Com desempenho tímido nos rankings internacionais, instituições universitárias brasileiras têm muito o que avançar para alcançarem o desejado reconhecimento global

por Patrícia Sperandio

185_24Chegar ao topo dos principais rankings universitários internacionais parece ser uma missão difícil para as instituições de ensino superior brasileiras. Apesar de o país contar com estabelecimentos considerados de alta qualidade, a maioria ainda precisa percorrer um longo caminho para alcançar a elite da educação superior mundial, composta em sua maioria por universidades dos Estados Unidos e da Europa. Pelo menos é o que indicam as principais listas internacionais, consideradas uma ferramenta importante para determinar a excelência da educação oferecida pelas instituições de ensino superior.

No último levantamento do principal ranking global, realizado pela revista britânica Times Higher Education (THE), apenas duas universidades brasileiras apareceram na tabulação, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mesmo assim, nenhuma delas foi incluída na lista das 200 melhores do mundo em 2013. A USP, instituição mais bem classificada, figurava em 158º lugar no ranking de 2011, e despencou sessenta posições indo para o grupo de 226º a 250º lugares, sem divulgação da colocação exata. Em entrevista à Ensino Superior, Phil Baty, editor da THE, atribuiu o fraco desempenho do Brasil ao declínio da USP no indicador que avalia a reputação da instituição, um dos treze pontos analisados na lista. Embora reconheça que o país teve uma melhor performance no ranking da THE específico para as instituições de ensino das nações que compõem o grupo econômico Brics – o qual revelou quatro instituições brasileiras entre as 100 primeiras colocadas -, Baty considerou uma decepção o fato de nenhuma delas ter alcançado as dez primeiras posições, como a China, África do Sul, Taiwan, Turquia e Rússia. “De um país do tamanho do Brasil, com enorme poder econômico e potencial, deveríamos esperar mais do que quatro universidades entre as top 100 das economias emergentes”, disse.

Importância da pesquisa

O presidente da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes), professor João Carlos Pereira da Silva, justifica o desempenho das instituições brasileiras nos rankings mundiais afirmando que os indicadores utilizados não refletem as características do país, que, segundo ele, têm como principal missão formar o cidadão. “O ranking de Xangai, por exemplo, considera fortemente o número de Prêmios Nobel obtidos por seus alunos e pesquisadores. Não que isso não seja importante, mas está fora da nossa atual realidade. Outros rankings consideram o índice de reputação dos empregadores. É um aspecto que também não se aplica diretamente às nossas universidades”, afirma. Segundo o professor, as listas internacionais acabam deixando o Brasil em situação de desigualdade, principalmente, entre as instituições americanas e inglesas. Porém, Silva lembra que de acordo com a classificação realizada por Xangai das instituições mundiais de ensino superior, que confirmou novamente a supremacia dos Estados Unidos, com Harvard, Stanford e Berkeley na liderança, a USP foi a mais bem colocada entre os centros de ensino superior latino-americanos. “A instituição aparece à frente da Universidade Autônoma do México e da Universidade de Buenos Aires”, reforça.

Embora os rankings universitários utilizem um conjunto de indicadores com variáveis e focos distintos uns dos outros, Rogério Meneghini, professor aposentado da USP e responsável pela medição científica do Ranking Universitário Folha (RUF), afirma que o principal índice hoje considerado nas listas mundiais para medir a qualidade de uma instituição é a pesquisa científica. “Há uma ideia global de que quando a pesquisa é boa, ela reflete um bom ensino. É isso que está subentendido como na de pontuar desses rankings”, garante.

O problema é que essa percepção não faz parte do sistema universitário brasileiro. Apesar do crescimento significativo do número de trabalhos publicados nos últimos anos devido ao fortalecimento e à expansão da pós-graduação no país, os níveis de financiamento nacionais ainda são muito menores que os praticados nos países desenvolvidos. Segundo Renato Pedrosa, do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, enquanto o Brasil tem uma história recente de crescimento de produção científica publicada internamente, países europeus como a Alemanha estão investindo 4 bilhões de euros por ano só para facilitar a excelência em pesquisa e aumentar a competitividade internacional.

