Texto de Fábio José Garcia dos Reis

Ronaldo Mota, Reitor da Universidade Estácio, publicou no dia 23/12/2015 um artigo no jornal “O Hoje”, de Goiás, com título “Temos uma crise, ou seja, há oportunidades educacionais”. Ele argumenta que na educação superior não podemos fazer sempre o mesmo, por isso, é preciso perceber as “mudanças profundas” que acontecem para “entendê-las e usá-las estrategicamente”. Mota cita Albert Einstein, ao fazer referência aos momentos de crise como propulsores da angústia, das invenções, das inovações e das estratégias. Assim que li o artigo de Mota, comecei a ler o livro “Engines of Innovation: the entrepreneurial university in the twenty-first century”, de Holden Thorp e Buck Goldstein.

Farei uma interpretação das propostas dos autores do livro, com o objetivo de provocar os líderes das IES. Eu concordo com Ronaldo Mota. A crise traz oportunidades, da mesma forma, entendo que a inovação colabora com a superação da crise. Inovação é entendida aqui como uma forma de melhoria dos processos acadêmicos, com base nas melhores referências do ensino superior, no que diz respeito ao processo de aprendizagem, ao perfil dos professores, à interdisciplinaridade, à definição de estratégias e métricas, ao fomento da cultura empreendedora na dinâmica das IES e à capacidade da instituição em resolver problemas de interesse da sociedade. A inovação não é necessariamente a invenção de algo novo. Ela pode ser a melhoria de processos aliada à alta capacidade de gestão dos líderes. Os líderes de uma IES estão representados, especialmente, pelo reitor e pró-reitores, além dos diretores e coordenadores.

Os autores do livro entrevistaram vários reitores de universidades, que são os principais responsáveis pela superação da crise e pelo incentivo à inovação. Um líder (reitor) é capaz de conduzir as mudanças institucionais em tempos de crise, quando ele é o agente que expressa em sua atitude, a missão, os valores e as estratégias da instituição, elaboradas de forma coletiva. O líder é a referência da cultura institucional e da gestão da mudança em tempos de crise. Ele deve ser o guardião da transparência dos projetos institucionais e da coerência entre discurso e atitude.

O clima organizacional de uma IES pode refletir a personalidade da liderança. Um líder coerente e eficaz formam bons times, ajuda as pessoas a desenvolverem seu potencial, inspira, dialoga, conecta e valoriza as pessoas, foca nas estratégias e nas metas institucionais, conhece a dinâmica da instituição, toma a decisão baseada em análise e maneja crises.

Cortar custos, ter uma atitude prudente, ser capaz de adiantar-se à crise, focar em ações que garantam o funcionamento da IES são posturas convencionais, responsáveis e necessárias de um líder que conhece gestão. Há diferenças entre o líder que se limita a ter uma atitude convencional e aquele que, além da atitude convencional, possui uma mentalidade empreendedora e inovadora.  É isso que os autores do livro escrevem, quando defendem que a inovação é a alternativa para superar a crise.

Uma gestão obscura e tendenciosa é representada por líderes (todos que possuem função de gestão) que não possuem habilidades para exercerem essa função, por incapacidade técnica ou por atitudes antiéticas. O Brasil vive uma crise de liderança. Estamos em um momento em que desconfiamos de nossas instituições públicas e privadas. É inconcebível uma IES que assume em seu Projeto Institucional a ética, a justiça, o diálogo, entre outros valores de respeito às pessoas, permitir que líderes incoerentes mantenham-se em suas funções. As IES são instituições de educação e formação de cidadãos, portanto, não podem tolerar a hipocrisia. Errar na escolha dos líderes ou manter líderes inadequados gera conflitos que desgastam o clima organizacional e causam danos à dinâmica da instituição. Líderes que compreendem a dinâmica do ensino superior conhecem o perfil ideal de professor e de estudantes e o significado da inovação, via aprendizagem ativa ou tecnologia, por exemplo.

Torp e Goldstein entendem que os estudantes são o coração de uma IES e defendem novas abordagens no processo de ensino e aprendizagem, novos arranjos curriculares e foco na interdisciplinaridade, para atender a geração de alunos que ingressa no ensino superior.

