Em visita ao Brasil, ministro da Educação da Irlanda busca estreitar a aproximação com instituições brasileiras e compartilhar a larga experiência educacional adquirida pelo país, como nas áreas de tecnologia e negócios

por Udo Simons

184_15À primeira vista, foi o tamanho de São Paulo, a profusão de prédios por todos os lados, largas avenidas tomadas de carros e calçadas apinhadas de pedestres que impressionaram o ministro da Educação da Irlanda, Ruairí Quinn, que chegava ao Brasil pela primeira vez. “A escala brasileira, o tamanho do país, é impressionante”, pontuou o ministro, que em sua formação acadêmica é arquiteto.

O caos urbano da capital paulista, aliado à diversidade cultural e étnica só reforçou o interesse do ministro em construir uma relação mais próxima com nosso país. “Penso que o Brasil possui características únicas por sua mistura de raça e tem pouca ou quase nenhuma ideia sobre o que a Irlanda pode fazer pelo país. Nós somos a maior ‘tribo’ europeia espalhada pelo mundo, atrás apenas da China e da Índia. Não temos tradição de conexão com o Brasil, mas gostaria de abrir essa ponte. Tenho certeza de que a Irlanda é o melhor lugar de entrada para os negócios do Brasil na Europa”, disse o ministro.

Ruairí Quinn (cujo nome é de origem irlandesa mesmo e se pronuncia Rori) veio ao Brasil no final de outubro em missão oficial para se encontrar com sua contraparte brasileira, na época, o então ministro Aloizio Mercadante, em Brasília, e também participou de eventos educacionais e palestras em São Paulo. Quinn liderou uma comitiva oficial de mais de 70 integrantes, desde o ramo educacional a empresários.

Na América Latina, o Brasil é o principal mercado para os exportadores irlandeses e mais recentemente os dois países passaram a firmar acordos também na área educacional, por intermédio do programa Ciência sem Fronteiras. Em 2013, 1,2 mil brasileiros participavam do intercâmbio em instituições de ensino superior irlandesas.

Na entrevista a seguir, concedida com exclusividade para a revista Ensino Superior, o ministro irlandês conta como num período de 50 anos a Irlanda transformou uma população extremamente rural em urbana e completamente educada. Ao longo do século passado, o país foi um dos que mais investiu em educação em todo o mundo. Como resultado, passou a ter uma economia mais vibrante, com índice de crescimento do produto interno bruto na casa dos 7%, por toda a década de 1990 e, a despeito das crises econômicas, a partir de 2000, o PIB irlandês passou a flutuar na casa dos 5% ao ano. Além de defender o sistema educacional e o investimento em professores, Quinn aproveitou para divulgar o que faz da Irlanda um país tão especial como destino universitário. “Na Irlanda falamos e escrevemos inglês melhor que os ingleses. E o país é mais quente que o Canadá”, brincou o ministro.

Ensino Superior: O que trouxe o senhor ao Brasil? 
Ruairí Quinn: Com a abertura do Ciência sem Fronteiras, vim conversar com o ministro da Educação brasileiro, Aloizio Mercadante, sobre nossa participação nesse programa. Vim, também, participar do Salão Universitário e apresentar aos interessados possibilidades e locais de ensino na Irlanda. Garantir a cada um deles que nossas escolas, nossas sete universidades (todas públicas) e nossos 15 institutos de tecnologia têm o apoio do Ministério da Educação.

Ao longo do século 20, a Irlanda revolucionou o ensino. Como isso se deu?
No meu país as pessoas dão muito valor à educação. Os pais não medem esforços para manterem suas crianças na escola, mas por volta dos anos de 1930 a Irlanda viu crescer a migração para outros países por falta de trabalho. Então as pessoas perceberam que o diferencial era a educação e consequentemente viu-se a necessidade de se ter um bom ensino para começar.

