Imaginem o cenário de um país:  

  • a) em que a dívida pública representa 93,3% do PIB 
  • b) em que 14,4% da população ativa está desempregada 
  • c) em que há risco de aumento da inflação (o índice de 2020 pode superar a  meta de 4%) 
  • d) em que, segundo as estimativas, 65 milhões de pessoas deixaram de  receber auxílio emergencial em função da pandemia (que custou aproximadamente 320 bilhões de reais) 
  • e) em que é provável que a população não será imunizada em 2021, já que há  incertezas e polêmicas sobre a eficácia do plano nacional de imunização f) em que a Ford decide fechar suas fábricas e o Banco do Brasil 112 agências  g) em que a inadimplência no ensino superior cresceu 30% (dados de outubro  de 2020) e a evasão, em 10,1%, no primeiro semestre de 2020 (informação:  Instituto Semesp) 
  • h) em que o Enem será realizado entre final de janeiro e início de fevereiro e o  resultado apenas no dia 29 de março 
  • i) em que as matrículas dos novos ingressantes será tardia, em função do Enem 
  • j) em que predominam as incertezas sobre captação de novos estudantes e a  certeza do aumento dos custos operacionais 
  • k) em que ainda temos dúvidas sobre o retorno das aulas presenciais l) em que há um aumento de espaços ociosos, o que demonstra um nova  forma de dinâmica do trabalho e da vida social. Na cidade de São Paulo, na  Av. Luís Carlos Berrini houve uma devolução de 46.000 mil metros  quadrados de escritórios, na Vila Olímpia, de 11.000 mil metros, somente  entre abril e setembro. A devolução gera desemprego e impacto negativo  no setor de serviços de alimentação, entre outros impactos.

Esse país com tantos outros “em que”, infelizmente é o Brasil. Há um contexto  de tempestade perfeita e o início de 2021 começa com problemas do ano velho. O país reúne as condições para um aprofundamento da crise, o que pode nos deixar ansiosos  em função das incertezas e com receio de tomar atitudes que possam dissipar essa  tempestade. Sem dúvida, o cenário é ruim para a economia e para o ensino superior.  

Há esperança. O que pode ser feito para dissipar a tempestade? Faço cinco recomendações para serem articuladas e implementadas nos próximos meses. Os  representantes das associações que atuam no ensino superior e os gestores de IES  podem tomar as seguintes atitudes, para evitar tal tempestade: 

1) Atuar como protagonistas e de forma propositiva. Não se deve esperar  que o MEC estabeleça novas determinações na legislação educacional.  Aliás, as resoluções do CNE que foram homologadas pelo MEC são bem vindas, pois permitiram flexibilidade. Espero que tenhamos mais autonomia  e menos “intervenção” do MEC. Do Ministério, precisamos agilidade para a  resolução dos processos regulatórios, especialmente os da SERES. As  associações que representam o ensino superior precisam atuar de forma  coletiva e elaborar propostas de políticas públicas, inclusive com a  participação do setor público. O individualismo e a fragmentação fragilizam  a atuação das associações. Há pontos de convergências entre a Andifes e as  associações que representam o setor privado. As carências das políticas  oficiais não podem ser a justificativa para a carência de propostas  abrangentes e estruturais, advindas da sociedade civil. Se as associações  priorizarem a reivindicação de mudanças pontuais, por exemplo, do artigo 1  ou do inciso b, da lei X, dificilmente teremos um sistema de ensino superior  acessível, inovador e dinâmico. As tensões ideológicas e políticas terão  continuidade, mas, cabe às associações atuarem de forma articulada e  propositiva.  

2) Atuar em redes de cooperação, nacionais e internacionais. Marcus Frank,  da McKinsey, em recente apresentação para as Redes de Cooperação do  Semesp, indicou diferentes formas de redução de custos através de serviços  compartilhados. Em média, é possível ter uma economia de 30%, em 

diferentes serviços. O Colleges Fanway Consortium, de Boston, reúne 5 IES, com 12 mil estudantes de graduação, no total. Entre 2018 e 2019,  economizaram $ 4,471,804 dólares, em compartilhamento de serviços e  contratos. Há também, uma economia intangível, que está no aprendizado  institucional. No Semesp, fizemos um exercício de mensuração da  economia com o ganho intangível das IES que participam das Redes de  Cooperação e verificamos que a economia superou 1 milhão de reais, em  2018. Caro leitor, as Redes de Cooperação do Semesp, a MetaRed e o  Consórcio Sthem Brasil são alternativas para que sua IES, inicie o ano  investindo em cooperação. A rede é uma alternativa para superar as crises.  

