MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

INTERESSADO: Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior UF: DF

ASSUNTO: Aprecia a Indicação CES/CNE nº 5/2005, relativa a esclarecimentos sobre os conceitos de hora e hora-aula tendo em vista questionamentos sobre a aplicabilidade do Parecer CES/CNE nº 575/2001.

RELATORES: Edson de Oliveira Nunes, Milton Linhares e Antônio Carlos Caruso Ronca

PROCESSO Nº: 23001.000146/2005-63

PARECER Nº: 261/2006 COLEGIADO: CES APROVADO EM: 9/11/2006

I – RELATÓRIO

Trata-se de análise da proposta contida na Indicação CES/CNE nº 5/2005, referente a esclarecimentos sobre os conceitos de hora e hora-aula, tendo em vista a aplicabilidade do Parecer CES/CNE nº 575/2001.

Para estudar o assunto, foi constituída, pela Portaria CES/CNE nº 6/2005, Comissão composta pelos conselheiros Roberto Cláudio Frota Bezerra, Presidente, e Edson de Oliveira Nunes, Relator. Posteriormente, em sessão de 5 de outubro de 2006, a CES deliberou pela inclusão dos conselheiros Milton Linhares e Antônio Carlos Caruso Ronca na relatoria do presente processo.

Faz-se necessário para o presente trabalho um resgate dos instrumentos normativos correlatos à conceituação de hora-aula. Nesse sentido, serão abordados nesse tópico, questões como: currículo mínimo, duração, calendário escolar, período letivo, trabalho escolar efetivo, hora de trabalho, horas-aula, tempo útil, (quantidade de tempo), tempo total ( execução do currículo), ano/dia regular e ano acadêmico que influenciaram, de forma complementar, a práxis acadêmica na implementação de seus cursos e por conseqüência na necessária regulação da referida unidade, ora discutida.

1 – Currículo mínimo e a duração dos cursos

A Lei nº. 4.024, de 20 de dezembro de 1961, dedicou um título específico (IX) à educação de grau superior, incluindo em seus dispositivos legais conceitos educacionais relevantes. Dois artigos, em especial, são essenciais para os propósitos deste Parecer. No art. 70 da LDB/61, ficou definido que o currículo mínimo e a duração dos cursos que habilitassem à obtenção de diploma capaz de assegurar privilégios para o exercício da profissão liberal fossem fixados pelo Conselho Federal de Educação (CFE). Já no art. 72, ficou determinado que fosse observado em cada estabelecimento de ensino superior, na forma dos estatutos e regulamentos respectivos, o calendário escolar, a ser aprovado pela congregação. Este mesmo artigo estabeleceu que o período letivo deveria ter a duração mínima de 180 (cento e oitenta) dias de trabalho escolar efetivo, não incluindo o tempo reservado a provas e exames. Ambos os dispositivos motivaram esforços posteriores de normatização que envolveram aspectos como duração dos cursos e hora de trabalho escolar.

Para responder à solicitação do Ministro da Educação e Cultura, sobre a conveniência de se reduzir o período de férias, o CFE elaborou, em 1964, o Parecer nº 382, relatado pelo conselheiro Newton Sucupira. Entendendo ser necessário reduzir-se a duração de vários cursos entre os quais os de Engenharia, Agronomia, Filosofia e Medicina, o Ministro solicitava ao Conselho Federal de Educação que emitisse parecer sobre o alongamento do ano letivo, fixado pela LDB/61 em 180 dias, o que por conseqüência reduziria as férias.

Em seu relato, o conselheiro Newton Sucupira defendeu que não fosse alterado o art. 72 da LDB/61, por entender que a duração mínima de 180 dias satisfazia plenamente às exigências de bom rendimento e eficiência dos cursos superiores. Nas palavras do Relator, o prazo estabelecido na lei compreende estritamente os dias de aula, o tempo de ensino ativo, excluídas as atividades de verificação do rendimento escolar. Sendo assim, o ano letivo total, que abrange também os dias de provas e exames, ultrapassa de muito os 180 dias.

Para o conselheiro Newton Sucupira, se fosse de conveniência a redução da duração de alguns dos cursos superiores, isso poderia ser feito sem que tenhamos que subtrair um mês ao período atual de férias. Ao concluir seu relato, o conselheiro Newton Sucupira manifestou não ser aconselhável tal redução das férias como medida sistemática, muito embora possa ser admitida em casos especiais. Para estes casos, os estabelecimentos de ensino superior já teriam poderes de acordo com a própria lei.

1.1 – Tempo útil/termo médio/tempo total

Em meados da década de 60, o Parecer nº 52, de 10 de fevereiro de 1965, relatado pelo Conselheiro Valnir Chagas, dispôs sobre a duração de cursos de graduação. O Relator então definiu duração como sendo o tempo útil, obrigatório em todo o País, para execução do currículo com o necessário aproveitamento. Assim, se esse tempo útil não admite reduções, o tempo total em que ele se insere pode variar, para mais ou para menos, conforme as diferenças de meio, de escolas, de alunos. A rigidez atual, e de fato a autenticidade, resulta de que se tenham identificado formalmente os dois conceitos (grifo nosso).

O Relator também estabeleceu que conhecido o tempo útil, é preciso determinar igualmente o tempo total com que se completa a duração. São os limites máximo e mínimo de execução do currículo aqueles acima ou abaixo dos quais se entende que o ensino pode entrar em dispersão excessiva ou concentração. Entre um e outro estará o que chamaremos termo médio, isto é, aquele em que o tempo total corresponde funcionalmente ao tempo útil e, portanto, o currículo se cumpre sem acréscimo ou redução do ano ou dia regular (grifo nosso).

Seguindo o raciocínio, Valnir Chagas concluiu que ano e dia são os dados fundamentais a considerar inicialmente no cálculo da duração. À época, ano estava definido como o mínimo de 180 dias de trabalho escolar efetivo, não incluindo o tempo reservado a provas e exames (art. 72 da Lei 4.024/61). Quanto ao dia, indicava o Relator que havia omissão, devendo-se em conseqüência fixar-lhe as horas.

Entendeu o Relator que havia uma razão para o fato de a LDB/61 não definir um dia único, vale dizer, não estipular um número pré-determinado de horas a ser atribuído à atividade diária para todos os cursos da educação superior. Segundo ele, a fixação de um dia único prejudicaria a competência que tinha o Conselho Federal de Educação de estabelecer o currículo mínimo e a duração dos cursos. Isso porque determinado que fosse previamente o dia único desapareceria em ponderável parcela a relação de conteúdo e duração, já que esta última implica não só quantidade de tempo (tempo útil) como um ritmo de execução do currículo (tempo total), que repousa basicamente sobre a carga diária de trabalho (grifo nosso).

O Relator propôs que a duração dos cursos – tempo útil e limite de execução – fosse fixada em número de horas-aula. Assim, mantido o espírito do art. 72 da LDB/61, preservava-se a liberdade da escola para, a partir de uma base comum indispensável a títulos idênticos, desenvolver o seu próprio estilo, interpretando a função docente à luz de certos padrões que pretenda alcançar ou manter. De outra maneira ter-se-ia a uniformidade e, pior ainda, a fixação do tempo como uma singular conta corrente de horas a que nada acrescentaria e de que, nos planejamentos didáticos, somente exames e tarefas não obrigatórias poderiam ser abatidos.

O conselheiro Valnir Chagas, em seu Parecer sobre a duração dos cursos superiores, buscou uma solução que fosse capaz de atender à dupla exigência de precisão e flexibilidade. A importância desta última pode ser atestada pela necessidade de se considerar fatores como:

· a natureza e o conteúdo diversificados dos cursos, havendo alguns mais extensos e outros mais intensos e compactos;

· o meio onde está inserido o processo de ensino-aprendizagem, uma vez que diferenças econômicas, sociais e culturais, projetando-se sobre o trabalho educativo, condicionam o funcionamento das escolas e o próprio comportamento dos estudantes individualmente considerados;

· a diversidade existente entre as escolas quanto aos recursos de pessoal, equipamento e instalações, e mesmo dentro das escolas como a existência de cursos diurnos e noturnos;

· as diferenças encontradas entre os alunos, quanto à aptidão (capacidade e ritmo de aprendizagem), às oportunidades e à motivação para o ensino.

Para dar conta da exigência de precisão, o Relator utilizou conceitos temporais – tempo útil, tempo total (integralização anual), termo médio – discriminados em ano, semana, dia e hora, mas sob ótica educacional. Ou seja, ano acadêmico não era composto de 365 dias, mas sim de 180 dias de trabalho escolar efetivo. A semana escolar, por sua vez, era composta por 6 dias (segunda a sábado), o que implicava haver 30 semanas (15 por semestre) em um ano escolar. Já o dia escolar era composto por horas-aula, que variavam entre os cursos – para Medicina contavam-se, em média, 5 horas-aula, e Engenharia Civil tinha 4 horas-aula.