Como a tecnologia impacta no processo educacional?
Estamos no meio desse processo de mudanças tecnológicas e utilizamos a tecnologia de diferentes maneiras. É uma transformação multidimensional, de vários níveis. Uma coisa fundamental nesse processo todo é a diminuição da importância da memorização no ensino. Memorizar era muito importante quando meus pais estudaram, e até quando eu frequentei o colégio. Mas agora, já não tem a mesma importância. O foco é ensinar os jovens a pensar, ao invés de como decorar datas e eventos. Precisamos nos preocupar em como nossos estudantes discutem os temas propostos, analisam os problemas, como chegam às suas conclusões.

Como a Irlanda faz isso?
Sempre podemos fazer melhor. Há uns dois, três anos, investimos muito tempo para aprimorar a capacitação dos nossos professores. Reorganizamos totalmente o sistema de formação de docentes primários. Ampliamos, por exemplo, sua formação de três para quatro anos. Para se tornar um professor de ensino médio (para adolescentes entre 12 e 18 anos) é preciso ter gradua‑ ção de quatro anos e na sequência estudar pedagogia por mais dois anos, completando assim um ciclo de seis anos de formação. Ao fazer isso melhoramos as práticas de educação docente. O professor deve aprender sobre o impacto de seu ensinamento nos estudantes e estar consciente de como influencia seus alunos. Criamos técnicas para esse entendimento, bem como desenvolvemos pesquisas de acompanhamento desse trabalho para medirmos seus resultados. Todos os anos fazemos pesquisas de aproveitamento desse ensino.

Então, o professor na Irlanda ocupa um lugar de destaque no sistema educacional?
A Irlanda tem mais de um milhão de estudantes em uma população de 4,6 milhões de pessoas. Um total de 62% dos nossos estudantes chegam às universidades. E 82% das pessoas completam o ensino médio. Temos 150 mil professores em todo o sistema educacional, que são respeitados pela comunidade. Para se tornar professor primário, por exemplo, você tem de estar no topo das pontuações dos exames, entre os 15% mais bem colocados. Com isso, atraímos à profissão alunos bem preparados. Nossos professores são os mais bem pagos na Europa. Investimos na profissão.

Quanto a Irlanda investe em educação? 
Por volta de 5,5% do Produto Interno Bruto. São, aproximadamente, € 9 bilhões ao ano.

Em relação ao Ciência sem Fronteiras, quantos brasileiros estão na Irlanda?
Em setembro, 1,2 mil brasileiros começaram a estudar na Irlanda. Em 2012, havia 10% desse total, com cerca de 120 alunos de graduação e pós-graduação. Para 2014, minha expectativa é ultrapassarmos dois mil alunos brasileiros.

O que faz da Irlanda uma boa opção de local de ensino para os brasileiros?
Os irlandeses são muito abertos e amigos. A Irlanda é um país seguro. A capital Dublin foi considerada uma das oito cidades mais seguras para estudantes no mundo. Além disso, temos algumas das melhores universidades de negócios da Europa e todo estudante que frequenta uma de nossas instituições de ensino superior garante para si alta empregabilidade.

Com isso, o sistema educacional irlandês se prepara para ser um sistema multiétnico?
Estamos atentos ao aumento da imigração. Houve um crescimento de 10% nos últimos anos. Antes éramos nós que íamos para outros países, agora somos um país que recebe os imigrantes. Isso criou novas profissões, novas atividades no sistema educacional. Antigamente, éramos mais monoculturais. Todas as crianças professando a mesma religião, tendo hábitos semelhantes, a mesma cor. Agora, temos pessoas cuja primeira língua, em casa, não é o inglês. Isso também é um desafio para nós e uma questão a ser trabalhada junto aos professores.

O que o senhor diria para convidar um estudante brasileiro para a Irlanda?
Venha para a Irlanda porque falamos e escrevemos inglês melhor que os ingleses. E nosso país não é tão frio quanto o Canadá.