É provável que estejamos vivenciando o início de uma crise econômica sem precedentes. Começamos o ano de 2020 com uma projeção para o PIB acima de 2% e, de um momento para o outro, graças a uma pandemia sem precedentes, passamos a prever indicadores negativos. Tudo indica que a recessão será inevitável. Se hoje temos aproximadamente 12 milhões de desempregados, até o final de 2020, esse número pode chegar a 20 milhões.

A captação de novos estudantes para ingressar no ensino superior, no início do ano, foi pior em linhas gerais quando comparada a 2019. O jornal The Chronicle Higher Education lançou uma série artigos de análise sobre a Covid-19 que indica que um em cada quatro estudantes do ensino médio que pensava em se matricular no ensino superior desistiu de seu intento. Segundo a publicação, o serviço de investimento da Moody rebaixou de estável para negativo, em função das incertezas que estamos vivenciando, o setor de ensino superior nos EUA.

Os estudos também indicam que a taxa de estresse das IES norte-americanas subiu de 10% para 20%. A taxa mede a possibilidade de uma IES enfrentar sérios problemas de sustentabilidade financeira. O mesmo estudo indica que elas poderão encerrar suas atividades, o que significa um impacto considerável em um sistema que tem, segundo o jornal US News, 4.298 IES.

Se aplicarmos a mesma pesquisa no Brasil, com certeza teremos uma de taxa de estresse considerável. Enfrentaremos em 2021 uma piora na captação de estudantes. É preciso considerar ainda o cenário político fragmentado. O país terá eleições municipais e eventuais confrontos políticos. Iniciaremos 2021 com novos prefeitos e novos vereadores, o que gera ainda mais incertezas.

O que foi escrito até aqui indica um cenário de crise que exigirá atitude imediata dos gestores das IES. No momento, eles estão apagando incêndios, já que, de modo geral, é preciso transformar aulas presenciais em aulas remotas. De repente, sem planejamento, o sistema de ensino superior está improvisando muitas soluções. Mas temos que aproveitar a oportunidade, sair do improviso e mudar o paradigma para podermos implementar projetos consistentes e sistêmicos em nossas IES.

Há um conjunto de IES que terá um impacto financeiro e acadêmico menor, pois já trabalhava na perspectiva digital, adotando programas de preparação de professores, com utilização de tecnologias e plataformas disponíveis no mercado. Essas instituições provavelmente vão acelerar o seu processo de mudança de paradigma.

Durante os últimos anos, eu já tinha escrito sobre a necessidade das IES promoverem essa mudança em termos administrativos e acadêmicos. Acredito que as IES do Consórcio STHEM Brasil, de modo geral, já estavam preparadas para enfrentar esse momento de crise.

As mudanças não foram realizadas por vários motivos: legislação educacional, resistências, comodismo, relutância das lideranças, preocupação com a reação de professores e estudantes, entre outros aspectos. Todavia, não tenho dúvida: após os gestores apagarem os incêndios, será necessário pensar nos próximos passos. Será preciso, definitivamente, redesenhar o modelo de negócio da IES.

Para muitas IES, a eficiência operacional terá que deixar de ser um discurso para ser um programa institucionalizado. Isso exigirá capacitação das pessoas, retenção dos talentos e prioridade dos investimentos em tecnologias que possam reduzir custos e contribuir com o processo de aprendizagem. O ensino superior terá que ser efetivamente digital; os professores terão que conhecer as tecnologias existentes; e o investimento em inovação precisará ser continuo.

Não existe uma bala de prata que traga mudanças mágicas e que permita à IES transformar seu modelo administrativo e acadêmico do dia para a noite. Recomendo que os gestores comecem a pensar nos próximos passos e que não percam a oportunidade de modificar os paradigmas de sua IES. É preciso ter coragem para avançar no processo de mudanças institucionais. Estamos presenciando, em pouco tempo, modificações nos parâmetros de aula, na concepção de espaço de aprendizagem e no uso da tecnologia disponível. Por que não continuarmos com o processo de mudança?

Para consolidarmos a mudança do paradigma precisaremos ajustes na legislação educacional para que a flexibilidade acadêmica avance. É preciso considerar que a legislação atual já permite mudanças. O uso de 40% de EAD pelos cursos presenciais é um exemplo.  Estamos vivenciando nesta crise uma junção do presencial com a distância. IES que tinham aulas presenciais passaram a oferecer aulas remotas que utilizam novas metodologias sincrônicas, com atividades práticas digitais. Com isso, no futuro próximo, não precisaremos ser nem presenciais, nem EAD. Podemos ser híbridos.