O Relator Valnir Chagas considerou, como exemplo, o curso de Medicina. A partir da definição de 5 horas-aula por dia, em média, chegava-se a 900 horas anuais (5h-a X 180 dias), isto é, o termo médio de execução anual. Com base na multiplicação deste valor pelo número de anos esperado para o curso obtinha-se a duração total de 5.400 horas (900 horas X 6 anos), a qual expressava o tempo útil para o curso.

1.2 – limite mínimo / limite máximo / integralização anual

A definição precisa da duração do curso não significava ausência de flexibilidade. Considerando-se o termo médio de 900 horas, era possível que acontecessem variações na execução anual, como a redução de 1/3 (um terço) ou a ampliação de 1/5 (um quinto). Assim, tais variações demarcavam, respectivamente, o limite mínimo de 600 horas (900-300) e o limite máximo de 1.080 horas (900+180) para integralização anual do curso de Medicina.

Diante disso, o Conselheiro Valnir Chagas ressaltava a existência de uma variedade de soluções disponíveis para que as escolas administrassem a relação entre precisão e flexibilidade quanto à duração dos cursos. À guisa de ilustração, o Relator arrolou dez esquemas básicos:

a) a escola não acha prudente ou necessário modificar o seu ritmo de atividades;

b) a escola, conquanto alongue o seu dia letivo, apenas compensa falhas anteriores para ajustar-se ao regime de maior autenticidade que agora se instaura;

c) a escola exclui atividades do conceito de horas-aula para, alongando o dia letivo médio, assegurar a continuidade de um alto padrão já conquistado;

d) a escola, como se faz necessário em cursos noturnos, reduz o dia e aumenta proporcionalmente o ano letivo;

e) a escola, ainda em curso noturno, reduz o dia e mantém o ano letivo;

f) a escola, funcionando em 2 turnos, permite que o estudante curse disciplinas em ambos, de modo a utilizar metodicamente as suas horas;

g) a escola prolonga o ano letivo sem alterar a carga horária do dia;

h) a escola prolonga o dia sem alterar o ano letivo;

i) a escola prolonga o dia e o ano letivos;

j) a escola, prolongando ou não o ano letivo, aumenta o seu número de “ofertas” em cada período, ensejando que o dia se prolongue para os alunos rápidos, mantenha para os médios e abrevie para os lentos; e assim por diante.

O Parecer nº 52/1965 foi homologado pela Portaria Ministerial nº 159, de 14 de junho de 1965, que fixava, sob novos critérios, a duração dos cursos superiores. No art. 1º da Portaria citada, foi estabelecido que a duração de um curso é o tempo necessário à execução do currículo respectivo em ritmo que assegure aproveitamento satisfatório e possa, tanto quanto possível, ajustar-se às diferenças de meios, de escolas e de alunos (grifo nosso). Para atender ao disposto no caput, ficou definido no parágrafo único do art. 1º que a duração de cada curso superior, dentre os que conferem privilégios para o exercício de profissões liberais, passa a ser fixada em horas-aula, com indicação de tempo útil e tempo total (grifos nossos).

1.3 – Os fundamentos da Portaria MEC nº 159/65

Referido instrumento recepcionou as definições de tempo útil, tempo total, termo médio, limites mínimo e máximo de integralização anual e horas-aula, para compor a tabela com as referências para a duração dos cursos superiores. No contexto da flexibilização, dispunha o art. 4º que a partir do termo médio e até os limites mínimo e máximo de integralização anual do tempo útil, a ampliação do tempo total seria obtida pela diminuição das horas semanais de trabalho e a sua redução, quando permitida, resultará do aumento da carga horária por semana ou dos dias do ano letivo, ou de ambos.

Os parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 4º estabeleciam condicionantes para o aumento ou a diminuição do tempo total. Primeiro, em conformidade com o art. 72 da LDB/61, em nenhuma hipótese, poderá o ano letivo ser inferior a 180 dias de trabalho escolar efetivo (§ 1º). Segundo, a diminuição e o aumento do trabalho escolar poderiam ocorrer como norma geral do estabelecimento (§ 2º a) ou como possibilidade de variação entre alunos (§ 2º b). Terceiro, admitida a hipótese da letra b do parágrafo 2º, vários ritmos de integralização anual do tempo útil poderão coexistir no mesmo estabelecimento (§ 3º).

Recomendava, no art. 5º, que os cursos que funcionavam em horário noturno tivessem a diminuição das horas diárias de trabalho escolar, com a conseqüente ampliação do tempo total. Os estabelecimentos que mantivessem o mesmo curso em horários diurno e noturno poderiam, dentro dos limites prefixados para integralização anual do tempo útil, admitir a matrícula simultânea de um aluno em ambos os turnos de funcionamento desse curso (art. 5º parágrafo único).

Para haver compreensão precisa da relação entre horas-aula e duração dos cursos, os regimentos escolares deveriam indicar por períodos letivos ou por semanas, as horas-aulas, correspondentes a cada disciplina, série, grupo de disciplinas ou ciclo de estudos (art. 6º). Quanto à necessária flexibilização dos cursos, nos casos em que fosse admitida a redução do tempo total, para todos os alunos ou parte deles, a aprovação dos correspondentes dispositivos regimentais seria feita à vista de planos em que fique evidenciada a exeqüidade da solução, sem quebra dos padrões de ensino do estabelecimento (art. 7º). Ademais, a aprovação dos dispositivos regimentais era requisito para que se iniciasse, com validade, a execução de qualquer programa em que fosse incluída a redução do tempo total (art. 7º, parágrafo único).

1.4 – A Duração, por Decreto regulamentar.

A duração mínima do trabalho escolar seria também tratada no Decreto nº 60.841, de 9 de junho de 1967, que reforçou a questão para cumprimento do ano letivo em 180 dias. Este instrumento legal, embora representasse antes uma reação do regime militar aos movimentos estudantis do período do que uma preocupação com o planejamento acadêmico das instituições de ensino, O art. 1º dispôs que o ano letivo correspondia a um período irredutível mínimo de 180 dias de trabalho escolar efetivo não computado o tempo reservado a provas e exames (grifo nosso). Assim, em casos de suspensão ou paralisação de aulas por tempo inferior ao das férias escolares, o período letivo será obrigatoriamente prorrogado, até se satisfazer a exigência prevista no artigo anterior (art. 2º). E mais, na hipótese da interrupção do período de aulas ser superior ao de férias, considerar-se-á perdido o ano, com relação aos alunos faltosos, pelo não cumprimento da exigência do art. 72 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 3º).

2 – 1968 : Lei nº 5.540 e decreto regulamentar nº 464.

Sobre o novo regime cumpre destacar os pontos essenciais à presente analise, Tendo em vista que a Lei introduziu um dispositivo essencial para a compreensão das regulamentações posteriores, notadamente quanto à duração da aula, O art. 11, alínea f, definiu, como uma das características pelas quais seriam organizadas as universidades, a flexibilidade de métodos e critérios, com vistas às diferenças individuais dos alunos, às peculiaridades regionais e às possibilidades de combinação dos conhecimentos para novos cursos e programas de pesquisa. Essa preocupação com flexibilidade de funcionamento das instituições geraria uma Indicação e um Parecer sobre sistema de créditos e matrícula por disciplinas, ambos de maio de 1971, onde a questão da definição da duração da hora seria enfim tratada como assunto relevante, que abordaremos na seqüência a este tema.

A referida Lei fixou normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, revogando dispositivos da LDB/61. O art. 26 definiu que o Conselho Federal de Educação deveria fixar o currículo mínimo e a duração mínima dos cursos superiores correspondentes a profissões reguladas em lei e de outros necessários ao desenvolvimento nacional. Em relação ao disposto no art. 70 da LDB de 1961 houve pequenas mudanças, o CFE passaria a fixar, além do currículo mínimo, a duração mínima – antes era só duração – relativa às profissões reguladas em lei – e não apenas as profissões liberais.

Estabeleceu, em seu art. 18, que além dos cursos correspondentes a profissões reguladas em lei, as universidades e os estabelecimentos isolados poderiam organizar outros cursos para atender às exigências de sua programação específica e fazer face à peculiaridade do mercado de trabalho regional. Além disso, a Lei tratou no art. 23 dos cursos profissionais, que poderiam, segundo a área abrangida, apresentar modalidades diferentes quanto ao número e à duração, a fim de corresponder às necessidades do mercado de trabalho. No parágrafo primeiro desse artigo, ficou definido que seriam organizados cursos profissionais de curta duração, destinados a proporcionar habilitações intermediárias de grau superior.

Com a edição do Decreto-Lei nº 464, de 11 de fevereiro de 1969, já sob a égide do Ato Institucional nº 5, o viés da Reforma de 68, que tinha as instituições universitárias como referência, seria apenas amenizado em alguns dispositivos, os quais dispunham igualmente sobre os diferentes tipos institucionais. O parágrafo 2º do art. 2º, por exemplo, definiu que o reconhecimento das universidades e dos estabelecimentos isolados de ensino superior deveria ser renovado periodicamente, de acordo com as normas fixadas pelo Conselho Federal de Educação (grifo nosso).

