Sem políticas públicas específicas ou de incentivos para a captação de recursos privados, área educacional se inspira em modelos externos e cria alternativas para arrecadar fundos

por Otávio Elias

 

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Prática comum adotada por instituições educacionais es­pecialmente nos Estados Unidos, a captação de recursos por meio de doações de pessoas físicas ou empresas é ainda incipiente por aqui. Nas universidades americanas, tal fonte de financiamento é tida como de fundamental importância para turbinar os investimentos em infraestrutura e corpo docente. E é pelo mesmo motivo que a iniciativa vem ganhando a simpatia de gestores brasileiros, que buscam inspiração no sucesso de modelos externos na busca por alternativas para incrementar a receita institucional.

A fraca tradição da sociedade brasileira abastada de participar mais ativamente e contribuir com o ensino superior, complementada pela mentalidade acadêmica arraigada de que qualquer intervenção externa pode ferir a autonomia das instituições, explicam a falta de investimento para a criação de uma estrutura que permita atrair novos recursos para as instituições de ensino.

 

Dinheiro difícil
A falta de estímulo pode ser sentida nos números. Segundo dados da consultoria McKinsey, as doações privadas a projetos sociais e educacionais chegam a US$ 300 bilhões por ano nos Estados Unidos, enquanto no Brasil esse número fica em torno de R$ 10 bi.

“Diferentemente de outros países, não temos essa cultura de doações, principalmente para as instituições privadas. Precisamos quebrar a barreira entre a parte do negócio e a parte da educação”, afirma Erik Wohnrath, gerente administrativo da Faculdade Cásper Líbero.

De acordo com ele, o importante é mostrar que os objetivos da captação de recursos externos são a própria melhoria da instituição. “É preciso retirar essa visão de que uma sala patrocinada, ou a divulgação de uma marca de uma empresa, causa problema para a parte educacional. O importante é o objetivo disso, que é trazer para o público alguma melhoria nos equipamentos dos cursos, uma biblioteca melhor etc.”, opina.

Márcio Duran, gerente de parcerias estratégicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, lembra que a instituição foi batizada após receber uma grande doação do norte-americano John Theron Mackenzie. “Acho que é uma maneira de o doador deixar uma lembrança do seu nome”, pondera.

Porém, nem sempre é fácil levantar recursos financeiros, o que faz com que as instituições fiquem cada vez mais dependentes das mensalidades dos alunos para cumprir seus objetivos educacionais sem deixar de investir para o aperfeiçoamento do ensino. Não há regulamentação para as doações privadas de pessoas físicas ou empresas na área da educação. Segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Educação (MEC), não existe nenhuma orientação oficial e todas as instituições de ensino superior possuem autonomia para tratar da questão.

Além da falta de regulamentação, um outro conjunto de fatores prejudica o desenvolvimento da capatação de recursos no Brasil. De acordo com Custódio Pereira, diretor da Faculdade Santa Marcelina e master teacher credenciado pela Associação dos Profissionais de Fundraising (AFP, na sigla em inglês), há poucos estudos na área e faltam profissionais capacitados para desenvolver projetos específicos. Segundo ele, é preciso investir para implementar um setor especializado na captação de recursos dentro das instituições de ensino.

 

Relação construída
“Há uma premissa de que pode ser mais fácil começar a fazer as captações a partir do relacionamento com os alunos e ex-alunos”, ressalta Custódio. Na opinião do especialista, estabelecer essa relação desde o início da graduação é fundamental. “Todo aluno tem interesse que a sua instituição tenha prestígio e da mesma forma interessa às instituições que seus alunos sejam bem sucedidos, por isso a relação é em benefîcio mútuo”, diz. Custódio acredita que o setor começa a atentar para o grande potencial dessa estratégia.

Na Universidade Mackenzie, por exemplo, a criação de um departamento exclusivo para cuidar da relação com os ex-alunos e potencializar futuras doações foi inspirada em universidades estrangeiras. “Principalmente americanas, que possuem a maior parte de suas receitas provenientes de doações”, conta Márcio.

Também foi por meio do estreitamento da relação com ex-alunos que a Cásper Líbero conseguiu suas melhores, e mais rentáveis, parcerias. “São relações com instituições privadas por intermédio de ex-alunos que trabalham nessas empresas”, explica Erik. Ele conta que o primeiro contato foi com o Citibank. “Demos visibilidade para a marca e, em troca, nos foi disponibilizada uma estrutura de qualidade para os cursos. Isso chamou a atenção de outros ex-alunos e acabamos criando parcerias com outras empresas”, relata.

