Apesar dos desafios a serem superados, aproximação entre instituições de ensino e empresas traz benefícios educacionais e mercadológicos. Veja como engatar parcerias com vantagens para ambos os setores

por Svendla Chaves

Meta corporativa e avanço tecnológico: acordo entre a Helibras e a Unifei busca produzir, em até dez anos, uma aeronave de asas rotativas desenhada e fabricada integralmente no Brasil

Meta corporativa e avanço tecnológico: acordo entre a Helibras e a Unifei busca produzir, em até dez anos, uma aeronave de asas rotativas desenhada e fabricada integralmente no Brasil

Sinônimo de empreendedorismo e inovação, o Vale do Silício foi o berço de gigantes como HP, Intel, Apple e Google. Entre os fatores que colaboraram para o desenvolvimento da região – situada na Califórnia, nos Estados Unidos – esteve o suporte da Universidade Stanford, que depois da Segunda Guerra Mundial incentivou a pesquisa e a criação de novas empresas por seus alunos. No Brasil, esse movimento levou mais algumas décadas para chegar – e ainda não encontrou sua maturidade por aqui.

“Há países que avançaram rápido nessa forma de inovação, é o caso da Coreia do Sul e da região norte da Europa”, exemplifica o consultor Valter Pieracciani, sócio-fundador da Pieracciani Desenvolvimento de Empresas. “No Brasil, há diferentes lógicas e de mentalidades. Para a academia, as empresas são tubarões que só pensam em dinheiro; para as empresas, os pesquisadores são teóricos totalmente desvinculados da prática”, exemplifica.

Sem a cultura da participação, as empresas também não sabem como operacionalizar as parcerias, dificultando avanços no trabalho em colaboração com as instituições de ensino. Segundo Maurício Pimentel, diretor acadêmico da Faculdade de Tecnologia Bandeirantes (BandTec), a difícil aproximação com o setor de TI, por exemplo, área em que a instituição atua, se deve à falta de uma estrutura dentro das empresas para trabalhar em conjunto com a academia. “As empresas ficam interessadas na ideia, mas não conseguem pôr em prática a parceria porque não têm um responsável interno pelo projeto”, lamenta.

Essas, entre outras barreiras, adiam parcerias que poderiam trazer benefícios não somente para as instituições envolvidas, como também para toda a sociedade. A inovação é um dos pilares da competitividade e faz parte da política industrial dos países desenvolvidos. Além de promover melhorias na produtividade do setor empresarial, as atividades de pesquisa permitem o melhor uso de recursos e a construção de soluções locais, promovendo autonomia.

Foco na inovação

Apenas 16,7% da indústria inovadora brasileira, no entanto, acredita que a universidade é uma fonte de informação relevante neste aspecto. O resultado faz parte da Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec 2011), realizada pelo IBGE. “Nos países centrais (mais desenvolvidos) esse índice é em torno de 60%”, salienta o pesquisador Daniel Puffal, gerente de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). A instituição gaúcha reestruturou suas atividades para investir em pesquisa e hoje conta com cinco institutos tecnológicos, além de abrigar o Parque Tecnosinos.

Puffal acredita que há espaço para as universidades privadas investirem em pesquisa e inovação e salienta que, embora os números da Pintec indiquem a baixa interação entre empresas e universidades, desde o início dos anos 2000 o percentual tem demonstrado crescimento constante. Ele destaca que a proporção do PIB que vai para pesquisa e inovação (menos de 1%) também tem aumentado, ainda que esteja longe da média em outros países, onde chega aos 2%.

O financiamento é um aspecto que pode inibir a iniciativa das empresas. Muitos projetos dependem de grandes recursos e um longo tempo de espera para que se colham resultados financeiros. Assim, apostar em inovações de maior porte só é possível para quem tem bala na agulha. Em geral, esse tipo de investimento precisa contar com financiamento governamental, viabilizado por agências de fomento estaduais ou pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.