Observe-se o referido instrumento revogou dispositivos da LDB/61, dentre eles o art. 72, que disciplinava o período letivo. Em substituição, ficou definido, no art. 7º, que no ensino superior, o ano letivo regular, independente do ano civil, abrangeria, no mínimo, cento e oitenta dias de trabalho escolar efetivo, não incluindo o tempo reservado a exames.

2.1 – Indicação nº. 4/71: Sistema de crédito: unidade de trabalho acadêmico e duração da aula

Na evolução do presente, uma matéria demonstrou necessidade de esclarecimentos ao conceito ora pretendido. Nesse sentido, a Indicação nº. 4, de 5 de maio de 1971, do Conselheiro Raymundo Moniz de Aragão, teve por objetivo esclarecer a diferença existente entre sistema de créditos e regime de matrícula por disciplina. Ambos eram inovações em relação ao tradicional regime de cursos seriados, no qual as disciplinas curriculares são distribuídas em séries anuais, de tal forma que um curso de graduação determinado tem sua duração fixada em certo número de anos e cada série o seu plano de estudos preenchido por um conjunto rígido de disciplinas a que todos os alunos da série devem cursar.

O principal inconveniente do regime de cursos seriados era exigir de todos os alunos (da série) a mesma soma de trabalho, sem levar em conta as diferenças individuais. A principal vantagem decorria das facilidades oferecidas à escola no plano da administração acadêmica, ou seja, aos interesses do aluno sobrepunha-se a comodidade da prática administrativa. Nesse sentido, o regime seriado ia de encontro a um dos principais propósitos da Lei nº 5.540/68, que era normatizar a educação superior, daí a importância da Indicação nº 4/71.

Para os propósitos deste Parecer, será abordado especialmente o sistema de créditos. Sobre este, esclareceu o Conselheiro Raymundo Aragão tratar-se de um meio pelo qual, baseando-se no que é comum – o trabalho exigido do estudante para a aquisição do conhecimento – tornam-se comparáveis, entre si, as diversas disciplinas, malgrado as diferenças do conteúdo, metodologia do ensino, etc.

Conceitualmente, crédito é uma unidade de trabalho escolar, e, como unidade, serve para medir grandezas da mesma espécie. Refere-se a uma quantidade de trabalho escolar conhecida, que serve para medir o trabalho (escolar) exigido para aquisição do conhecimento inerente às diversas disciplinas. Ou seja, refere-se à determinação quantitativa desse trabalho, não necessariamente à sua avaliação qualitativa.

Ressaltava o Conselheiro que qualquer quantidade de trabalho escolar podia ser escolhida como “crédito”, é uma simples questão de convenção. Contudo, entendia que, por ser o trabalho escolar mais antigo e sendo o mais universal (no sentido de que se a emprega no ensino da maioria absoluta das disciplinas), a aula de anfiteatro, a preleção magistral, deveria ser a unidade escolhida para o crédito.

O Conselheiro Raymundo Aragão expôs seu ponto de vista sobre a inadequação da conceituação, então já em uso, de crédito como sendo o trabalho escolar equivalente a 15 aulas, ou seja, correspondendo a uma aula por semana durante um período de 15 semanas. No seu entendimento, tal era um conceito ilógico, porque tomava por unidade o que é realmente um múltiplo da unidade. Assim, definiu crédito como sendo o trabalho de acompanhar uma aula (preleção oral) de uma hora, o que enfim colocou em discussão um elemento de que, até então, não havíamos cuidado: a duração da aula. (grifos nossos)

Para o Conselheiro, a introdução desse elemento – duração da aula – era indispensável porque se trata de unidade de trabalho, e o trabalho é, em si mesmo, o produto de dois fatores: a energia empregada e o tempo de seu emprego. O último fator é preciso e diretamente mensurável, mas o primeiro, energia aplicada na realização do trabalho escolar, só pode ser avaliado aproximadamente (com um valor médio e por forma subjetiva).

Assim, uma atividade escolar distinta da preleção – aula prática de laboratório, seminário, elaboração de projeto, estágio supervisionado, etc. – pode implicar uma quantidade diferente de créditos. Afinal, tudo dependerá da relação (subjetiva) que se faça entre as duas energias, a aplicada para seguir a aula e a empregada em realizar a prática. Para Raymundo Aragão, o estabelecimento dessa relação subjetiva deveria ser feito em cada caso, pelo Colegiado de curso, no caso de Universidade ou Federação de Escolas, e pelo Conselho Departamental, tratando-se de estabelecimento isolado.

Ressaltou que o sistema de crédito não visava a classificar ou comparar estudantes, servindo, como já referimos, a quantificar estudos e não a aferir o aproveitamento neles. Portanto, o aluno inscrito em uma disciplina só teria direito aos créditos pertinentes se tivesse alcançado, no fim do período, a freqüência mínima exigida e demonstrado aproveitamento efetivo.

Nas palavras do Conselheiro, o sistema de crédito, conjugado ao regime de matrículas por disciplina, substitui a série no controle da integralização do currículo do curso. Percebe-se, pois, que para que essa sistemática funcionasse, em conjugação com o currículo mínimo e com a carga horária, foi preciso partir-se da base, vale dizer, da quantificação da duração da aula. Esta é fundamental, seja como critério mensurável (objetivo) para a atribuição de créditos a cada disciplina, seja como referencial para o estabelecimento da quantidade de créditos de outras atividades escolares, com base na percepção (subjetiva) da energia nelas empregada.

2.1.1 – O Parecer nº. 331/71, decorrente da Indicação 4/71

O Parecer nº. 331, de 6 de maio de 1971, que tratou do mesmo assunto, sistema de créditos e matrícula por disciplinas, e relato do Conselheiro Valnir Chagas. O Relator salientou que a Indicação focalizara, com muito aprumo, os vários itens em que se desdobra a matéria, oferecendo as soluções da melhor técnica pedagógica na perspectiva da nossa própria realidade. Não obstante, quanto a um aspecto, relacionado com o conceito de crédito, divergimos da orientação seguida: não quanto à teoria do sistema, porém no que toca à sua expressão quantitativa em termos de horas de atividades.

A Indicação nº 4/71 propusera a atribuição de um crédito a uma hora de trabalho ‘expositivo’ e o equivalente em atividades de outra natureza. Para o Conselheiro Valnir Chagas, ao invés disso, o que se impõe com maiores vantagens indiscutíveis é o uso de multiplicador correspondente ao número de semanas contidas no período letivo: 15 por semestre, na maioria dos casos. Assim, a cada hora semanal de trabalho ‘expositivo’ corresponde um crédito no fim do período, quando o aluno seja aprovado na disciplina. (grifo nosso)

Atribuir um crédito a cada hora de trabalho expositivo ou ao equivalente em outro tipo de atividade trazia uma inconveniente adicional, no entender do relator do Parecer nº 331/71. Para Valnir Chagas, tal formulação impedia, mesmo em circunstâncias especiais, a integralização dos estudos em prazo maior ou menor que os 90 dias úteis do semestre. Justamente esse seria o motivo pelo qual a tendência dominante era a omissão do critério semanal, deixando-o subjacente, o que permitia concentrações e distensões sem prejuízo do conjunto. Diante do exposto, ficou estabelecido, a partir do Parecer nº 331/71, que a cada quinze horas de trabalho ‘expositivo’, ou a trinta ou mais de outra natureza, corresponderá um crédito quando o aluno for aprovado na respectiva disciplina.

Conclui-se, portanto, que o ajuste feito pelo Parecer à Indicação atendeu a duas orientações: preservou-se o espírito da flexibilização da educação superior presente na Lei nº 5.540/68 e optou-se pela vinculação do crédito às quinze horas de trabalho expositivo, como correspondência às quinze semanas contidas no semestre de um ano letivo com 180 dias úteis, com base no que se desdobrou a efetiva prática acadêmica na maioria das instituições.

2.2 – Hora aula / hora de atividades e hora de trabalho escolar efetivo

Decorrente dos conceitos formulados e também orientado por uma necessidade prática, o Parecer nº 792, de 5 de junho de 1973 tratou especificamente da questão da hora-aula. Relatado na então Câmara de Ensino do 1º e 2 º grau do Conselho Federal de Educação, o Parecer nº 792/73 resultou de uma consulta do Conselho de Educação do Estado do Rio de Janeiro referente àqueles níveis de ensino mas acabou sendo aprovado em sessão plenária pelo CFE, o que estendeu a questão à educação superior, concluindo que as expressões ‘hora de atividades’ e ‘hora de trabalho escolar efetivo’ são sinônimas e significam hora-aula, tendo sido usadas em lugar desta, para evitar o significado exclusivo de preleção, que a terceira traduz; quanto à segunda parte da consulta, deve-se responder afirmativamente, pelo menos em tese, pois fazendo o recreio parte da atividade educativa, não há por que excluí-lo do tempo de trabalho escolar efetivo.