As instituições públicas também não ficam de fora dessa relação. “Na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) ocorre um café da manhã com os pais dos alunos depois do vestibular e da matrícula. A escola se apresenta para os pais, fala sobre o seu funcionamento, sobre os cursos, e aproveita para explicar o processo de
doações”, conta Felipe Sotto-Maior, diretor da Endowments do Brasil, empresa que gerencia a captação de recursos da Poli-USP.

 

Fundo de investimento
O modelo adotado pela USP promete ser uma das saídas para a arrecadação de recursos externos para as instituições de ensino. O dinheiro angariado pelas doações vai para um fundo de investimento, onde o montante principal é preservado, sendo disponibilizado para utilização apenas o lucro do investimento.

A prática é comum nos Estados Unidos, e foi adotada pela USP após uma experiência bem-sucedida comandada pela equipe da Endowments do Brasil junto ao Centro Acadêmico de Direito XI de Agosto. Ao receber R$ 5 milhões provenientes de uma ação jurídica, a entidade se preocupou em preservar o dinheiro para ser utilizado em longo prazo. Então, viu na criação de um fundo o modelo ideal para isso.

“Como tínhamos experiência com fundos de investimentos, eles vieram falar conosco. Apresentamos o modelo de endowments existente lá fora, pelo qual o dinheiro é destinado à sobrevivência da instituição, para gerar receita para o dia a dia, ou então para projetos específicos”, explica Felipe Sotto-Maior.

Nesse modelo, é de responsabilidade da empresa gestora definir o montante retirado do fundo de investimento, assim é possível evitar que uma diretoria irresponsável ou inexperiente deixe a instituição em situação financeira complicada. “Existe uma conta feita com base na estimativa da inflação, entre outros fatores, e a instituição é autorizada a retirar um percentual considerado seguro para não destruir o patrimônio. Com isso, ela pode destruir, no máximo, o resgate anual, ou seja, nunca vai ter uma direção com possibilidade de esvaziar o fundo inteiro”, completa. O sucesso da ação fez com que, posteriormente, a Poli-USP também desse início ao seu próprio fundo de investimento.

Felipe acredita que não existem muitas diferenças de conceito entre o endowments nacional e estrangeiro. De acordo com ele, porém, a diferenciação fica por conta da estrutura jurídica dos fundos. “Lá fora eles têm uma regulamentação específica para o funcionamento dos endowments com requisitos mínimos para a isenção fiscal. Aqui não existe um formato jurídico pronto para ser adotado”, lamenta.

 

Longo caminho
De acordo com os especialistas, é justamente a falta de uma regulamentação legal a respeito das doações um dos fatores cruciais a ser resolvido para que a captação de recursos privados avance, inclusive com o oferecimento de benefícios para os doadores. Algumas propostas tramitam no Congresso, mas ainda não há perspectivas de prazo para sua implementação (veja quadro na pág. 35).

“No Brasil não temos uma política de doação porque não existem benefícios fiscais. Temos alguns exemplos como a Lei Rouanet, de captação de renda para a área da cultura, mas a estrutura da legislação é muito deficiente em relação à parte educacional”, lamenta Erik Wohnrath.

O diretor ressalta ainda que essa falta de mecanismos de incentivo para as instituições de ensino, e especialmente para as particulares, acaba muitas vezes reduzindo a capacidade de captação de recurso por doações, desmobilizando possíveis doadores.

 

Em tramitação
 No Legislativo algumas iniciativas estão em tramitação para incentivar as doações privadas. Entre elas, o projeto de lei do deputado federal Dimas Ramalho (PPS-SP), que permite ao contribuinte deduzir do Imposto de Renda metade das doações destinadas às instituições públicas de ensino superior, aguarda o parecer da Comissão de Finanças da Câmara. No Senado, aguarda a retificação do texto, na Comissão de Assuntos Econômicos, um outro projeto que legisla sobre doações a instituições públicas de ensino superior. A proposta do senador Blairo Maggi (PR-MT) já recebeu parecer favorável da Comissão de Educação, que negou as emendas apresentadas para estender a possibilidade de dedução às instituições privadas.

 

Curso de captação
 Para mostrar o potencial da captação de recursos no Brasil e ensinar como desenvolver um setor especializado, a Associação Profissional de Fundrasing (AFP), em parceria com a Faculdade Santa Marcelina e o Semesp, vai realizar um curso de dois dias com a apresentação dos fundamentos do fundraising. Segundo Custódio Pereira, professor master pela AFP, que ministrará o curso, a iniciativa é inédita no país com certificação internacional conferida pela AFP. O curso ocorre na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, nos dias 21 e 22 de março de 2013, das 8h às 18h.