Em ascensão nos principais rankings globais, os países asiáticos também estão investindo para colocar as suas instituições entre as top mundiais. “O número de publicações das universidades da Coreia do Sul e da China tem aumentado significativamente. A Coreia, que é um país quatro vezes menor em população que o Brasil, hoje tem mais produção científica”, afirma Pedrosa.

O esforço do governo brasileiro, no entanto, ainda é no sentido de aumentar o acesso da população ao ensino superior. A maior parte das cerca de 200 instituições reconhecidas pelo Ministério da Educação atualmente segue o modelo de desenvolvimento que prevaleceu nas instituições latino-americanas durante praticamente os cem anos de existência formal do sistema contemporâneo. O currículo das latino-americanas, inclusive o do Brasil, é profissionalizante e valoriza muito pouco a produção científica. O principal suporte institucional para a pesquisa e formação de pesquisadores está a cargo das instituições públicas, mesmo assim em uma parcela reduzida delas. A rede privada, quase que na sua totalidade, é a que mais aposta no ensino voltado para o mercado de trabalho, o que explica a ausência desse perfil de estabelecimentos nas listas internacionais e, também, a baixa classificação deles na avaliação geral dos rankings nacionais. No Ranking Universitário Folha 2013 (RUF) a Universidade Paulista (Unip), por exemplo, ocupou a 76ª posição ntre as 100 melhores do país. Já na análise focada no mercado de trabalho, a instituição ficou entre as 10 melhores de acordo com a avaliação dos 1.681 profissionais de recursos humanos consultados pelo DataFolha. Segundo o coordenador do RUF, Rogério Meneghini, as instituições privadas, em geral, não acreditam que um ensino de qualidade esteja diretamente relacionado à pesquisa. “Com exceção da PUC-RJ, que tem uma concentração forte em trabalho científico, das demais PUCs e do Mackenzie, a participação da rede privada nesse quesito é muito incipiente”, afirma. Ainda de acordo com ele, o papel hoje das particulares é aumentar a formação de pessoas com nível superior.

Com isso, o impacto da produção científica brasileira na ciência mundial ainda é modesto se comparado ao dos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e ao dos países da Europa. Segundo Meneghini, esses países têm muita expressividade em trabalhos científicos nas bases de dados mais importantes do mundo. “Mais de 50% das publicações deles são de colaborações internacionais. Já o Brasil está numa posição muito inferior, com no máximo 20% da colaboração internacional”, afirma.

Portas abertas

Para se tornar mais conhecido e respeitado no cenário mundial da educação superior, o Brasil precisa, entre outras coisas, internacionalizar as instituições, revisando o currículo para analisar quais conteúdos são relevantes em um contexto internacional, atraindo professores de fora, mandando docentes e alunos para o exterior e desburocratizando as universidades. Trata-se de um processo complexo que visa adequá-las às novas necessidades do mundo globalizado. No entanto, o país precisa vencer a barreira da língua estrangeira. Uma das principais razões para a falta de interatividade das instituições de ensino superior brasileiras com o resto do mundo é a ausência do inglês nas salas de aula, considerado a língua franca no que diz respeito à ciência. “A língua inglesa domina as revistas que têm mais prestígio no mundo inteiro”, acredita Renato Pedrosa.

Enquanto o Brasil sofre com a falta de convívio internacional da comunidade acadêmica, em países como a Holanda, Alemanha e Dinamarca, a maioria das instituições dá aulas em inglês para permitir o intercâmbio de alunos e docentes. “Tanto na graduação como na pós-graduação, quem vai para qualquer país da Europa Ocidental fala a língua inglesa. Os países mais avançados têm aulas em inglês quase que unicamente”, afirma Rogério Meneghini.