Para eles, a mudança do perfil dos estudantes, a exigência de habilidades por parte do empregador (que o aluno não é instigado a desenvolver de forma adequada), o fácil acesso à informação, as redes sociais, os novos tipos de atividade profissional e as exigências da sociedade são indicadores que demonstram que os modelos convencionais de organização da IES não correspondem ao que sociedade exige, no século XXI. A IES e o diploma do ensino superior podem tornar-se irrelevantes nas próximas décadas, se o modelo de organização, de ensino e de aprendizagem não mudar.

Uma instituição de ensino não pode continuar a ser organizada de forma compartimentada. Em nossas IES ainda há setores que não se comunicam, pessoas que não conversam, hierarquias desnecessárias, estratégias que não são convergentes, intrigas esquizofrênicas. Como uma IES pode superar a crise e ser inovadora se permanece fragmentada e sem visão sistêmica?

Acredito que ainda há “donos do poder” que olham muito mais a estrutura do que a cultura institucional.  Uma IES com este perfil não se torna contemporânea. Torp e Goldstein defendem que o “molho secreto” de uma IES está na capacidade do líder juntar os talentos para criar sinergias, em prol de um projeto acadêmico atualizado. As IES competitivas e com menor probabilidade de serem atingidas pela crise superaram a fragmentação e focaram em estratégias que instigam novos modelos acadêmicos.

Um dos modelos acadêmicos apresentados pelos autores é o da interdisciplinaridade. Eles argumentam que o mundo real não é compatível com o modelo de currículo e de ensino em que as disciplinas estão fragmentadas e os professores não dialogam. Os problemas reais da sociedade exigem soluções complexas. Dificilmente uma disciplina ou área do conhecimento conseguirá apresentar soluções, se não recorrer a áreas correlatas.

De modo geral, em nossas IES, os currículos são estruturados por disciplinas que, geralmente, não possuem conexão e a interdisciplinaridade é muito mais um conceito e um desejo do que uma realidade. Os líderes contemporâneos fomentam a integração das disciplinas, instigam os professores a dialogarem e investem em laboratórios e centros de pesquisas interdisciplinares.

Obviamente, a cultura interdisciplinar não é algo fácil de ser estabelecida, pois requer diálogo, tempo para ganhar maturidade e conhecimento do seu significado. Uma IES que prioriza a interdisciplinaridade torna o seu projeto acadêmico mais perceptível e integrado com os problemas reais, pois o projeto deve ser acompanhado de um modelo de ensino hands on. O estudante percebe que a formação interdisciplinar é significativa, já que o processo de aprendizagem requer protagonismo do aluno e vínculo com a sociedade.  Investir na cultura interdisciplinar e no modelo de ensino hands on não requer investimentos de recursos financeiros significativos e pode ser uma oportunidade de inovação.

Instituições que possuem estratégias de ensino prático tendem a criar serviços e produtos, portando, a se aproximarem do setor produtivo. É bem-vinda a prestação de serviços e a geração de negócios que possam diversificar a entrada de recursos financeiros no orçamento de uma IES.

As organizações não superam eventuais crises quando estão inertes ou quando não possuem planos adequados, com metas plausíveis.  Ser uma IES inovadora e empreendedora exige gestão profissional, tempo para a mudança e recursos humanos e financeiros. Não adianta uma IES sonhar em ser inovadora, sem ter consistência do plano de inovação e liderança capaz de conduzir a mudança. Uma IES competitiva antecipa-se ao futuro, sem deixar de agir no presente.

Superar crises, olhar as oportunidades e fomentar a inovação e o empreendedorismo são ações que requerem liderança inspiradora, pessoas comprometidas, conhecimento dos melhores parâmetros do ensino superior, network, planejamento e capacidade de transformar o sonho em realidade.

Estamos em tempos de crise. Cabe aos líderes terem prudência e sabedoria para cortar gastos, mas acima de tudo, terem mentalidade empreendedora.

Espero que os líderes saibam conduzir suas instituições e apresentem soluções que surpreendam a sociedade, que agreguem valor à marca, que gerem recursos e que tornem a IES, referência de qualidade.