Acusado de tentar ferir a autonomia das universidades, o secretário de Ensino Superior de São Paulo, José Aristodemo Pinotti, se defende e diz que a nova pasta “é um gesto para valorizar a academia”

A temperatura nos campi das três universidades estaduais paulistas – Unicamp, USP e Unesp – está nas alturas. Decisões do governador José Serra (PSDB) geraram protestos de professores, funcionários, estudantes, reitores e ex-reitores. Uma das medidas mais contestadas foi a criação de uma nova secretaria, a de Ensino Superior, entregue ao ginecologista, professor e ex-reitor da Unicamp José Aristodemo Pinotti, 72 anos. As universidades possuem autonomia universitária prevista por lei e 9,57% do ICMS estadual para garanti-la. A comunidade acadêmica pergunta: o que a nova secretaria pode fazer que não agrida a autonomia ou que a academia não seja capaz de realizar por conta própria? Em busca de resposta para essa e outras questões inquietantes, ISTOÉ entrevistou o secretário Pinotti.

ISTOÉ – A nova secretaria anula a autonomia das universidades?

José Aristodemo Pinotti – De forma alguma. Sou ex-reitor. No governo Orestes Quércia, do qual participava, fui um enfático defensor da lei que vinculou, àquela altura, 8,4% do ICMS às universidades. O governador e eu temos história acadêmica. Apoiamos o conceito da autonomia com entusiasmo. E, agora, passo pelo indisfarçável constrangimento de ser acusado de agredir a autonomia.

ISTOÉ – A universidade não pode decidir por conta própria?

Pinotti – Autonomia não confere liberdade absoluta. A secretaria é um gesto para valorizar a academia. Caminharemos em três direções: melhoria do ensino básico, integração com empresas para gerar desenvolvimento e democratização do acesso de alunos do ensino público à universidade.

ISTOÉ – Como isso será feito?

Pinotti – O acesso é um aspecto fundamental. O fator econômico não pode continuar a decidir quem entra no ensino superior. Iniciamos um programa para oferecer mais vagas públicas aos alunos do ensino médio público, através de cursinhos gratuitos nas universidades. O governo estadual oferecerá bolsas. Só na Unesp, essas vagas serão ampliadas ainda este ano de dois mil para 7,5 mil.

ISTOÉ – Mas ainda é pouco…

Pinotti – Verdade, só isso não basta. A universidade, no mundo todo, não é para todos. Mas deve se abrir para os que têm mais vocação, garra, ambição, inteligência, e não primordialmente para os mais endinheirados. Vamos ampliar o número de vagas gratuitas. Uma das fórmulas é o ensino a distância, usando o conteúdo das universidades públicas. Não iremos forçar as universidades a aumentar esse número fora do limite da responsabilidade que a autonomia lhes confere.

ISTOÉ – Por que tantas críticas?

Pinotti – Alguns fatores produziram reservas. No final do ano passado, as universidades pediram a inclusão na lei de um aumento no porcentual do ICMS de 9,57% para 10,4%. Eticamente, o então governador, Cláudio Lembo, optou por deixar a decisão para o sucessor, José Serra, e vetou. Isso assustou a universidade e o novo governo começou com a marca da recusa à autonomia. É um mal-entendido. O tópico foi devolvido ao orçamento por Serra com os 9,57% anteriores, garantindo a autonomia.

ISTOÉ – Professores temem perder direitos ao se aposentar…

Pinotti – Isso também foi resolvido. Eles temiam a mudança de regras, sobretudo a de paridade, que garante aos aposentados das universidades paulistas o mesmo salário dos ativos. Isso não será modificado.

ISTOÉ – O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, se disse favorável à legalização do aborto e defendeu um plebiscito para definir a questão. O que o sr. pensa sobre o assunto?

Pinotti – Ele foi corajoso. Sou favorável a que se deixe de considerar aborto um crime. Não há sentido em rotular a mulher de criminosa. Nunca houve uma que quisesse fazer aborto. Isso ocorre pela soma de circunstâncias negativas. Se há criminoso, é quem não deu a ela educação reprodutiva, metodologia anticoncepcional e assistência. E nem criou um sistema de segurança capaz de prevenir estupros e abusos sexuais.

ISTOÉ – A legalização passaria no plebiscito?

Pinotti – Acho que não, mas a discussão vai gerar cuidados e posturas mais benéficas para a mulher. O saldo será positivo.