Mas não são só eles que se esforçam para manter as suas instituições nas listas das melhores do mundo. A China, que também faz parte do Brics, deu início há muitos anos a uma política agressiva de internacionalização. Para isso, segundo Meneghini, o país criou um programa avançado de envio dos chineses para os países mais desenvolvidos e, posteriormente, em 2003, desenvolveu o primeiro ranking de Xangai. “Eles estavam precisando de um indicador para orientar o destino e o investimento realizado nos seus estudantes. Foi um gasto fantástico. Eles se familiarizaram mais com os cientistas de países avançados e aprenderam a lidar com o inglês, pelo menos, no contexto da linguagem científica”, diz.

Padrão de excelência

Além de enfrentar uma lista de desafios, que passa pela criação de uma política para incentivar a internacionalização e a desburocratização do sistema, as instituições universitárias brasileiras precisam, sobretudo, arrecadar mais recursos, já que o custo para manter a qualidade é altíssimo. Para o professor da Unicamp, Renato Pedrosa, existem três formas para as instituições no país conseguirem competir globalmente. A primeira delas é ter excelência suficiente para arrecadar fundos do governo para pesquisa e pós-graduação, na forma de bolsas e auxílios financeiros. A segunda é criar projetos voltados para pesquisas de desenvolvimento de produtos, para arrecadar fundos de empresas. E, por fim, arrecadar recursos por meio de um modelo chamado de fundo patrimonial. Esse mecanismo dá sustentabilidade financeira à instituição, uma vez que os recursos captados não são consumidos diretamente, apenas sua rentabilidade financeira. “Esse é o modelo utilizado pelas grandes universidades americanas e inglesas. Elas têm muito dinheiro guardado, arrecadado através de doações. Harvard, por exemplo, tem US$ 31 bilhões investidos”, afirma.

No entanto, para o Brasil conseguir dar um salto significativo na educação superior e fazer com que cinco ou seis universidades brasileiras estejam entre as 200 melhores do mundo, é preciso gradativamente aumentar a autonomia das instituições. “No atual modelo institucional o Brasil não consegue avançar mais”, acredita Pedrosa.

Além disso, o país deve priorizar o desenvolvimento de algumas universidades específicas, através de um planejamento estratégico nacional que demonstre maior potencial para se tornarem referências internacionais. Isso porque, do total de universidades existentes no país, poucas têm condições e estrutura para competir internacionalmente.

 

Ranking especial
As instituições universitárias das nações formadas pelo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ganharam duas listas inéditas de classificação dedicadas ao grupo econômico no final de 2013. Os rankings foram desenvolvidos por duas grandes produtoras britânicas, a Times Higher Education (THE) e a QS Quacquarelli Symonds. A avaliação publicada pela THE classificou apenas quatro instituições brasileiras na lista das cem melhores. Mesmo assim, nenhuma delas ficou entre as top 10. A USP foi a mais bem colocada, na 11ª posição, seguida pela Unicamp, na 24ª, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na 60ª, e a Universidade Estadual Paulista (Unesp), em 87º lugar.
Já no ranking apresentado pela QS Quacquarelli Symonds, o desempenho foi um pouco melhor. Nessa avaliação, 17 instituições do país integraram a lista. A USP ficou em 8º lugar e a Unicamp, em 10º, figurando nas dez primeiras colocações no ranking. Também apareceram em melhores posições a UFRJ e a Unesp, em 19º e 25º lugar, respectivamente.
Na opinião do pesquisador Estêvão Cabestre, que estuda rankings universitários no doutorado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), um dos motivos para o posicionamento das instituições brasileiras nos dois rankings é que as listas utilizam grupos de países diferentes. “O THE, além das universidades dos Brics, classifica as instituições dos países emergentes, como Taiwan, Turquia, Tailândia, Polônia, República Tcheca, Hungria, Egito, Malásia, México, Chile, Emirados Árabes Unidos, Colômbia e Marrocos. Já o ranking QS classifica somente as instituições dos Brics”, afirma. Além disso, o THE utiliza a base de dados da Thomson Reuters Web of Science, enquanto o QS utiliza a base Sciverse Scopus.