MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

INTERESSADO: MEC/Secretaria de Educação Superior

UF:DF

ASSUNTO: Consulta sobre a oferta de disciplinas isoladas pelas instituições de ensino superior e a normatização do art. 50 da LDB.

RELATOR: Aldo Vannucchi

PROCESSO N°: 23001.000151/2006-57

PARECER CNE/CES N°: 101/2007

COLEGIADO:

CES

APROVADO EM:

19/4/2007

I – RELATÓRIO

Trata o presente processo de consulta formulada pela Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação -SESulMEC, referente à oferta de disciplinas isoladas para alunos não regulares, conforme exposto no art. 50 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional _ LDBEN (Lei nº 9.394/1996)

Por meio do Oficio n° 9.202/2006/MEC/SESulCGLNES, de 16 de novembro de 2006, o Sr. Nelson Maculan, Secretário de Educação Superior, informa que a presente consulta tem por objetivo subsidiar a manifestação desta Secretaria de Educação Superior ao Ministério Público Federal, que investiga a figura do “aluno especial” em instituições federais de ensino.

Conforme exposto nesse oficio, em relação ao oferecimento de cursos superiores de graduação, a supracitada lei define, também, em seu art. 44, inciso II, que esses cursos são oferecidos a alunos com ensino médio (ou equivalente) concluído, aprovados em processo seletivo. Já o art. 49 prevê a possibilidade de ingresso de alunos por transferência e o art. 50, já citado, autoriza a oferta de disciplinas a alunos não regulares. Nesse sentido, a consulta do Sr. Secretário de Educação Superior afirma que:

As instituições de ensino superior habitualmente oferecem aos interessados as vagas residuais em seus cursos, aquelas restantes após a oferta aos alunos aprovados em processo vestibular, aos reprovados no período anterior e aos transferidos voluntariamente. Essas vagas são providas usualmente por ingresso de portadores de diplomas de curso superior, reingresso de ex-alunos desvinculados ou admissão de alunos especiais” ou alunos não regulares, por processos definidos em cada caso.

Essa prática não é uniforme em todas as instituições e a forma de acolhimento desses estudantes varia em sua natureza, ainda que sob o mesmo rótulo. Há, portanto, casos de “alunos especiais” que cursam disciplinas isoladas após um procedimento específico de matricula, enquanto outros freqüentam aulas sem qualquer vínculo acadêmico. A disparidade de situações dificulta uma manifestação precisa desta Secretaria de Educação Superior acerca da legitimidade dessas ofertas.

Em relação ao aproveitamento das disciplinas cursadas, o Parecer CNE/CES nº 365/2003 trata da necessidade de matrícula e vinculo regular, para os casos que especifica. Não explicita, todavia, qual o tratamento a ser conferido aos estudos dos alunos não regulares, ingressos com base no art. 50 da Lei 11° 9.394/1996.

Além dos efeitos sobre o aproveitamento dos estudos realizados, a situação é mais grave por conta da notícia de cobrança de taxas para inscrição e freqüência às disciplinas, nos casos dos alunos não regulares ou sem vínculo. O Ministério Público Federal investiga essa prática, por configurar aparente violação ao art. 206, IV, da Constituição Federal.

Assim, tendo em vista o teor do referido art. 50, cumpre indagar a esse Egrégio Conselho Normativo da Educação Nacional sobre o alcance e efeitos dessa disposição legal, nos seguintes termos:

1. Sob quais formas as disciplinas de cursos superiores podem ser oferecidas a alunos interessados, além do ingresso regular por processo vestibular ou transferências?

2. Quais os requisitos para a matrícula nessas disciplinas, na forma do art. 50 da Lei nº 9. 394/1996?

3. Em quais hipóteses o estudo realizado nessas formas pode ser aproveitado para posterior integralização curricular?

4. Do ponto de vista da legislação educacional, em especial o art. 206, IV, da Constituição Federal, é possível afirmar a regularidade da cobrança de taxas específicas para matrícula e participação nas disciplinas oferecidas dessa forma ?

Antes de focarmos as questões mais específicas, referentes ao art. 50 e o termo “aluno não regular”, importante se faz ressaltar alguns aspectos do mencionado Parecer CNE/CES,no 365/2003, homologado pelo Sr. Ministro da Educação por meio de Despacho publicado no Diário Oficial da União de 12 de janeiro de 2004, que responde consulta sobre a legalidade de transferência de aluno de um estabelecimento de ensino para outro, durante o 1° semestre do curso, e em vagas iniciais remanescentes dos classificados em processo seletivo. O referido parecer faz um arrazoado com fundamentação pertinente ao tratar dos conceitos de “matrícula”, “aluno” e “transferência”. Aqui, trabalharemos somente com os conceitos de matrícula e aluno, por estarem mais intimamente ligados à consulta da SESu.

