Secretário diz que desocupação é condição sine qua non para negociações.

Oimpasse em torno dos decretos do governador José Serra (PSDB) e da autonomia das universidades estaduais chegará em breve à Justiça. Enquanto o governo afirma que os decretos valem para a administração direta e indireta, excluindo as universidades, estudantes que ocupam a reitoria da Universidade de São Paulo (USP) há 26 dias e parte da comunidade acadêmica pedem sua revogação, por acreditarem que eles afetam sim a autonomia universitária.

Reunião ontem entre o secretário de Justiça e Defesa da Cidadania, Luiz António Marrey, a reitora Suely Viela, representantes do Ministério Público, da Assembleia Legislativa, de alunos, professores e funcionários terminou após cerca de duas horas e meia sem definição. Segundo o secretário, quem considera os decretos inconstitucionais deve questioná-los na Justiça. Um grupo de advogados e alunos, liderados pêlos jurista Dalmo Dallari, prepara uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin), para questionar se as medidas ferem ou não princípios da Constituição. Partidos de oposição também estudam o assunto.

“Eles colocaram que há inúmeras inconstitucionalidades nos decretos. A forma própria para debater isso é o ingresso no Sistema Judiciário”, afirmou Marrey. “Mas eles não podem cumprir alei apenas quando convém”, disse, referindo-se ao fato de que os jovens não cumprem a ordem judicial de desocupação da reitoria.

O tom de Marrey ao deixar a sala onde foi realizado o encontro, na Secretaria da Justiça, era incisivo. O secretário classificou a desocupação como “condição sine qua non” para negociações. Em nenhum momento, porém, afirmou quando a ordem para reintegração de posse será executada.

O diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), Magno de Carvalho, afirmou que durante a reunião o tom foi mais ameno. “Vimos dois discursos. Um lá na reunião e outro aqui fora” contou. “Ele apenas sugeriu que a desocupação seja feita”.Se a questão chegar à Justiça, os decretos serão analisados pelo Tribunal de Justiça (TJ) e, uma vez julgados, ficariam sujeitos a questionamentos no Superior Tribunal Federal (STF).

Advogados afirmam que a redação dos decretos pode deixar margem para dúvidas, o que poderia ficar esclarecido com a edição de um novo decreto, que não precisaria ter mais que um parágrafo, dizendo que as normas excluem universidades. “É uma questão de interpretação. Cada um que analisar com seu ponto de vista poderá chegar a uma conclusão”, explica Odete Medauar, professora titular de direito administrativo da Faculdade de Direito da USE “Já que existe margem para dúvida, por que não editar novo decreto, dizendo que as medidas não atingem as universidades estaduais?”

Em 1° de janeiro, o governo publicou dois decretos: 51.460 e 51.461.0 primeiro altera nome e composição de várias secretarias, entre elas transforma a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento em Secretaria de Desenvolvimento e a Secretaria de Turismo em Secretaria de Ensino Superior. O segundo dita que as três universidades estaduais ficariam, a partir de então, submetidas a essa nova pasta, deixando a de Desenvolvimento, que ficou com a Fapesp e o Centro Paula Souza, responsável pelas faculdades e escolas tecnológicas.

A criação da secretaria provocou polemica, mas o maior ponto de discórdia foi dar a presidência do conselho de reitores, o Cruesp, para o titular da secretaria, José Aristodemo Pinotti. Reitores reagiram, consideraram intromissão, e o governo recuou. O presidente é agora o reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge. No dia 2 de janeiro, foi publicado o decreto 51.471, que “dispõe sobre a admissão e a contratação de pessoal na administração direta e indireta”. Ele proibia provisoriamente a contratação em todos os órgãos do Estado.

Em 9 de março, saiu o decreto 51.636, que “fixa normas para a execução orçamentária e financeira em exercício em 2007”. A diferença foi incluir o termo “em tempo real” para a colocação de dados no Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios (Siafem). As universidades já colocam seus dados no Siafem desde 1997, quando foi criado. Mas o processo era mensal. A partir do decreto, virou diário. Já no dia 14 de março, foi publicado o decreto 51.660, que “institui a Comissão de Política Salarial” no Estado.

A grande polemica é que as universidades são autarquias e fazem parte da administração indireta. Para alguns, os decretos deveriam deixar claro que apesar de incluir a administração indireta, excluem as universidades. Reitores e o governo dizem que o decreto, mesmo mencionando as administrações indiretas, não têm validade sobre as universidades porque elas já têm autonomia garantida na Constituição. “É uma leitura que fica aberta, mas que pode indicar uma parceria entre Estado e universidades, uma prestação de contas”, diz João Wiegerinck, professor de Direito do Mackenzie.