3) Rever o modelo de organização administrativa e acadêmica da IES, investir  na hibridização e qualificar a gestão. IES demasiadamente hierárquicas,  com gestor que acredita apenas em “suas verdades”, lenta no processo  decisório, pedagogicamente convencional, sem planejamento e com visão  distorcida e frágil sobre o que está por vir no ensino superior não combina  com o modelo de IES que responda aos desafios e às demandas da  atualidade. É possível implementar novas formas de organização da IES e de oferta de cursos, que sejam diferentes do modelo que conhecemos. O setor 

acadêmico deve ter uma dinâmica que permita engajar o estudante no  processo de aprendizado, os espaços de aprendizagem precisam ser outros,  o uso da tecnologia deve ser algo comum e devidamente apropriado pelos  professores. A hibridização é um fato e precisa ser implementada. A gestão  precisa ser realizada com análise de evidências, com big data, com  monitoramento da evasão, com novas formas de comunicação e marketing  para a captação de estudantes. É preciso de gente preparada para a função  de gestor de IES.  

4) Criar valor na oferta do ensino superior e reforçar a identidade  institucional. Se a IES optar por oferecer um ensino superior convencional,  é provável que o diploma dessa instituição perderá valor. Não é correto  afirmar que parte dos brasileiros não está preparada para fazer quase nada.  Pesquisa do Semesp aponta que quem tem ensino superior pode ter um  aumento de renda de 182%. O ensino superior tem de fazer sentido para os 

jovens, agregar valor à vida, proporcionar encantamento e sintonia com os  ideais dos jovens. Por isso, a IES precisa ter uma identidade e manifestá-la,  deve deixar claro seus propósitos e objetivos. Infelizmente, as IES são mais  iguais, do que diferentes. Não acredito que uma instituição de ensino tenha  sucesso, se não tiver vida acadêmica, se não instigar reflexão e diálogo, se  não abraçar causas sociais, se não tiver um DNA. Uma IES sem propósito  provavelmente oferece uma educação sem alma, com pouca luz.  

5) Humanizar a formação dos estudantes e reforçar o papel social da IES. É preciso formar estudantes para o mercado, para que tenham  empregabilidade e/ou trabalhabilidade, mas, antes de tudo, a dimensão da  formação humana não pode ser enfraquecida ou abandonada. O ensino  superior foi e precisa ser o lugar do debate político, econômico, social,  cultural, entre outros. Não podemos incluir temas sobre os negros,  indígenas ou meio ambiente, porque o MEC/INEP determina. As IES  precisam recuperar ou reforçar a formação humana, cidadã e ética. É  preciso, por exemplo, respeitar as diretrizes de convivência social. Temas  como meio ambiente e aquecimento global, pobreza, racismo, entre outros,  devem estar na agenda das IES, de forma consistente, não de qualquer  forma. A formação humana e a formação para o trabalho são  complementares, não podem ser objeto de muito discurso e pouca ação.  Podemos pagar um alto preço se formamos pessoas sem compromisso  social: o do fracasso da educação, no sentido amplo.  

As 5 recomendações acima são soluções mágicas para que as IES superem as  incertezas e a crise? Não. São sugestões elaboradas a partir de leituras e conversas, com especialistas em ensino superior. O Brasil é um país viável, que precisa de políticas  públicas, de Estado. Não somos um país quebrado. A superação da crise passa pela atuação da sociedade civil e pelas escolhas e atitudes dos dirigentes das IES. Sim,  teremos meses difíceis, mas há oportunidades para melhorarmos a educação. 

*Fábio Reis, diretor de Inovação e Redes do Semesp. Presidente do Consórcio STHEM Brasil. Colabora com a Afya. Diretor de Inovação Acadêmica da Unicesumar e professor do Unisal.