Ao tratar do termo “matrícula”, o Parecer CNE/CES n° 365/2003 relata que esta é um

(..) ato complexo (que somente se aperfeiçoa com a manifestação de duas ou mais vontades) segundo o qual o candidato regularmente classificado em um processo seletivo se vincula a uma instituição de ensino, provendo uma vaga em determinado curso, conquistada mediante concurso público de ingresso na instituição, de tal forma que o vínculo não resulta apenas da manifestação da vontade do aluno de desejar pertencer à instituição, mas também da instituição que cumpre, de sua parte, as normas editalícias, do seu estatuto e do seu regimento, impessoais para todos, resultando, assim, o encontro das vontades a partir das quais a matrícula se consuma e o vínculo institucional se estabelece.

Do vínculo resulta, como se vê, o status de aluno de curso superior, graduação, quando se trata da hipótese prevista no art. 44, inciso 11, da Lei 9.394/96. Esse status se desfaz (a) quando desiste do curso, (b) quando cancela definitivamente a sua matrícula, (c) quando se transfere da instituição e (d) quando o aluno abandona o curso resultando na ruptura do seu vínculo institucional. Em todas essas situações, ocorre o seu desligamento do quadro discente, após o vínculo institucional.

Portanto, a matrícula é ato que legitima o vínculo de um aluno com uma instituição de ensino e a sua inclusão no quadro discente dessa instituição, mediante ingresso por processo seletivo (processo vestibular) e concordância das partes envolvidas por meio de assinatura de um contrato de prestações de serviços (ou equivalente), onde estejam explicitados os direitos e deveres dessas partes, regidas pelas normas internas de uma instituição (definidas por meio de estatutos, regimentos, regulamentos, editais, etc.) e legislação externa (definidas na Constituição Federal, Leis, Decretos, etc.).

Por “aluno regular”, o Parecer CNE/CES nº 365/2003 entende como:

(..) aquele que mantém o seu vínculo formalizado com determinada instituição. De modo inverso, “irregular” seria a condição do interessado que não estivesse devidamente vinculado, matriculado na instituição, de acordo com as normas editalícias, do estatuto e do regimento. Assim, “aluno irregular” é aquele que não pode ostentar o status de aluno em face do não atendimento às condições indispensáveis ao vínculo institucional.

Não se diga que “aluno regular” é aquele que está “regularmente estudando”, “regularmente freqüentando as aulas”. Com efeito, o aluno é regular porque está com o seu vínculo incólume com a instituição, embora, se vier a renunciar ao seu direito às aulas, às atividades acadêmicas, enfim, aos serviços educacionais contratados e postos à sua disposição, não venha freqüentando regularmente as aulas, e se deixe reprovar por faltas., Isto não é abandono de curso, do qual resulta a ruptura do vínculo com a instituição, mas “aluno regular” que não se habilitou à promoção para um outro ciclo de estudos porque, não tendo freqüentado o precedente, está reprovado por falta e, por isto, não se matricula no subseqüênte, mas no mesmo ciclo em repetência.

De igual modo, é também “aluno regular” aquele que mantém o seu vínculo com a instituição (matrícula) e, com o curso (ocupando a vaga conquistada no processo seletivo), mas interrompe temporariamente os estudos através do instituto jurídico denominado “trancamento”, termo este que significa não dar, continuidade aos estudos, temporariamente, sem a perda do vínculo (matricula) e do direito à vaga, durante determinado período postulado pelo aluno, se assim e na forma como for deferido pela instituição, porque se trata de simples possibilidade jurídica e não de um direito adquirido.

Pelo exposto, entende-se que aluno regular é aquele que mantém o seu vínculo com a instituição de ensino, por meio de matrícula em curso de graduação, independentemente de sua situação acadêmica (notas, freqüência, etc.) e, nos casos das instituições privadas e comunitárias; situação financeira com a instituição. O vínculo de um aluno regular com uma instituição só se desfaz mediante conclusão de curso, abandono de curso ou cancelamento de matrícula, nos termos definidos pela instituição. Em relação a estes dois últimos, é importante frisar que o Parecer CNE/CES nº 365/2003 também trata desse tema.

Vejamos agora a questão específica referente ao art. 50 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), que diz: as instituições de ensino superior, quando da ocorrência de vagas, abrirão matrícula nas disciplinas de seus cursos a alunos não regulares que demonstrarem capacidade de cursá-las com proveito, mediante processo seletivo prévio. (grifo nosso)

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a categoria “aluno não regular” ou “aluno especial” (como é mais comumente conhecido) constitui o que se denomina na literatura pedagógico-educacional de aluno exclusivamente vinculado a um ou mais componentes curriculares e não a um determinado curso.

