*Fábio Reis: Diretor de inovação e Redes de Cooperação do Semesp e pós-doutorando em Políticas Públicas na Universidade de Coimbra.

Em setembro de 2007, foi aprovada em Portugal a lei 62, que estabelece o regime jurídico das Instituições de Ensino Superior (IES) e trata da organização do sistema que instituiu a opção das universidades públicas federais se transformarem em fundações.

Como fundação, a universidade precisa assinar um contrato plurianual com o governo, modificar seu modelo de governança, criar um conselho de curadores, com representantes externos à instituição, e rever a gestão financeira, já que a lei flexibiliza a contratação de professores e a captação de recursos financeiros por meio da cooperação com o setor privado.

No Brasil, o Future-se, anunciado pelo MEC, propõe-se a criar condições para o investimento da iniciativa privada nas universidades federais que aderirem ao programa. Elas deverão assinar um contrato com o MEC, instituir um plano com metas e comprometer-se com a melhoria da gestão, governança, pesquisa e internacionalização. O objetivo é incentivar vínculos com o setor produtivo e fortalecer nas universidades federais os processos de gestão profissionalizada.

As críticas em relação ao Future-se brasileiro e às universidades fundações de Portugal são as mesmas tanto aqui como lá. O argumento é que essas propostas colaboram para o avanço da privatização nas universidades públicas e do mercado educacional no sistema de ensino superior.

No caso brasileiro, a crítica é mais contundente, pois temos um sistema de ensino predominantemente privado, o que indica, para os que discordam do projeto, uma opção política de um governo liberal e de direita que enxerga as universidades públicas como instituições que possuem modelos de governança e gestão ineficientes.

Em Portugal, há trinta e seis universidades públicas e apenas seis são fundações. Para Samuel Silva, do jornal Público, “o modelo nunca funcionou verdadeiramente”, pois o investimento do Estado, conforme o previsto, não se concretizou. O investimento privado acontece porque as universidades passaram a vender serviços e produtos para esse setor, além de buscarem mecanismos de captação de recursos da União Europeia, em função da queda dos investimentos públicos.

As três primeiras universidades que se tornaram fundações tiveram queda do investimento do Estado entre os anos de 2009 e 2017. Na Universidade do Porto (UP), o investimento era de 113.4 milhões de euros e caiu para 120.4; na Universidade de Aveiro (UA), foi de 56.6 para 47.4; e, no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), de 19.3 para 18.5. Por outro lado, as receitas próprias aumentaram: na UP foi de 50.4% para 52.4%; na UA foi de 39.4% para 47.2%; e no ISCTE de 37% para 56%.

Durante o lançamento do Future-se, ficou evidente que o MEC deseja o aumento do percentual de investimento privado nas instituições públicas.   A expectativa é de que as instituições que aderirem ao programa sejam empreendedoras e inovadoras. Para que ele seja viável, no entanto, é preciso que as IES transformem sua cultura institucional e é pouco provável que tenhamos uma mudança como essa em pouco tempo.

Não há evidências de mudanças democráticas e rápidas de atitudes por uma lei ou imposição de um governo, seja lá qual for. Portugal, em um contexto de reforma do Estado, refez a legislação educacional. Atualmente, a maioria das universidades portuguesas resiste à ideia de fundação.

No Brasil, o atual ministro apresentou o primeiro programa do MEC e trouxe para o centro do debate a necessidade de realizarmos reformas no ensino superior. É fato que o sistema de ensino não pode permanecer avesso às dinâmicas contemporâneas e resistir às mudanças que são necessárias para superar os entraves burocráticos, corporativos e tradicionais.

Para que o Future-se avance, é preciso um amplo debate com a sociedade e diálogo com as instituições federais. Há mais dúvidas do que certezas. As mudanças só acontecerão se as lideranças universitárias participarem da construção do programa.

O estudo da história nos ensina que não precisamos cometer os mesmos erros do passado. Portugal superou a crise econômica no início do século 21 com investimento em educação e inovação. O Brasil, definitivamente, precisa superar suas crises. Podemos transpor os entraves na educação com bons projetos, não com polêmicas ideológicas. Recomenda-se que o MEC dialogue com autoridades do ensino superior português. Há reais possibilidades de cooperação.