A referida consulta contemplava duas indagações. Em primeiro lugar, perguntou-se sobre o que se deveria entender pelas expressões ‘hora de atividades’ e ‘hora de trabalho escolar efetivo’ empregadas nos arts. 18 e 22 da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, a qual fixou as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º grau. Em segundo lugar, foi questionado se estaria incluído ‘o recreio’ na hora de atividade ou trabalho escolar efetivo.

Em resposta à primeira questão, o Conselheiro Valnir Chagas, Relator do Parecer nº 792/73, argumentou: na linguagem pedagógica brasileira, as duas expressões se equivalem no contexto em que foram empregadas; correspondem ao que também se costuma denominar ‘hora-aula’, desde que tomada a palavra aula em sentido amplo (grifos nossos). Esta última ressalva impõe-se, pois da sua primitiva acepção de lugar-onde-se-ensina a aula veio a significar o ato-de-ensinar e daí, pela constância de metodologia expositiva, tendeu a identificar-se com a preleção exclusiva (grifos nossos). Para o Relator, é justamente para evitar o sentido estrito de aula como sendo apenas preleção que devem ser empregados, também, os termos hora de atividades e hora de trabalho escolar efetivo.

Quanto à segunda questão, inclusão ou não do recreio na hora de atividade ou trabalho escolar efetivo, Valnir Chagas respondeu afirmativamente, pelo menos em tese. Em sua argumentação, foi introduzida a questão da definição da duração da hora-aula em cinqüenta minutos. Nas palavras do Relator: por ser a prática já consagrada, o legislador teve, decerto, como assente, que na hora escolar brasileira se destinam dez minutos aos chamados ‘intervalos’. O elemento consuetudinário mostra-se valioso para a interpretação de leis, como a de nº 5.692/71, que fogem às pormenorizações regulamentares. (grifos nossos)

Valnir Chagas ressaltou que deveria haver condicionamentos para ajustar este esquema de 50 + 10, que se enraíza no racionalismo pedagógico, a toda uma orientação de flexibilidade que doravante há de presidir à organização das ‘atividades’ escolares. Se o tradicional não desaparece de todo, tampouco permanece por inteiro; apenas resolve-se no atual (grifos nossos). Nesse sentido, observou o Conselheiro que soaria como absurda a conclusão de que ainda agora, ao termo de cada 50 min, um intervalo de recreio devesse necessariamente acontecer.

Sobre o tempo de cinqüenta minutos, o Relator do Parecer nº 792/73 emitiu considerações que salientam a necessidade de flexibilização desse esquema “50 + 10”. No início da escolarização, cinqüenta minutos podem ser excessivos, dados o esforço e a atenção requeridos de uma criança. Em contraposição, em fases mais avançadas ou em atividades que exijam concentração e continuidade – por exemplo, os trabalhos de laboratórios, os seminários -, aquele tempo pode ser exíguo.

O recreio, portanto, faz parte da atividade educativa e, como tal, se inclui no tempo de trabalho escolar efetivo, isto é, naquele tempo durante o qual o aluno fica sob influência direta da escola. Todavia, observou Valnir Chagas, exageros não são admissíveis, sendo razoável que se adote como referência o limite de um sexto das atividades (10 minutos para 60, ou 20 para 120, ou 30 para 180, por exemplo), o que a experiência consagrou e nada mais contra-indica.

O Conselho Federal de Educação voltaria a se pronunciar especificamente sobre o tema hora-aula com o Parecer nº 28, de 28 de janeiro de 1992. Relatado pelos Conselheiros Dalva Assumpção Soutto Mayor e Ernani Bayer, no âmbito da então Câmara de Legislação e Normas, o Parecer respondia a consulta sobre o tempo de duração da hora-aula, diurna e noturna, em estabelecimentos de ensino superior, solicitada pela Fundação Dom Aguirre, de Sorocaba-SP, mantenedora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba e da Faculdade de Ciências Contábeis e Administrativas de Sorocaba.

Na exposição de motivos, a Fundação paulista informava que os Regimentos das faculdades mantidas aprovados pelo CFE previam a duração da hora-aula, diurna ou noturna, por tempo não inferior a cinqüenta (50) minutos. (grifos nossos)

Todavia, em dissídio coletivo instaurado perante a Justiça de Trabalho, no dia 15 de novembro de 1989, ficou estabelecido que a hora-aula, para os fins previstos no art. 320 da CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas, teria a duração de cinqüenta (50) minutos, no período diurno, e quarenta (40) minutos, no período noturno, tendo sido feita referência à Portaria nº 204, de 13 de abril de 1945, do Ministério da Educação.

Conforme expôs a Fundação Dom Aguirre, em conseqüência do acordo coletivo de 15 de novembro de 1989, as faculdades mantidas foram obrigadas, em 16 de agosto de 1989, a reduzir a hora-aula do período noturno para quarenta minutos, dado que o referido dispositivo legal (do dissídio) tinha força de lei, pois fora homologado pela Justiça do Trabalho. Ademais, um novo acordo coletivo em 27 de março de 1990, firmado e registrado na Delegacia Regional do Trabalho, repetiu a cláusula relativa à hora-aula diurna e noturna do dissídio do ano anterior.

A consulta feita pela Fundação de Sorocaba decorreu de desdobramentos oriundos de determinação da DEMEC/SP, tomada em termo de visita, no sentido de que as faculdades mantidas ministrassem aulas com duração de cinqüenta (50) minutos, tanto no período diurno quanto no noturno. Tal obrigação teria deixado inconformados os docentes da instituição, dada a alegação de que a Portaria MEC nº 204/45 não fora revogada. Nesse sentido, a Fundação questionava se as faculdades mantidas estariam obrigadas a cumprir o acordo homologado pela Justiça do Trabalho ou o disposto nos seus Regimentos.

Em resposta à consulta, os Relatores afirmaram que a determinação da DEMEC/SP está correta, e deve ser imediatamente cumprida. Nos cursos de graduação ministrados por estabelecimentos de ensino superior é de cinqüenta (50) minutos a duração da hora-aula, quer se trate de aula diurna, quer de aula noturna (grifo nosso). E mais, enfatizaram os Conselheiros que a redução desse tempo representa inobservância da carga horária, vale dizer, descumprimento do currículo mínimo, o que torna cabível a aplicação das sanções previstas em lei. (grifos nossos)

Sobre a Portaria MEC nº 204/45, diploma de menor expressão no sistema de hierarquia de leis, os Relatores consideraram-na plenamente revogada diante da sua manifesta incompatibilidade com o sistema educacional implantado após a LDB de 1961. Nesse sentido, ressaltaram que o Conselho Federal de Educação, órgão normativo, intérprete, na jurisdição administrativa, da legislação citada, incluindo-se na sua esfera de competência e de atribuições estabelecer a duração e o currículo mínimo dos cursos de ensino superior (Lei nº 4.024/61, art. 9º, e) – em diversos e conhecidos pronunciamentos consagrou como duração da hora-aula o tempo de cinqüenta (50) minutos, com um intervalo de dez (10) minutos, para descanso dos alunos, entre uma hora-aula e outra. E tendo presente esse tempo de duração da hora-aula, foram fixados os currículos mínimos dos diversos cursos de graduação.(grifos nossos)

Para os Conselheiros Dalva Assumpção Soutto Mayor e Ernani Bayer, estariam na órbita de interesse e de competência da Justiça do Trabalho (…) exclusivamente as relações individuais ou coletivas de trabalho entre empregados e empregadores. Assim, entendiam que decisões judiciais teriam força de lei apenas entre as partes em litígio ou em dissídio, sem qualquer repercussão na estrutura, organização e parâmetros estatuídos pelas citadas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Como conseqüência, expuseram os Relatores que era de se interpretar (e esta parece ser mais uma palmar obviedade) que a hora-aula-noturna de quarenta (40) minutos, ajustada no dissídio trabalhista, diz respeito exclusivamente ao valor do salário-aula. Nada mais. Um simples cálculo aritmético, aliás em consonância com o princípio estabelecido na legislação trabalhista quanto à jornada de trabalho: o trabalho noturno tem remuneração superior à de igual trabalho diurno.

Para lidar com a questão, sugeriu-se a redução do número de aulas noturnas ministradas pelos professores e a diminuição da carga horária semanal a ser enfrentada pelo alunado, com a conseqüente extensão no tempo (em número de semestres ou anos) da duração do curso. Afinal, a redução do tempo de duração da hora-aula para quarenta (40) minutos seria incorrer na ilegalidade de reduzir o currículo, no seu tempo de duração. Os relatores assim concluíram o Parecer nº 28/92: é preciso não perder de vista que interesses corporativistas, de docentes, ou interesses financeiros, de estabelecimentos, não se sobrepõem às superiores diretrizes da educação: não são negociáveis, em dissídios trabalhistas ou fora deles.