Em São Paulo, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) vem criando centros de pesquisa em diferentes áreas, para reunir a necessidade das empresas com o interesse das instituições de ensino. Em acordos com empresas como Natura e Peugeot Citroën Brasil, o órgão estadual promove pesquisa avançada, que exige prazos e recursos maiores. Os investimentos são compartilhados entre a Fapesp e as empresas, por períodos entre cinco e dez anos – às universidades cabe o custeio operacional e de remuneração dos pesquisadores.

Parcerias certeiras

A Alcoa é uma das pioneiras na interação com o meio acadêmico no Brasil. Há quase 25 anos tem parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) para o desenvolvimento de aplicações de aluminas especiais na fabricação de refratários. “Os projetos do primeiro convênio com UFSCar ajudaram a Alcoa a consolidar-se como líder de vendas de aluminas especiais no mercado brasileiro, bem como a reduzir custos de reforma e manutenção de fornos industriais da companhia”, conta Jorge Gallo, gerente de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Alcoa América Latina & Caribe.

Na última década, dois outros acordos, com a UFSCar e a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) tratam do reúso de resíduo de bauxita. Gallo diz que esses projetos estão em fase experimental e, por conta disso, ainda não geram receita para a empresa. “Se aprovada a viabilidade técnica e comercial de ambos os projetos, a Alcoa terá benefícios como redução de custos com a construção de áreas de disposição e diminuição de passivos ambientais.” As iniciativas também têm pegada ecológica e devem contribuir para reduzir as emissões de CO2 e gerar benefícios econômicos e sociais nas cadeias de produção e consumo dos setores de mineração e construção civil.

Visão de longo prazo também é o que move a Helibras, empresa brasileira controlada pelo Airbus Group. A companhia aposta na parceria com a Universidade Federal de Itajubá (Unifei) para a criação do Centro Nacional de Tecnologias de Helicópteros, que auxiliará na meta corporativa: a produção, em até dez anos, de uma aeronave de asas rotativas desenhada e fabricada integralmente no Brasil. Hoje, os helicópteros são montados no interior de Minas Gerais com componentes trazidos da França. Também para chegar a essa meta, estudantes brasileiros no exterior são encaminhados para estágio em outras empresas da Airbus, com o objetivo de trazer os conhecimentos na bagagem de volta.

Vitor Coutinho, diretor de Inovação da Helibras, responsável pelo contato com as universidades para programas de desenvolvimento e pesquisa, diz que a indústria sozinha não tem a capacidade nem o volume para desenvolver toda a inovação necessária para impactar a economia do país. “As universidades trazem potencial humano e laboratórios para o desenvolvimento, o que resulta em pesquisa pura, que irá transformar-se em produção e resultado prático a longo prazo.”

Qualidade na gestão

Engana-se quem pensa que a inovação está restrita à tecnologia e aos processos industriais. “Inovador é aquele que, onde os outros veem apenas um problema, enxerga uma oportunidade”, brinca a professora Cynthia Serva, coordenadora do Centro de Empreendedorismo e Inovação do Insper. Referência em negócios, o instituto trabalha em afinidade cotidiana com o setor empresarial e vê nessa interação uma via de mão dupla.

Cynthia explica que os alunos hoje são mais inquietos e querem colocar os conhecimentos em prática muito rapidamente. Para oferecer vivências reais e aumentar a sintonia dos jovens com o mercado de trabalho, o Insper criou em 2011 a disciplina Resolução Eficaz do Problema, que faz parte da matriz curricular do sexto período dos cursos de administração e economia. O objetivo é desenvolver competências de trabalho em equipe, capacidade de comunicação e orientação para resultados. Para isso, os alunos são divididos em grupos alea­tórios e desafiados a solucionar problemas reais trazidos pelas empresas, que não são oneradas com as atividades. A aceitação do trabalho realizado pelos alunos é tão alta que 98% delas tornam a fazer a parceria.

