudou e isso é resultado da crise. Em curto prazo, ficará cada vez pior, porque as pessoas estão deixando seus países, a mentalidade prevalecente ainda é a de que o governo tem de pagar por tudo, não importa o que professores e alunos estejam fazendo. Vai levar tempo e será doloroso. Mas, em longo termo, as coisas mudarão”, prevê Katsomitros.

Eficiência irlandesa
Na Irlanda, um dos países mais afetados no início da crise, os gestores das instituições universitárias foram desafiados com cortes de financiamento e um aumento de mais de 10% no número de estudantes. A saída para essa equação se resume em uma palavra: eficiência.Mesmo frente à diminuição de recursos públicos, as instituições têm trabalhando para assegurar acesso máximo à educação superior no país, ressalta o CEO da Associação das Universidades Irlandesas, em Dublin, Ned Costello. “As instituições conseguiram isso ao tornar processos internos mais eficientes, compartilhar serviços e diversificar suas bases de financiamento, sendo menos dependentes de verbas do governo”, comenta.O cenário da crise na Irlanda tem dado sinais de recuperação. No ano passado, houve menos cortes no financiamento para o setor. Segundo Thomas Estermann, diretor de governança, financiamento e desenvolvimento de políticas públicas da EUA, no início da crise, houve redução de 10% do orçamento para instituições irlandesas, com congelamento de contratações. “Em 2013, não foi tão ruim, mas ainda é uma situação que precisa ser monitorada”, alerta Estermann.Pontos debatidos em outros países europeus, como aumento na contribuição paga pelo estudante e uniões entre instituições, também foram levantados desde o início da recessão na Irlanda. No entanto, o plano de reestruturação proposto pela estratégia nacional para a educação superior reafirmou que as universidades não passarão por fusões. A exceção são colégios para formação de professores, que estão em processo de união com universidades, e institutos de tecnologia.De 9 a 21 de maio, a 6ª missão técnica do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) levará cerca de 40 gestores de instituições universitárias brasileiras para a Irlanda e Inglaterra. Após um curso sobre governança e gestão para líderes educacionais na Universidade de Warwick, na cidade inglesa de Coventry, o grupo participará do Programa Sprint da Academia de Inovação e Empreendedorismo do Trinity College, em Dublin.“O que nos levou a escolher Dublin foi o aspecto de inovação. O Semesp oferece um serviço diferenciado e de alta qualidade para poder desenvolver o ensino superior do Brasil”, destaca George Amaral, gerente de marketing da entidade.

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