Conselho de Reitores defende decreto de Serra, estudantes e professores temem interferência no uso das verbas.

A greve de funcionários e alunos e a invasão da reitoria da Universidade de São Paulo (USP), desde o dia 3, alimentaram ao longo da semana o debate em torno de um decreto assinado pelo governador José Serra (PSDB), que trata da execução orçamentária das universidades estaduais paulistas. Enquanto os grevistas interpretaram a decisão do governo como uma forma de ingerência sobre o orçamento de USP, Unicamp e Unesp, o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas e integrantes do governo garantem que a autonomia das universidades está mantida, como determina o artigo 207 da Constituição.

Ainda assim, em meio à data-base para negociações salariais dos funcionários das universidades, o assunto ganha proporções maiores, uma vez que o governador passou a ser acusado de tentar gerenciar a dotação orçamentária no ensino universitário do estado. Segundo o governo, o que mudou com o decreto é que, a partir deste ano, as universidades são obrigadas a prestar contas diariamente ao Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios (Siafem), e não mais mensalmente, como era feito desde novembro de 1997.

O presidente do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (que envolve a USP, a Unicamp e a Unesp), José Tadeu Jorge, disse que o decreto assinado pelo governador não tira da direção das universidades a autonomia para remanejar verbas ou aplicá-las conforme a necessidade de cada campus. Segundo ele, as instituições continuarão utilizando seus recursos respeitando a demanda de cada unidade.

— A autonomia das universidades continua. Existe uma cláusula pétrea que se sobrepõe a qualquer outra legislação — diz Jorge, que não concorda com a interpretação de estudantes e professores de que o governo poderá interferir na destinação das verbas.

— Em nenhum lugar está escrito que as universidades deixariam de executar livremente sua execução orçamentária — afirma o reitor da Unicamp.

O governo de São Paulo destina anualmente as três universidades 9,57% de toda a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o que representa R$ 4 bilhões por ano. Na média, a USP recebe a metade deste valor e os outros R$ 2 bilhões são divididos praticamente em partes iguais para a Unicamp e a Unesp. As três universidades atendem 170 mil alunos, entre os cursos de graduação e pós-graduação.•

Pinotti: verba para universidades está assegurada.

Em resposta às acusações de que o estado pretende monitorar a forma como as universidades vão usar os recursos públicos, o secretário estadual de Ensino Superior, José * Aristodemo Pinotti, lembra que os poderes Legislativo e Executivo também têm, pelo Siafem, suas contas acompanhadas diariamente pelo governador.

— E nem por isso há qualquer ingerência sobre deputados ou o Ministério Público, por exemplo. A partir de 1989 começou-se a fazer a vinculação orçamentária das universidades pelo ICMS, e esse acompanhamento dá mais transparência à luz dos recursos efetivamente aplicados pelas universidades — diz Pinotti, lembrando que o orçamento da USP aumentou 11% de 2005 para 2006.

O secretário garantiu que o percentual destinado às universidades, de 9,57%, também não será reduzido.

Sobre o decreto assinado pelo governador José Serra no início do ano, o vice-presidente da Associação dos Docentes da USP, Francisco Miraglia, não concorda com o tom adotado pelo Conselho de Reitores e pelo próprio secretário Pinotti. Segundo ele, embora não haja qualquer afirmação de que o governo irá controlar recursos universitários, o decreto deixa uma brecha nas conversações entre governo e reitores para que isso possa acontecer.

O professor cita uma carta assinada pelo secretário estadual da Fazenda, Mauro Ricardo Machado Costa, onde está escrito: “reafirmo, outrossim, a decisão do governo de definir, em entendimento com os reitores, um regime adequado de remaneja-mento de dotações orçamentárias, que atenda as peculiaridades de sua organização (…)”.

— Está claro que o governo pretende dar as diretrizes sobre o remanejamento de verbas das universidades, de acordo com a orientação que lhe for mais conveniente — diz Miraglia.

Os alunos, que ocuparam a reitoria e iniciaram uma greve por tempo indeterminado, concordam com Miraglia.

— Se o governo não pretende interferir na gestão de recursos das universidades, por que, então, assinou esses decretos? Para nada? Só para constar? — ironiza Carlos Gimenez, aluno de Ciências Sociais, um dos coordenadores do movimento que levou centenas de estudantes a invadirem o prédio da reitoria.