Espaço de entendimento

Diálogo e compreensão fazem parte dos ingredientes necessários para fazer funcionar a receita entre empresas e universidades. Os descompassos entre os ritmos e culturas de umas e outras fazem com que muitas possibilidades sejam perdidas pelo caminho. “É uma grande perda: boas tecnologias não virarão produtos porque não há acordo entre professores e empresas. É difícil estipular preço, o pesquisador supervaloriza, a empresa não quer pagar. Mas o valor da inovação é zero se ela não vira prática”, lamenta o consultor Valter Pieracciani.

Para tentar reduzir esse e outros entraves, a Pieracciani firmou acordo com o Politécnico de Milão que, entre outras ações, cria o Observatório da Inovação. Com a participação de governo, empresas e instituições de ensino, o observatório vai realizar pesquisa sobre temas de interesse estratégico para os dois países. De acordo com o consultor, a realidade é que apenas grandes empresas dispõem de recursos para criar seus próprios centros de pesquisa. “Entre as companhias brasileiras, 99% precisam de mecanismos externos para rea­lizar pesquisas”, comenta.

Pieracciani aponta ainda que um dos empecilhos legais ao desenvolvimento das parcerias no Brasil é a exigência de que a universidade tenha participação na propriedade intelectual. “Em outros países, o pesquisador é contratado para desenvolver a tecnologia, recebendo royalties ou honorários”, comenta.

O problema no acerto de participação é ratificado por Coutinho. “Ainda existem questões comerciais relativas a propriedade intelectual conjunta particularmente complicadas no campo da aeronáutica, por exemplo, que trabalha com pequenas quantidades de produtos de alto valor e grande complexidade”, relata.

As diferentes expectativas em relação à pesquisa e seus resultados parecem ser, no entanto, a barreira mais comumente apontada por todos os grupos. Segundo Coutinho, o principal problema é de “timing”. “A academia não anda na velocidade da indústria, é totalmente diferente. Além disso, o pesquisador pode mudar o viés da pesquisa.” Por outro lado, a empresa não tem o hábito de pensar na universidade como um parceiro de mercado, no qual possa encontrar soluções. Assim, tem dificuldade de abrir seus dados e informações.

Daniel Puffal lembra que a universidade tem mais controle, é mais burocratizada e tem processos decisórios mais longos. “Empresas e universidades têm linguagens distintas, prioridades e velocidades diferentes, mas não há dúvida de que há complementaridade entre essas duas organizações. Deve haver um trabalho dentro de cada uma das organizações para minimizar essas diferenças, mas elas sempre existirão e devem ser compreendidas.”

 

Uma relação cheia de vantagens
Para a universidade 

• Oportunidade de inserir a comunidade acadêmica no mercado
• Contato com a tecnologia durante o ciclo de formação, com a realização de pesquisas voltadas a necessidades reais
• Desenvolvimento e inovação em conjunto
• Calibragem da agenda de pesquisa, com percepção de relevância
• Formação prática dos estudantes e pesquisadores
• Abertura de mercado de trabalho para egressos
• Meio para financiamento de pesquisas

 

Para as empresas

• Acesso a laboratórios de pesquisa, novas ideias e pesquisadores de ponta
• Realização de pesquisas com visão de longo prazo
• Trabalho com capacidade analítica baseada em dados, não intuitiva
• Formação e especialização de funcionários da companhia
• Alcance de fronteira científica do conhecimento, com abordagens experimentais, não convencionais
• Desenvolvimento e inovação em conjunto, com delegação de tarefas específicas

 

Para a sociedade

• Perspectiva mais ampla de inserção da instituição de ensino e das empresas na sociedade, como vetores do desenvolvimento econômico e social
• Criação de novas empresas, geração de renda e atração de multinacionais
• Desenvolvimento econômico desde instâncias regionais
• Acesso a produtos e serviços de vanguarda, adequados às necessidades locais