Muitas IES, finalmente, estão “descobrindo” as tecnologias existentes e as funcionalidades das plataformas que já utilizavam. Estão ainda constatando que há muitos professores que querem modificar o modelo de aula como conhecemos convencionalmente. E se, da mesma forma, há professores que resistem e que acham que seu curso não pode ter experiências digitais, esses professores provavelmente vão perder o emprego em um contexto de mudança de paradigma.

O digital e a tecnologia não necessariamente reduzem os custos operacionais das IES. Mas esse será um dos desafios a ser enfrentado. O ensino superior terá que buscar alternativas para reduzir seus custos administrativos e acadêmicos, não há alternativa. Será preciso buscar soluções de redução de custos sem afetar a qualidade acadêmica e o foco na formação dos estudantes, com as competências desejadas pelos empregadores e também como cidadãos e cidadãs comprometidos com as demandas sociais.

Provavelmente, teremos um número menor de professores em nossas instituições, em função dos novos formatos de espaço de aprendizagem, do uso de tecnologia e do avanço do ensino superior híbrido. Os professores que não estiverem vinculados a uma IES poderão se reinventar como produtores de conteúdo, passando a atuar em plataformas digitais. Haverá diferentes formas de consumo de conhecimento, informações e novas profissões.

A simples redução da mensalidade não irá resolver o problema do custo operacional e de qualidade acadêmica sem que tenhamos valor agregado em nossas IES. Uma eventual decisão de redução da mensalidade terá efeitos momentâneos. Em um primeiro momento, pode trazer aumento das matriculas e alívio financeiro, mas logo os estudantes vão perceber que não há valor agregado. Em um contexto em que os jovens questionam o valor do ensino superior para suas vidas e atividade profissional, a dúvida em efetivar matricula em um curso de graduação irá aumentar.

O caminho para as IES é agregar valor. O novo modelo de negócio que terá que funcionar nas IES, a partir de 2021, não poderá ser planejado em função de baixas mensalidades ou pela simples redução do custo. Acredito que teremos que pensar nas reduções e no aumento do valor agregado da IES, na percepção dos estudantes de que vale a pena efetivar a sua matricula. Não é uma campanha de marketing duvidosa que resolverá os problemas da IES.

Por outro lado, a melhoria da eficiência institucional poderá vir com novos formados acadêmicos. Teremos que ter mais reuniões e eventos virtuais. Não precisamos ter os estudantes todos os dias em nossas IES. Talvez dois ou três dias na semana, conforme o modelo acadêmico da instituição. Os currículos definitivamente terão que ser modificados. Nossas IES não precisam ser conteudistas, com cargas horárias excessivas em salas de aulas convencionais. Nossos cursos de graduação não precisam ter uma longa duração.

Temos que gastar menos recursos financeiros com prédios requintados e cheios de sala de aula, e mais em laboratórios (inclusive virtuais), espaços makers, formação de professores. Será preciso investir na atividade fim, que é a educação. O retorno financeiro do investimento será uma consequência da capacidade mostrada pela IES em ter bons projetos acadêmicos e um modelo de currículo que responda aos desafios reais da sociedade. Nossos gestores precisam encontrar soluções acadêmicas para estimular nossos estudantes a resolver problemas reais e trabalhar mais em grupo.

A crise da Covid 19, portanto, ensina que é possível modificarmos nosso modelo acadêmico e administrativo e termos muitos colaboradores em regime de home office mantendo a produtividade. Nas últimas duas semanas, foram realizadas 17 reuniões virtuais das Redes de Cooperação. As redes foram criadas pelo Semesp com o objetivo de criar sinergias e aprendizado institucional, além de serem uma solução para reduzir custos operacionais para as IES. Neste momento de crise, elas podem reduzir o estresse institucional e melhorar a sustentabilidade das IES, especialmente, para aquelas com poucos recursos financeiros em caixa, começando por integrar suas áreas acadêmicas e administrativas.

Temos uma certeza: ao enfrentarmos um tempo de crise, o pânico não será nosso aliado. É possível revertermos o cenário negativo, mas isso vai depender da capacidade de articulação dos gestores. A alternativa para tempos difíceis é mudar o paradigma do modelo de negócio da nossa IES e, para isso, é importante fortalecer o nosso vinculo com as Redes de Cooperação. Nesse sentido, as IES podem contar com o Semesp e com o Consórcio STHEM Brasil.

*Artigo de Fábio Reis, Diretor de Inovação e Redes do Semesp e Presidente do Consórcio Sthem Brasil.