3 – Sob novo regime legal: a LDB e decretos regulamentares

A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional, tendo como uma das suas principais orientações a flexibilização do ensino. Com relação à fixação de parâmetros para a carga de ensino a ser ministrada, a LDB não foi precisa ao dispor sobre os três principais níveis da educação: básica, média e superior. Ao longo de seus 92 artigos, distribuídos por nove Títulos, foram utilizados, em diferentes momentos e para questões diversas, termos apropriados à mensuração como “horas”, “horas-aula”, “horas letivas”, “horas de trabalho efetivo”, “horas semanais de trabalho”, “horas semanais de aula”, “dias de trabalho acadêmico efetivo”, “duração”, “carga horária”, “tempo reservado” e “tempo integral”.

No Título IV, “Da Organização da Educação Nacional”, foram definidas algumas obrigações a serem cumpridas pelos estabelecimentos de ensino e pelos docentes, das quais se destacam as seguintes: quanto aos estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão, dentre outras incumbências, que assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas (art. 12, III, grifo nosso); já os docentes, dentre outras obrigações, estarão incumbidos de ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional. (art. 13, V, grifo nosso)

A LDB de 96, ao tratar da educação básica (Título V, capítulo II), reiterou a necessidade de flexibilização da educação brasileira. No art. 23, ficou definido que a educação básica poderia organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar. E mais, no parágrafo 2º do mesmo artigo, definiu-se que o calendário escolar deveria adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas previsto nesta Lei. (grifo nosso)

Cumpre destacar que a Constituição de 1988 determinou que fossem fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental de maneira a assegurar formação básica comum (art. 210). Em conformidade com tal dispositivo, a Lei nº 9.394/96, ao tratar da organização da educação básica nos níveis fundamental e médio, estabeleceu que a carga horária mínima anual fosse de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver (art. 24, I).

Não obstante, no mesmo art. 24, a LDB instituiu normas para flexibilização da educação básica. Assim, nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que preservada a seqüência do currículo, observadas as normas do respectivo sistema de ensino (art. 24, III). E quanto ao controle de freqüência, ficaria a cargo da escola, conforme o disposto no seu regimento e nas normas do respectivo sistema de ensino, exigida a freqüência mínima de setenta e cinco por cento do total de horas letivas para aprovação (art. 24, VI).

Também em conformidade com o dispositivo constitucional que visou a assegurar uma formação básica comum no ensino fundamental, a LDB definiu um tempo mínimo para a jornada escolar. Pelo art. 34 da Lei, a jornada escolar no ensino fundamental deveria incluir pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola (grifo nosso).

A Lei nº 9.394/96, em seu Título V, “Dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino”, dedica o capítulo IV à educação superior. Com o art. 47, ficou definido que o ano letivo regular, independente do ano civil, deveria ter, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver (grifo nosso). O parágrafo 1º desse mesmo artigo determinou que as instituições de educação superior informassem aos interessados, antes de cada período letivo, os programas dos cursos e demais componentes curriculares, sua duração, requisitos, qualificação dos professores, recursos disponíveis e critérios de avaliação, obrigando-se a cumprir as respectivas condições (grifo nosso).

O art. 47 da LDB também instituiu normas para flexibilização dos cursos. Dispôs o parágrafo 2º: os alunos que tenham extraordinário aproveitamento nos estudos, demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação específicos, aplicados por banca examinadora especial, poderão ter abreviada a duração dos seus cursos, de acordo com as normas dos sistemas de ensino (grifos nossos).

E esse mesmo dispositivo introduziu obrigações e controles, nos parágrafos 3º e 4º. Assim, tornou-se obrigatória a freqüência de alunos e professores, salvo nos programas de educação a distância (art. 47, § 3º). E também: as instituições de educação superior oferecerão, no período noturno, cursos de graduação nos mesmos padrões de qualidade mantidos no período diurno, sendo obrigatória a oferta noturna nas instituições públicas, garantida a necessária previsão orçamentária (art. 47, § 4º, grifos nossos).

A LDB/96 estabeleceu condicionantes específicos para segmentos da educação superior. No âmbito das instituições de ensino, definiu em seu art. 52 que as universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano. No inciso III deste artigo, determinou como uma das características das universidades a existência de um terço do corpo docente em regime de tempo integral (grifo nosso). Cumpre observar que as universidades teriam um prazo de oito anos para cumprir esse dispositivo (art. 88, § 2º). Já em relação às instituições públicas de ensino superior, dispôs o art. 57 que os docentes dessa instituição ficarão obrigados “ao mínimo de oito horas semanais de aulas” (grifo nosso).

Coube ao Decreto nº 2.207, de 15 de abril de 1997, definir o conceito de “regime de trabalho em tempo integral” para as universidades. No parágrafo 4º do art. 5º, ficou estabelecido que para os fins do inciso III, do art. 52, da Lei nº 9.394, de 1996, entende-se por regime de trabalho em tempo integral aquele com obrigação de prestar quarenta horas semanais de trabalho, na mesma instituição, nele reservado o tempo de pelo menos vinte horas semanais, destinado a estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação.

Com o Decreto nº 2.306, de 19 de agosto de 1997, que revogou o Decreto nº 2.207/97, os termos deste dispositivo foram incluídos no art. 10. Posteriormente, com a edição do Decreto nº 3.860, de 9 de julho de 2001, que revogou o anterior, passou a fazer parte do art. 9º com uma redação ligeiramente diferente: Para os fins do inciso III do art. 52, da Lei nº 9.394, de 1996, entende-se por regime de trabalho docente em tempo integral aquele que obriga a prestação de quarenta horas semanais de trabalho na mesma instituição, nele reservado o tempo de pelo menos vinte horas semanais destinado a estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação. Por fim, com a edição do Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006, que substituiu o Decreto nº 3.860/2001, ficou estabelecido que regime de trabalho docente em tempo integral compreende a prestação de quarenta horas semanais de trabalho na mesma instituição, nele reservado o tempo de pelo menos vinte horas semanais para estudos, pesquisa, trabalhos de extensão, planejamento e avaliação (art. 69, parágrafo único, grifos nossos).

Importa ressalvar que a Lei nº 9.394/96 não estabeleceu, para a educação superior, os mesmos parâmetros mensuráveis para estruturação de cursos como o fizera para a educação básica – por exemplo, a carga horária mínima anual de oitocentas horas. A Câmara de Educação Superior (CES) do CNE teve que enfrentar, portanto, outros tipos de questões para interpretar a vontade do legislador e disciplinar os assuntos que suscitaram dúvidas, conforme verificaremos na seqüência.

3.1 O tema sob análise da Câmara de Educação Básica

A definição do que seriam horas e horas-aula, tal como apareciam estes termos na LDB/96, motivou esforços para esclarecimento das dúvidas por parte do novo Conselho Nacional de Educação (CNE), logo após a edição da Lei. A Câmara de Educação Básica, através do Parecer CNE/CEB nº 5, de 7 de maio de 1997, relatado pelo Conselheiro Ulysses de Oliveira Panisset, dedicou parcela do item 3.1, “Disposições Gerais”, ao debate do tema.

Após citar os dispositivos da referida Lei que se utilizavam dos termos “horas” e “horas-aula” (art. 12, II; art. 13, V; art. 24, I; art. 34), o Relator observou que como ensinam os doutos sobre a interpretação das leis, nenhuma palavra ou expressão existe na forma legal sem uma razão específica. Nesse sentido, asseverou: pode ser entendido que quando o texto se refere a hora, pura e simplesmente, trata do período de 60 minutos. Portanto, quando obriga ao mínimo de ‘oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar’, a lei está se referindo a 800 horas de 60 minutos, ou seja, um total anual de 48.000 minutos (grifos nossos). Seguindo o mesmo raciocínio, a jornada escolar no ensino fundamental de 4 horas de trabalho efetivo em sala de aula refere-se a 240 minutos diários, no mínimo, ressalvada a situação dos cursos noturnos e outras formas mencionadas no artigo 34, § 2º, quando é admitida carga horária menor, desde que cumprida as 800 horas anuais (grifos nossos).

Para o Relator Ulysses de Oliveira Panisset, ao mencionar a obrigatoriedade da ministração das horas-aula, a lei está exigindo (arts. 12, inciso III, e 13, inciso V) que o estabelecimento e o professor ministrem as horas-aula programadas, independentemente da duração atribuída a cada uma. Isso porque a duração de cada módulo-aula será definida pelo estabelecimento de ensino, dentro da liberdade que lhe é atribuída, de acordo com as conveniências de ordem metodológica ou pedagógica a serem consideradas. O indispensável é que esses módulos, somados, totalizem oitocentas horas, no mínimo, e sejam ministrados em pelo menos duzentos dias letivos (grifos nossos).

Além disso, ressaltou o Relator, não são apenas os limites da sala de aula propriamente dita que caracterizam com exclusividade a atividade escolar de que fala a lei. Esta se caracterizará por toda e qualquer programação incluída na proposta pedagógica da instituição, com freqüência exigível e efetiva orientação por professores habilitados. Os 200 dias letivos e as 800 horas anuais englobarão todo esse conjunto (grifos nossos).

