*Artigo de Fábio Reis, diretor de Inovação e de Redes de Cooperação do Semesp sobre populismo no ensino superior.

Sou professor de História e um dos temas que mais me fascina é o populismo. As épocas de crises são propicias para que apareçam soluções salvacionistas, que são manifestadas nos discursos dos líderes e dos formadores de opinião. Aprendi em meu curso de História que os discursos são carregados de uma intencionalidade do orador, portanto, não são imparciais. É preciso estar atento aos reais interesses  do orador que faz o discurso.

No ensino superior, estamos em um momento em que a IES pode ter a sua relevância questionada, em função de diversas mudanças em nosso contexto. O mundo está mais volátil, incerto, complexo e ambíguo (Vuca).

O mundo Vuca se manifesta em diferentes frentes. As soluções de algumas empresas de tecnologia (Edtechs), especialmente startups, indicam que o diploma do ensino superior pode perder a relevância. É preciso considerar também que há alternativas para a formação profissional, que transcende os muros de nossas IES. Pode ser que os jovens deixem de acreditar que fazer uma “faculdade” é algo prioritário para sua vida, enfim, há uma série de fatores que indicam a crise do ensino superior e do sistema de educação brasileira.

O momento de crise econômica, de desemprego alto e baixo desempenho do PIB e de crise política, em que os atores públicos ainda não construíram consensos, reforçam o momento de incertezas. Nesse contexto, o gestor de IES, preocupado e receoso, tem dificuldade em fazer investimentos.

A captação de novos estudantes é baixa e os indicadores de evasão ainda são altos quando verificamos o macro ambiente do ensino superior. Há dificuldade dos dirigentes das IES em manterem a sustentabilidade financeira da instituição. Os projetos acadêmicos não respondem as expectativas dos jovens. Ao mesmo tempo, as IES ainda não encontraram alternativas para se tornarem mais digitais.

É nesse ambiente de incertezas, típicas do mundo Vuca, que aparecem os populistas salvacionistas do ensino superior. Getúlio Vargas, no Brasil, e, Domingos Perón, na Argentina, possuíam discursos de mudanças considerados revolucionários e tinham capacidade de conquistar corações e mentes. Sob o discursos desses líderes, os dois países passariam por um processo de revoluções profundas.

No ensino superior, há os que enxergam que as empresas educacionais vão dominar completamente o sistema de ensino e que não há outra solução que não seja vender a IES, ou fazer uma “imediata revolução interna”. Esse discurso é típico dos formadores de opinião que são proprietários dos negócios e estão interessados em vender produtos e serviços.

Essas pessoas possuem um perfil populista porque conseguem formar “corações e mentes” ao criarem um discurso em que as pessoas acreditam e aderem as suas ideias e propostas. Em função da capacidade de construir discursos, geram um “efeito deslumbramento”, conceito utilizado pelo sociólogo argentino Di Tella.

Apresentam soluções que podem induzir compras ou contratações de serviços. Podemos ouvir: “compre a minha solução educacional que sua IES irá ser digital, contemporânea e competitiva. Com essa solução, sua IES irá  encantar as novas gerações de estudantes”. Também podemos ouvir:  “o tal produto irá solucionar os seus problemas”.

Em função do avanço das matriculas no EAD, é comum nos eventos que discutem as tendências do ensino superior a seguinte afirmação: não há alternativa para a IES que não seja a EAD, então credencie sua IES e comece a atuar. As previsões são de que as matriculas da EAD irão superar as do ensino presencial em pouco tempo, portanto, não há como resistir ao seu avanço.

Da mesma forma, a 4o. Revolução Industrial, que em seu bojo traz o avanço da inteligência artificial, das soluções digitais, da robótica, entre outros elementos, indica uma enorme quantidade de soluções para os gestores de IES, que provavelmente, não sabem o que fazer. Muitos perguntam: e agora, em que vou investir? Com dúvida e desprovido de informações, adquirem a plataforma salvadora da Edtech X.

Obviamente, as Edtechs são bem-vindas e acredito que elas podem trazer várias soluções para o setor de ensino superior. É preciso ampliar a cooperação entre as IES e as diferentes empresas de tecnologia digital, por outro lado, o gestor tem que ser capaz de conhecer as reais demandas da sua IES.

Ninguém em sã consciência é contra o EAD, mas o mundo caminha para o ensino híbrido. Discursamos sobre o EAD e não apresentamos propostas concretas para o fim da dicotomia entre o presencial e o virtual. Às vezes, cometemos o erro de tratarmos o tema como dois mundos paralelos. Não discutimos o modelo, a qualidade, a tecnologia, mas afirmamos que precisamos ter EAD.  Geralmente, terceirizamos a EAD sem se preocupar com a identidade e o perfil institucional.

Falamos em EAD e defendemos a mudança de atitude do professor e a implementação de metodologias ativas. A mudança de atitude do docente acontece com capacitação planejada e continuada. As metodologias ativas fazem sentido quando há um plano  acadêmico de inovação.

O que adianta, por exemplo,  termos um bela plataforma educacional com algumas soluções digitais se não investimos no professor e se o gestores das IES não mudam o mindset? Queremos a EAD e buscamos soluções tecnológicas, mas continuamos a pensar como sempre pensamos.

A inteligência artificial (AI) também é bem-vinda, mas é preciso pensar em como vamos utilizá-la. As IES necessitam ter um projeto sistêmico que gere inovações e que tenha impacto na área acadêmica e administrativa.

Cuidado, gestor da IES, com os populistas salvacionistas que prometem tirar a IES da crise e superar as incertezas do mundo VUCA. Não há soluções simples e fragmentadas. Por outro lado, há bons produtos e serviços disponíveis no mercado.

Gestor de IES, conheça as ofertas de plataformas e software, compreenda a AI, busque informações sobre os melhores modelos de EAD e procure conhecer o significado e a dinâmica do ensino híbrido, tenha boas informações e não se deixe levar pelo discurso que gera um efeito deslumbramento. Em alguns eventos, vejo pessoas se encantarem por uma plataforma ou software. É uma “amor a primeira vista”. Isso é perigoso.

Já passamos por diversos momentos em que haviam discursos sobre a crise generalizada no setor de ensino superior, que iria provocar o fechamento de várias IES. Segundo informações do Conselho Nacional de Educação (CNE), há 40 pedidos de descredenciamento de IES. Esses pedidos sinalizam uma crise que está presente em nosso setor e em outros setores da economia. Há uma crise que requer soluções sistêmicas e planejadas.

Gestor, qual o seu plano para a IES? Como você projeta a sua IES, daqui 5 anos? Gestor, por favor, invista em inteligência de mercado, em diálogo com seu time estratégico e tenha um bom planejamento. O melhor caminho é construir um projeto de inovação.

O populismo salvacionista no ensino superior será mais atuante na medida em que há uma carência de planos e perspectiva de futuro na IES. Em um ambiente de avanço do mercado educacional, muitos terceirizam a atividade fim da instituição. Bom, isso é uma opção. Prefiro gestores que possuem ideias, que são criativos e ousados, que provocam o brilho nos olhos dos estudantes.

Há uma nova geração de reitores com planos inovadores e que estão dispostos a fazerem algo diferente. Será essa geração que irá fortalecer a relevância social e a qualidade acadêmica das IES, que não são, necessariamente, as avaliações e os indicadores de qualidade do MEC.

Muitos dirigentes já entenderam que é possível equilibrar investimento em inovação com sustentabilidade financeira. Esses gestores se encantam com as boas soluções e com os novos produtos, mas atuam com cautela e de forma estratégica perante o populismo salvacionista.