Nesse ponto, cumpre ressaltar, primeiramente, que a Lei n° 4.024/1961 (Lei de Diretrizes e Bases anterior), mesmo não legislando sobre o assunto, já tratava de questão semelhante, no § 4° do art. 79, que assim definia: O ensino nas universidades é ministrado nos estabelecimentos e nos órgãos complementares, podendo o aluno inscrever-se em disciplinas lecionadas em cursos diversos se houver compatibilidade de horários e não se verificar inconveniente didático ajuízo da autoridade escolar.

Em segundo lugar, também é fundamental recordar a questão da matrícula pelo sistema de créditos, tão comumente utilizada hoje, que surgiu quando o então Conselho Federal da Educação baixou um ato regulatório, por meio do Parecer CFE n° 206/63-A, para a transferência de alunos. Em vez do regime tradicional, em que as disciplinas de cada série devem ser obrigatoriamente cursadas por todos os alunos, o sistema de créditos permitia ao aluno ser promovido por “disciplina isolada” e, conforme consta no referido Parecer, ser utilizado:

a) quando o estudo de uma disciplina puder ser feito independentemente de outras;

b) quando uma disciplina puder ser estudada independentemente de uma maior fundamentação anterior;

c) quando o estudo de uma disciplina for necessário para aprimorar a formação do educando e completar o número das matérias curriculares.

Basicamente, o Parecer CFE n° 206/63-A também afirmava que, nesse sistema, o aluno pode se matricular numa série ou período e cursar componentes curriculares de outras séries ou períodos. Neste caso, para um aluno completar o número de componentes curriculares é necessário que, além da verificação do aproveitamento, seja computada a sua freqüência, a fim de que sejam preenchidas todas as condições necessárias à obtenção do certificado de conclusão de ciclo.

* Mérito

Diante do exposto, pode-se responder à SESu/MEC, conforme segue:

Questão 1: Sob quais formas as disciplinas de cursos superiores podem ser oferecidas a alunos interessados, além do ingresso regular por processo vestibular ou transferências?

Resposta: Além do oferecimento por ingresso regular (os alunos vinculados a um determinado curso, que se matricularam em todas as disciplinas ou parte delas, previstos para um semestre letivo ou série; os alunos que cursam determinado componente curricular para aproveitamento de créditos/estudos; os alunos que cursam novamente determinada disciplina por não terem obtido aproveitamento satisfatório na primeira vez em que a cursaram; etc.) e transferências (tanto as externas quanto as internas), o art. 50 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n° 9-394/1996) prevê o oferecimento de disciplinas de cursos superiores, mediante a existência de vagas, a alunos não regulares, que comprovem capacidade de cursá-­las por meio de aprovação em processo seletivo.

Questão 2: Quais os requisitos para a matrícula nessas disciplinas, na forma do art. 50 da Lei nº 9. 394/1996?

Resposta: Além de aprovação em processo seletivo específico para comprovação de capacidade de cursar determinado componente curricular (tomo já definido no art. 50), que deverá ser claramente definido e divulgado pelas Instituições de Ensino Superior por meio de normas editalícias, é necessário que a situação do aluno não regular esteja normatizada também internamente por essas instituições, em seus estatutos, regimentos, regulamentos ou quaisquer outras normas complementares.

Para os candidatos que almejam cursar componentes curriculares isolados na graduação, é necessário que tenham o ensino médio (ou equivalente) concluído. Para cursar componentes curriculares em nível de pós-graduação, necessário se faz que o candidato tenha concluído curso de graduação reconhecido.

Por fim, as instituições também deverão requerer de seus alunos não regulares, para efeito de matrícula, documentação pertinente prevista na legislação, assim como acontece nos casos de matrícula de alunos regulares.

Questão 3: Em quais hipóteses o estudo realizado nessas formas pode ser aproveitado para

posterior integralização curricular?

Resposta: Tendo sido aprovado em processo seletivo específico para aluno não regular, e efetuado sua matrícula, o aluno estabelece vínculo com a instituição por meio do componente curricular a ser cursado (e nunca com o curso de graduação ou pós-graduação ao qual aquele componente curricular está vinculado). Nesse sentido, devem ser aferidos ao aluno não regular os mesmos mecanismos de controle de freqüência e avaliação de desempenho discente aplicados àqueles que se encontram matriculados como alunos regulares, com vínculo em curso de graduação ou pós-graduação.