Em complementação ao referido Parecer a Câmara de Educação Básica elaborou o Parecer CNE/CEB nº 12, de 8 de outubro de 1997. Coube ao Relator Ulysses de Oliveira Panisset responder indagações e dúvidas que ainda chegavam ao CNE. Uma das principais questões consultadas era sobre a obrigatoriedade dos 200 (duzentos) dias letivos, e sobre a possibilidade de não serem os mesmos observados, desde que cumpridas as 800 (oitocentas) ou mais horas que a lei estipula. O Conselheiro enfatizou que a exigência do dispositivo é biunívoca e, portanto, não coloca ênfase em apenas um dos parâmetros. A lei obriga a uma ‘carga horária mínima anual de oitocentas horas’, mas determina sejam elas ‘distribuídas por um mínimo de duzentos dias’. Portanto, mínimo de oitocentas horas ao longo de pelo menos duzentos dias, por ano. O Relator concluiu: não há como fugir deste entendimento: o legislador optou por aumentar a carga horária anual, no ensino regular, para um mínimo de oitocentas horas que serão totalizadas em um mínimo de duzentos dias por ano. Sobre isto, não há ambigüidade (grifos são do original).

3.2 Diretrizes Curriculares

Em consonância com o espírito de flexibilização dos cursos superiores, traço marcante da LDB/96, e seguindo o que dispôs a Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, caberia à CES deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto, para os cursos de graduação (art. 9º, § 2º, c). Com o Parecer CES/CNE nº 776, de 3 de dezembro de 1997, relatado pelos Conselheiros Carlos Alberto Serpa de Oliveira, Éfrem de Aguiar Maranhão, Eunice Durham, Jacques Velloso e Yugo Okida, a Câmara de Educação Superior definiu orientação para as diretrizes dos cursos de graduação.

No Relatório do referido Parecer os Conselheiros expuseram, em conformidade com a nova LDB, a necessidade de uma profunda revisão de toda a tradição que burocratiza os cursos e se revela incongruente com as tendências contemporâneas de considerar a boa formação, no nível de graduação, como uma etapa inicial da formação continuada. Dentre algumas recomendações, os relatores defenderam que as diretrizes curriculares deveriam também se pautar pela tendência observada hoje nos países desenvolvidos, de redução da duração da formação no nível de graduação (grifo nosso).

Nesse sentido, ao manifestarem seu voto, os Relatores propuseram oito aspectos a serem considerados como orientação paras as diretrizes, tendo em vista o propósito de assegurar a flexibilidade e a qualidade da formação oferecida aos estudantes.

Selecionamos os três primeiros dentre esses aspectos.

Assegurar, às instituições de ensino superior, ampla liberdade na composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem ministradas (grifo nosso).

Indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação de conteúdo dos específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais não poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos.

Em decorrência, o MEC, através da Secretaria de Educação Superior (SESu), lançou, em dezembro de 1997, o Edital nº 4, estabelecendo modelo de enquadramento das propostas de diretrizes curriculares. Após a conclusão desse trabalho pelo MEC/SESu, a CES voltaria a se manifestar sobre o tema com o Parecer CES/CNE nº 583, de 4 de abril de 2001, que acrescentou às DCNs os critérios de duração e integralização. Em seu voto, o Relator Éfrem de Aguiar Maranhão propôs que a definição da duração, carga horária e tempo de integralização dos cursos será objeto de um Parecer e/ou uma resolução específica da Câmara de Educação Superior (grifo nosso).

3.2.1 – Do Parecer CES/CNE nº 575/01, objeto do presente.

Para tratar especificamente do assunto carga horária de cursos superiores, foi apresentado o Parecer CES/CNE nº 575, de 4 de abril de 2001, que teve relato da Conselheira Vilma de Mendonça Figueiredo. O Parecer respondia a uma consulta da Utopia Empreendimentos Educacionais e Culturais, decorrente do Parecer CNE/CEB nº 5/97, do art. 47 da Lei nº 9.394/96 e de acordos sindicais. O questionamento feito baseava-se na existência do que seria uma grande confusão para o atendimento de grandes interesses: hora é igual a hora-aula, hora-aula diurna é igual a hora-aula noturna, hora de aula é igual a hora sindical, logo hora é igual a hora-sindical.

Em resposta àqueles questionamentos firmou-se o entendimento de que: hora é período de 60 (sessenta) minutos, em convenção consagrada pela civilização contemporânea, não cabendo ao legislador alterá-lo sob pena de afetar as bases mesmas da sociabilidade entre indivíduos, grupos, sociedades (grifo nosso). Para a Conselheira, o conceito de trabalho acadêmico efetivo, central para a questão aqui tratada, compreende atividades acadêmicas para além da sala de aula, como atividades em laboratório, biblioteca e outras. Nesse sentido, concluiu, cabe ressaltar que a hora-aula ajustada em dissídios trabalhistas, a ‘hora-sindical’, diz respeito exclusivamente ao valor salário-aula, não devendo ter repercussão na organização e funcionamento dos cursos de educação superior (grifos nossos).

3.2.2 – Esclarecimentos adicionais ao Parecer CES/CNE nº 575/2001

A Câmara de Educação Básica manifestou-se novamente sobre duração de hora-aula, com o Parecer CNE/CEB nº 8, de 8 de março de 2004, relatado pelo Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury. Este Parecer respondia a consulta feita pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Goiás (CFET/GO) sobre a necessidade de converter a duração da aula de 45 minutos para hora. Tendo citado os Pareceres CFE/CLN nº 28/92, CNE/CEB nº 05/97 e CNE/CEB nº. 12/97, o Relator salientou que mesmo com a clareza meridiana desses Pareceres, a subsistência, na memória das pessoas, do ordenamento extinto deixava alguma margem de dúvida entre as horas e as horas-aula. Nesse sentido, o Parecer CES/CNE nº 575/2001 já teria desfeito uma possível sinonímia entre ambos os vocábulos. Ou seja, a hora é um segmento de tempo equivalente a 60 minutos e estabelecido a partir da vigésima quarta parte de um dia solar ou do tempo que o planeta Terra leva para girar em torno de si mesmo.

Para o Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, os pareceres supracitados dizem o seguinte: as 800 horas na Educação Básica, os 200 dias e as horas de 60 minutos na carga horária são um direito dos alunos e é dever dos estabelecimentos cumpri-los rigorosamente. Este cumprimento visa não só equalizar em todo o território nacional este direito dos estudantes, como garantir um mínimo de tempo a fim de assegurar o princípio de padrão de qualidade posto no art. 206 da Constituição Federal e reposto no art. 3º da LDB (grifos nossos). Não obstante, ressaltou que o projeto pedagógico dos estabelecimentos pode compor as horas-relógio dentro da autonomia escolar estatuindo o tempo da hora-aula. Assim, a hora-aula está dentro da hora-relógio que, por sua vez, é o critério do direito do estudante, que é conforme ao ordenamento jurídico (grifos nossos).

4 – Síntese da evolução do tema.

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, dedicou uma seção específica para a educação (Título VIII – Da Ordem Social, Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto, Seção III – Da Educação). A fundamentação e a missão da educação brasileira foram estabelecidas no art. 205: a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Ressalta-se, desse dispositivo constitucional, a existência de um compromisso do Estado, da sociedade, da família e dos educadores em prover os educandos de um aprendizado educacional que os desenvolva em duas dimensões. Primeiro, uma educação voltada ao aprimoramento pessoal em uma concepção mais ampla. Ou seja, cabe aos educadores fornecer aos educandos uma formação cultural consistente, que possibilite o seu desenvolvimento como ser humano e a aquisição de uma consciência de seus direitos e deveres como cidadão brasileiro. Já a segunda dimensão implica desenvolver a educação, de modo a que possa prover o estudante de recursos e habilidades que o qualifiquem para uma atividade profissional futura.

Ambas as dimensões expressam a finalidade da educação, vale dizer, seu objetivo superior. Para cumprir tal fim, há que se ter um conteúdo a ser concebido, transmitido e apreendido, o que remete à existência de componentes quantitativos – para mensuração- e qualitativos – para avaliação. Ademais, esse processo de ensino e aprendizagem precisa não apenas do comprometimento dos agentes educadores, mas também da existência de instituições que congreguem os envolvidos, definam regras e procedimentos, reúnam, aprofundem e disseminem o saber existente.

Se coube à LDB de 1996, com os dispositivos dela decorrentes, sacramentar a importância dos processos de avaliação para a melhoria do ensino, deve-se à LDB de 1961, e aos instrumentos subseqüentes, a constatação de que era importante mensurar, de forma inequívoca, o conteúdo educacional a ser ministrado. Nesse contexto, os conceitos de “carga horária” e “hora-aula” surgiram como uma evolução do modo de mensurar o conteúdo educacional. Não obstante tais avanços, a regulamentação posterior desse assunto, incluídas as duas leis de diretrizes e bases, propiciou o surgimento de uma confusão conceitual, cujas raízes estão, a rigor, em um aspecto externo à questão do conteúdo educacional. Para entender o problema, é preciso voltar-se aos anos 40 e à consolidação das leis trabalhistas.

Com o Decreto-Lei nº 2.028, de 22 de fevereiro de 1940, instituiu-se o registro profissional dos professores e auxiliares da administração escolar, e dispôs-se sobre as condições de trabalho dos empregados em estabelecimentos particulares de ensino. Pouco depois, viria o Decreto-Lei nº 5.542, de 1º de maio de 1943, o qual aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em decorrência de ambos os dispositivos, foi baixada, pelo Ministério da Educação e Saúde, a Portaria nº 204, de 13 de abril de 1945, que fixou os critérios para a determinação da condigna remuneração devida aos professores dos estabelecimentos particulares de ensino.

A Portaria MEC nº 204/45 tratou fundamentalmente das condições de trabalho nos estabelecimentos particulares de ensino, não obstante seus dispositivos terem tido impacto sobre o processo educacional. Assim, ficou determinado que, para o cálculo da remuneração mensal ordinária de cada professor, deveria haver a fixação da remuneração de uma aula, calculando-se, pelo número de aulas semanais, na conformidade do horário estabelecido, a remuneração de uma semana (art. 3º, I). E também ser considerado, para efeito do cálculo de que trata o presente artigo, cada mês constituído de quatro semanas e meia (art. 3º, II).

Além disso, coube à Portaria MEC nº 204/45 definir como deveria ser computada a aula. Dispôs o inciso I do art. 4º que seria contado como uma aula, nos estabelecimentos particulares de ensino superior ou de segundo grau, o trabalho letivo de cinqüenta minutos, durante o dia, ou de quarenta minutos à noite (grifos nossos). Observe-se que tal dispositivo tornar-se-ia referência prática para a estruturação do ensino na maioria das instituições particulares, o que acabaria por levar à associação entre hora trabalhada e hora-aula, cuja duração seria de cinqüenta minutos para o turno diurno.

Como relatado acima, após a LDB de 1961, houve a regulamentação da carga horária e dos currículos mínimos dos cursos de graduação. Em vários dispositivos originários deste Conselho (Pareceres e Resoluções do CFE), e relativos à regulamentação de diferentes cursos de graduação, notadamente no que se refere à integralização dos currículos, foram utilizados, alternadamente, o conceito de “hora-aula”, o de “horas” e até o de “horas de atividades”. Tal conflito conceitual carrega consigo problemas, que explicam boa parte das dúvidas que persistem.

A determinação de uma carga horária mínima destina-se a estabelecer de forma inconteste um parâmetro de âmbito nacional para os cursos superiores. De um lado, isso permite assinalar qual a quantidade mínima de conteúdo deve ser ministrada aos estudantes para que possam se graduar. De outro, possibilita, por assim dizer, uma equalização mínima do ensino no país, por estabelecer um parâmetro comparativo entre cursos similares ou de uma mesma área de conhecimento.

A LDB de 1996, como exposto acima, utilizou em diferentes momentos os termos “horas”, “horas-aula”, “horas de trabalho efetivo”. Cumpre destacar que, na regulamentação posterior, o espírito de flexibilização que marca a LDB esteve presente ao se tratar de diretrizes curriculares e carga horária mínima, em substituição a currículos mínimos, os quais, a pretexto da equalização nacional do ensino, na prática engessavam a educação superior.

Sucessivos Pareceres que normatizaram a LDB de 1996 ressaltaram que a carga horária mínima deve ser medida em horas, entendida esta como um período de 60 (sessenta) minutos. Isso é compreensível, uma vez que se for mensurada em uma unidade variável como hora-aula, haveria distorções do conteúdo ministrado, em detrimento dos estudantes. Por exemplo, um curso em turno noturno, em que a hora-aula por acordo sindical for definida em 40 (quarenta) minutos, estará fornecendo uma quantidade de ensino 20% inferior ao de outro curso em turno diurno, com hora-aula de 50 (cinqüenta) minutos, mesmo que ambos sejam ministrados em uma mesma instituição.

É importante se ter consciência de que “hora” e “hora-aula” não são sinônimos. Hora é um segmento de tempo equivalente ao período de 60 (sessenta) minutos. Hora-aula é o mesmo que hora de atividade ou de trabalho escolar efetivo, sendo esse, portanto, um conceito estritamente acadêmico, ao contrário daquele, que é uma unidade de tempo. Deve-se salientar que, como já exposto em manifestação deste Conselho, “hora de atividades” e “hora de trabalho escolar efetivo” são conceitos importantes para sacramentar a noção de que aula não se resume apenas à preleção em sala. E mais, na hora escolar brasileira, tornou-se prática consagrada destinar-se, a cada hora, dez minutos aos chamados “intervalos”. Esse esquema de 50 + 10, em verdade, se enraíza no próprio racionalismo pedagógico, fazendo parte da atividade educativa.

Reafirme-se que a distinção entre hora e hora-aula não enseja conflito, embora ambas mensurem atividades distintas. A primeira refere-se à quantidade de trabalho a que o aluno deve se dedicar ao longo de seu curso para se titular, tendo-se o discente e seu processo de aprendizado como referências. A segunda é uma necessidade de natureza acadêmica, ou uma convenção trabalhista, sobre a maneira como se estrutura o trabalho docente, ou seja, tem como foco o professor em suas obrigações, especialmente quanto à jornada de trabalho, constituindo ainda base de cálculo para sua remuneração. Nesse sentido, hora-aula pode ser convencionada e pactuada, seja nos projetos de curso, seja nos acordos coletivos, conforme entendimento das partes envolvidas. Já hora é uma dimensão absoluta de tempo relacionado à carga de trabalho do aluno, manifestando uma quantificação do conteúdo a ser apreendido.

A inadequada compreensão da distinção entre hora e hora-aula e a concepção restrita desta última, como sendo apenas atividade de preleção em sala, têm originado algumas confusões e interpretações equivocadas. A Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), por exemplo, utiliza nos seus formulários de avaliação o conceito de “hora-currículo”, com duração fixada em “hora de 60 minutos”, que se constitui na unidade de mensuração das estruturas curriculares dos cursos tecnológicos avaliados, nos processos de autorização e reconhecimento.

Entende a Comissão que a questão precisa ser resolvida estritamente sob o foco educacional, o que não significa desconsiderar a existência de outros componentes como econômico, corporativo profissional, trabalhista. No país, ainda predomina o entendimento equivocado de que o processo educacional se restringe ao ensino em sala de aula, um viés explicável pela própria origem de nosso ensino superior, onde prevalecia a figura do lente catedrático que concentrava em si o domínio da cadeira ministrada. Tal perspectiva reducionista conduziu, por assim dizer, à “aulificação” do saber, isto é, à mensuração do processo educacional em termos de carga horária despendida em sala de aula, por meio de atividades de preleção.

Experiências internacionais indicam a necessidade de se transferir o entendimento do processo educacional antes concentrado na ótica docente – ensino desenvolvido através de horas em sala de aula – para a do discente – carga de trabalho necessário para aquisição de saber. Em outros termos, deve-se pensar o processo educacional como sendo um volume de conhecimento a ser apreendido pelo estudante, o que pode ocorrer mediante formas variadas de transmissão, de acordo com a especificidade do curso e em conformidade com seu projeto pedagógico.

Tome-se, como exemplo, o Parecer CES/CNE nº 184, de 7 de julho de 2006, que retificou o Parecer CES/CNE nº 329, de 11 de novembro de 2004, o qual dispusera sobre a carga horária mínima dos cursos de graduação, bacharelados, na modalidade presencial. Aprovado por unanimidade por este Conselho, o Parecer CES/CNE nº 184/2006 definiu a carga horária mínima em horas, ressalvando que, com base nos parâmetros definidos, as instituições de educação superior fixariam os tempos mínimos e máximos de integralização curricular por curso. Isso não significa que as cargas horárias totais dos cursos, das quais deve ser deduzida uma parcela de até 20% referente a estágios e atividades complementares, precise ser integralizada exclusivamente em atividades teóricas em sala de aula, nem que estas atividades devam ser realizadas obrigatoriamente em períodos de 60 (sessenta) minutos.

Nesse sentido, um aluno pode receber o conteúdo de seu curso em atividades teóricas (por exemplo, aulas expositivas), de pesquisas/experimentais (no campo, em laboratórios, em bibliotecas, etc.) ou práticas/profissionais (estágios supervisionados, práticas profissionais, etc.). Desse modo, mesmo em uma atividade teórica (“sala de aula”), uma IES poderá diversificar e flexibilizar suas atividades acadêmico-pedagógicas, distribuindo as horas de trabalho dos estudantes em aulas presenciais, não presenciais e atividades complementares (seminários, palestras, visitas, estudos dirigidos, etc.).