Os estudos concluídos com aprovação em determinado componente curricular cursado por um aluno em situação de não regular, em cursos de graduação ou pós-graduação, podem ser utilizados pelas instituições de ensino para aproveitamento de estudos, de mesmo nível, quando do ingresso desse aluno como regular em curso de graduação ou pós-graduação. Importante lembrar que, para ingresso como aluno regular, em curso de graduação ou pós-­graduação, o aluno deverá ser aprovado em novo processo seletivo, definido para tal fim.

Ao aluno concluinte de componente curricular isolado, na situação de aluno não regular, será emitida, pela instituição de ensino, uma declaração de estudos informando o(s) componente(s) curricular(es) cursado(s), a carga horária e quantidade de créditos deste(s) componente(s), a nota ou conceito final obtido na avaliação de desempenho discente, a freqüência, o prazo em que o aluno cursou determinado(s) componente(s), o plano de ensino estabelecido para este(s) componente(s) curricular(es) e outras informações que cada instituição achar necessárias, frisando que esses estudos foram realizados na condição estabelecida pelo art. 50 da Lei n° 9.394/96.

Ainda sobre a questão do aproveitamento de estudos, as instituições poderão prever em alguma norma interna, inclusive nos projetos político-pedagógicos de seus cursos, a quantidade de créditos/componentes curriculares que cada aluno não regular terá direito a cursar, a quantidade de componentes curriculares que poderá gerar posterior aproveitamento (caso se tome um. dia aluno regular), prazos estabelecidos para solicitação deste aproveitamento, etc..

Por fim, por não estar vinculado a curso de graduação ou pós-graduação e sim a componente curricular isolado, não é definida a transferência (tanto interna, quanto externa) ao aluno matriculado sob condição de não regular.

Questão 4: Do ponto de vista da legislação educacional, em especial o art. 206, IV, da Constituição Federal, é possível afirmar a regularidade da cobrança de taxas especificas para matrícula e participação nas disciplinas oferecidas dessa forma ?

Resposta: Segundo o inciso IV, do art. 206 da Constituição da República Federativa do Brasil, é evidente e inquestionável a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais…

É preciso ressaltar, porém, que a Coordenação Geral de Legislação e Normas do Ensino Superior – CGLNES, da SESu/MEC, por meio da Informação n° 57/2002, depois de reiterar esse entendimento sobre o assunto,

(..) reclama análise aprofundada acerca da regularidade da cobrança, realizada pelas Instituições Federais de Ensino Superior, de cursos “de pós- , graduação lato sensu. Além disso, é importante definir a natureza dos cursos de graduação e pós-graduação stricto sensu e dos cursos de pós-graduação lato sensu para fins de aplicação do preceito constitucional antes mencionado.

Nesse sentido, o Parecer CNE/CES n° 364/2002 manifestou voto favorável apenas à cobrança de taxas e mensalidades de Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu, oferecidos por Instituições Federais de Ensino Superior, por entender que estes fazem parte de um mesmo grupo de educação continuada, cujas características principais são a oferta descontínua, episódica e, na maioria dos casos, não acadêmica, conduzindo a certificado, diferindo dos cursos de graduação que acentuam o caráter de regularidade de que se revestem as atividades acadêmicas, desenvolvidas em processos formais. Ainda, o referido Parecer declara que tais cursos contrastam com definição de ensino, aproximando-se, muito mais, do conceito de extensão. E O Parecer conclui, afirmando que:

i) o ensino de graduação e pós-graduação stricto sensu ministrado pelas universidades públicas deve ser gratuito, em expresso cumprimento ao dispositivo constitucional; (grifo nosso),

ii) os cursos de especialização e aperfeiçoamento, ou seja, de pós-graduação lato sensu, não se configuram como atividade de ensino regular e, por conseguinte, tem-se por correta a cobrança, efetuada pelas universidades públicas pelos instrumentos que, no exercício de sua autonomia constitucional, definirem.

II – VOTO DO RELATOR

Voto no sentido de que se responda à Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação – SESulMEC nos termos deste Parecer, que trata da oferta de disciplinas ou componentes curriculares para alunos não regulares, prevista no art. 50 da Lei nº 9.394/95.

Brasília (DF), 19 de abril de 2007.

Conselheiro Aldo Vanucchi – Relator

III – DECISÃO DA CÂMARA

A Câmara de Educação Superior aprova por unanimidade o voto do Relator.

Sala das Sessões, em 19 de abril de 2007.

Conselheiro Antonio Carlos Caruso Ronca – Presidente

Conselheiro Paulo Monteiro Vieira Braga Barone – Vice-Presidente

Consulta sobre oferta de disciplinas isoladas pelas IES.