Constata-se, portanto, que há uma profusão de terminologias que visam a mensurar o conteúdo educacional, como “hora”, “hora-aula”, “hora de atividades” “hora de trabalho escolar efetivo”, “hora-currículo”, o que vem dando margem a compreensões inadequadas. Como tal confusão conceitual vem gerando problemas para o dia-a-dia das instituições de educação superior, torna-se crucial que este Conselho, à luz das normas vigentes e com base na experiência educacional que consubstancia tais conceitos, defina a questão.

5. Conclusões

· A Lei nº. 9.394/96 (LDB) e as normas que lhe são regulamentares (Decretos, Portarias, Pareceres, Resoluções) se orientam pelo espírito de flexibilização e diversificação da educação superior no país, seja quanto:

o aos cursos superiores (graduação – bacharelados e licenciaturas, tecnológicos, seqüenciais);

o às modalidades (presencial e educação a distância);

o à forma de atendimento das Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN;

o aos regimes de matrícula (anual, semestral, modular, etc.);

o à concepção e organização curricular (sistema de crédito ou seriado);

o à organização do calendário acadêmico das instituições de educação superior e do quadro de horário dos respectivos cursos.

· O ano letivo regular da educação superior, independente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.

· A carga horária mínima dos cursos superiores, bem como a carga horária total, é mensurada em horas (60 minutos), dedicadas às atividades acadêmicas e ao trabalho discente efetivo, independentemente do número e da duração das aulas.

· Manifestações anteriores deste Conselho ressaltaram que os chamados intervalos fazem parte da hora escolar brasileira, o que se enraíza no racionalismo pedagógico, atende a uma orientação de flexibilidade e consagra uma realidade acadêmica.

· Convenções coletivas e acordos sindicais, de diferentes unidades da federação, costumam estipular a duração da hora-aula diurna e noturna para o exercício da função docente.

· O Parecer CES/CNE nº. 575, de 4 de abril de 2001, tem sua eficácia prejudicada por não oferecer definição inequívoca ou incontroversa sobre a duração da atividade acadêmica (trabalho escolar efetivo), o que tem suscitado questionamentos a este Conselho.

· A formação superior envolve necessariamente o estudo individual, cuja duração excede em muito o trabalho acadêmico efetivo previsto nos projetos pedagógicos dos cursos.

· Compete ao Ministério da Educação, através de suas respectivas Secretarias, exercer a função de supervisão das instituições e cursos da educação superior.

II – VOTO DA COMISSÃO

Diante de todo o exposto, a Comissão manifesta seu entendimento, submetendo à deliberação da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, os seguintes termos:

· A carga horária mínima dos cursos superiores (bacharelados, licenciaturas, tecnológicos e seqüenciais de formação específica) é mensurada em horas (60 minutos), de atividades acadêmicas e de trabalho discente efetivo, o que é uma forma de normatizar os cursos superiores, resguardando os direitos dos alunos e estabelecendo parâmetros inequívocos tanto para que as instituições de educação superior definam as cargas horárias totais de seus cursos, quanto para que os órgãos competentes exerçam suas funções de supervisão e avaliação, adequando seus instrumentos aos termos deste Parecer.

· A hora-aula é decorrente de necessidades acadêmicas das instituições de educação superior, não obstante também estar submetida às questões de natureza trabalhista. Nesse sentido, a definição quantitativa em minutos do que consiste a hora-aula é uma atribuição das instituições de educação superior, desde que feita sem prejuízo ao cumprimento das respectivas cargas horárias totais dos cursos.

· As instituições de educação superior, em conformidade com o espírito de flexibilização da LDB e dos dispositivos subseqüentes, e respeitados o mínimo dos duzentos dias letivos de trabalho acadêmico efetivo e as orientações das Diretrizes Curriculares, deverão definir a duração da atividade acadêmica ou do trabalho escolar efetivo, que poderá compreender, entre outras, atividades de natureza predominantemente teórica (como aulas expositivas) e atividades práticas supervisionadas (laboratórios, atividades em biblioteca, iniciação científica, trabalhos individuais e em grupo, e práticas de ensino no caso das licenciaturas).

· Os conceitos apresentados no corpo deste Parecer constituem referencial para que as Instituições de Educação Superior, independentemente do tipo de curso superior oferecido, estipulem, conforme suas necessidades pedagógicas, a duração das atividades acadêmicas efetivas, respeitados o mínimo de 200 (duzentos) dias letivos, as orientações das Diretrizes Curriculares e as cargas horárias mínimas dos cursos, quando for o caso, além das demais normas legais vigentes.

· As instituições de educação superior devem ajustar e efetivar os projetos pedagógicos de seus cursos aos efeitos deste Parecer até o encerramento do primeiro ciclo avaliativo do SINAES, bem como atender ao que institui o parecer referente à carga horária mínima.

· Observado o disposto nos itens anteriores, os órgãos do MEC devem efetivar suas funções de avaliação, verificação e supervisão, pelos termos do presente.

Brasília (DF), 9 de novembro de 2006.

Conselheiro Edson de Oliveira Nunes – Relator

Conselheiro Milton Linhares – Relator

Conselheiro Antônio Carlos Caruso Ronca – Relator

III – DECISÃO DA CÂMARA

A Câmara de Educação Superior aprova por unanimidade o voto da Comissão.

Sala das Sessões, em 9 de novembro de 2006.

Conselheiro Antônio Carlos Caruso Ronca – Presidente

Conselheiro Paulo Monteiro Vieira Braga Barone – Vice-Presidente

HOMOLOGADO pelo presidente do Conselho Nacional de Educação em cumprimento à competência que lhe foi delegada pelo Ministro da Educação, pela Portaria MEC nº 1.792/2006, conforme Súmula publicada no DOU nº 224, Seção 1, 15/12/2006, p. 92.

PROCESSO nº: 23001.000146/2005-63 Parecer: CES 261/2006. Relator: Edson de Oliveira Nunes, Milton Linhares e Antônio Carlos Caruso Ronca.Interessada: Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. Assunto: Aprecia a Indicação CNE/CES nº 5/2005, relativa a esclarecimentos sobre os conceitos de hora e hora-aula tendo em vista questionamentos sobre a aplicabilidade do Parecer CNE/CES nº 575/2001 Voto da Comissão: …a Comissão manifesta seu entendimento, submetendo à deliberação.[ CES do CNE], os seguintes termos: A carga horária mínima dos cursos superiores (bacharelados, licenciaturas, tecnológicos e seqüenciais

de formação específica) é mensurada em horas (60 minutos), de atividades acadêmicas e de trabalho discente efetivo, o que é uma forma de normatizar os cursos superiores, resguardando os direitos dos alunos e estabelecendo parâmetros inequívocos tanto para que as instituições de educação superior definam as cargas horárias totais de seus cursos, quanto para que os órgãos competentes exerçam suas funções de supervisão e avaliação, adequando seus instrumentos aos termos deste Parecer. A hora-aula é decorrente de necessidades acadêmicas das instituições de educação superior, não obstante também estar submetida às questões de natureza trabalhista … a definição quantitativa em minutos do que consiste a hora-aula é uma atribuição das instituições de educação superior, desde que feita sem prejuízo ao cumprimento das respectivas cargas horárias totais dos cursos. As [IES], em conformidade com o espírito de flexibilização da LDB e dos dispositivos subseqüentes, e respeitados o mínimo dos [200] dias letivos de trabalho acadêmico efetivo e as orientações das Diretrizes Curriculares, deverão definir a duração da atividade acadêmica ou do trabalho escolar efetivo, que poderá compreender, entre outras, atividades de natureza predominantemente teórica (como aulas expositivas) e atividades práticas supervisionadas (laboratórios, atividades em biblioteca, iniciação científica, trabalhos individuais e em grupo, e práticas de ensino no caso das licenciaturas). Os conceitos apresentados no corpo deste Parecer constituem referencial para que as [IES], independentemente do tipo de curso superior oferecido, estipulem, conforme suas necessidades pedagógicas, a duração das atividades acadêmicas efetivas, respeitados o mínimo de 200 (duzentos) dias letivos, as orientações das Diretrizes Curriculares e as cargas horárias mínimas dos cursos, quando for o caso, além das demais normas legais vigentes. As [IES] devem ajustar e efetivar os projetos pedagógicos de seus cursos aos efeitos deste Parecer até o encerramento do primeiro ciclo avaliativo do SINAES, bem como atender ao que institui o parecer referente à carga horária mínima. Observado o disposto nos itens anteriores, os órgãos do MEC devem efetivar suas funções de avaliação, verificação e supervisão, pelos termos do presente. Decisão da Câmara: APROVADO.

EDSON DE OLIVEIRA NUNES

PRESIDENTE DO CONSELHO

(DOU Nº 224, 15/12/2006, SEÇÃO 1, P. 92)

Aprecia a Indicação CES/CNE nº 5/2005, relativa a esclarecimentos sobre os conceitos de hora e hora-aula tendo em vista questionamentos sobre a aplicabilidade do Parecer CES/CNE nº 575/2001