Implantação de centro de empreendedorismo atuante permite espalhar a cultura da inovação no campus de uma instituição de ensino

Internalizar a cultura da inovação em todos os departamentos da instituição para potencializar os sistemas de gestão e ensino está entre as premissas da educação empreendedora. Para isso, o primeiro passo dado pela Universidade Internacional da Flórida (FIU, na sigla em inglês) foi implantar um centro de empreendedorismo que envolveu diversos departamentos, professores e alunos. O exemplo foi apresentado durante a Rodada de Educação Empreendedora 2012 (REE), ocorrida no mês de outubro, em Florianópolis (SC).

A receita para estabelecer a cultura empreendedora em todos os departamentos foi dada pelo professor Alan Carsrud, pesquisador e mentor do centro de empreendedorismo da FIU. O programa implantado pelo professor na primeira metade da década dos anos 2000 teve início com a fundação de um centro de empreendedorismo. A equipe de Alan foi atrás de investidores interessados em atrelar seu nome ao novo projeto. Resultado: o Centro Global de Empreendedorismo Eugenio Pino e Família levou no nome oficial uma homenagem ao pai do investidor e US$ 3 milhões na conta bancária. Ainda que essa realidade pareça longe da realidade brasileira, Alan lembra que a nova estrutura pode ser concebida com base num plano estratégico detalhado. “É preciso ter um bom planejamento estratégico para mostrar aos possíveis investidores. Eles querem ter certeza de que o projeto é relevante”, comenta o professor.

Após ser constituído e capitalizado, o centro de empreendedorismo da FIU passou a organizar eventos sobre empreendedorismo na universidade. O movimento serviu para atrair docentes de diferentes áreas, alunos e montar uma rede de contatos, especialmente com potenciais futuros parceiros e outros investidores.

Trabalho integral
Assim, o centro começou a fomentar iniciativas nos departamentos acadêmicos, inclusive com suporte financeiro. Diferentes áreas como física, química, jornalismo, geografia e história aderiram e passaram a oferecer disciplinas sobre empreendedorismo e a formar grupos de pesquisa sobre a prática.Com a adesão dos departamentos o centro criou uma instância que passou a coordenar todos os cursos sobre inovação. Também foram criados institutos voltados para negócios familiares, para inovação tecnológica e outro para pesquisa em empreendedorismo.

No entanto, todas essas ações não ocorreram do dia para a noite. Uma das maiores dificuldades está justamente em convencer os responsáveis pelos departamentos a promover o ensino do empreendedorismo. Isso acontece geralmente pela falta de interesse de coordenadores, que não enxergam esse conhecimento como necessário para a atuação do profissional. “Não dá para impor. Fizemos um trabalho de relacionamento enquanto mostrávamos os resultados do que já tínhamos conquistado”, lembra Alan.

Na opinião do professor, o fator mais importante para o sucesso do projeto foi a relação da equipe com o empreendedorismo. “Desde o início, ela sabia exatamente do que estava tratando. Esse não é um trabalho para apenas uma pessoa, assistentes, ou profissionais sem credencial, que não entendem do assunto”, adverte. Para disseminar a cultura empreendedora por toda uma instituição, o ideal é que exista uma equipe que trabalhe integralmente para esse objetivo. Outro ponto muito importante é a participação dos gestores e mantenedores. Sem o interesse e apoio deles se torna bastante complicado reter talentos e atravessar períodos de crises financeiras ou novos arranjos políticos sem provocar mudanças desnecessárias.

No caso da FIU, todas essas possíveis dificuldades conseguiram ser superadas, pelo menos até 2007. Alan conta que, com o surgimento da crise mundial, professores importantes acabaram se desligando da instituição, e a política de gestão começou a atrapalhar o funcionamento do centro, prejudicando-lhe o desempenho. O próprio Alan foi um dos docentes que partiram, segundo ele, por perceber que todas as conquistas estavam virando alvo de interesses individuais de gestores. “Esse tipo de trabalho leva uma década para realmente funcionar, mas pode acabar de uma hora para outra se o individual passa a ser mais importante que o coletivo”, alerta o professor.

Panorama
No Brasil, o empreendedorismo no ensino superior é uma realidade promissora, mas com muito o que fazer pela frente. Um estudo elaborado pela Endeavor e divulgado durante a REE, mostrou que apenas duas das 46 instituições ouvidas não oferecem nenhum tipo de atividade ligada ao empreendedorismo. Segundo a pesquisa também, dos 6.215 estudantes entrevistados, 60% afirmam que pensam em abrir uma empresa no futuro. Amisha Miller, coordenadora de Pesquisa e Políticas Públicas da Endeavor, diz que não esperava tais índices. “Não há dúvidas de que se trata de uma ótima surpresa, só que isso não significa que o trabalho está pronto, ou que estamos perto disso”, avisa.

De fato, cada vez mais instituições brasileiras oferecem cursos de educação empreendedora, só que geralmente eles são pontuais e direcionados para iniciantes. Na opinião de Amisha, há uma escassez de cursos que façam uma imersão maior no tema. “Há bons exemplos, mas de maneira geral o ensino superior do país ainda não consegue desenvolver bem a vocação empreendedora dos seus estudantes”, completa.

Contudo, o maior problema é que mesmo os interessados não frequentam aulas sobre empreendedorismo. Apenas 44% dos potenciais empreendedores (aqueles com desejo de abrir sua própria empresa) já cursaram alguma disciplina sobre o tema. Mas o dado não pode ser compreendido apenas como um desinteresse dos alunos. Isso porque o empreendedorismo continua sendo tópico praticamente restrito aos cursos de administração e, em menor medida, de engenharia. Dessa maneira, em muitos casos, há pouca divulgação da possibilidade.

Projetos premiados
A Rodada de Educação Empreendedora, organizada pela Endeavor em parceria com o Sebrae, também elegeu grandes iniciativas pedagógicas sobre empreendedorismo no ensino superior. O projeto ganhador, um game on-line chamado Gestorbox, foi eleito pelos próprios participantes da rodada e vem do Instituto Federal do Piauí (IFPI). O jogo, que dura três meses, mistura entretenimento e vivência com concorrentes ao propor experiências empreendedoras, como relacionamento profissional e organização de plano de carreira. Marcus Linhares, professor que elaborou o Gestorbox, acredita que existe um desejo do estudante atual de ir além da discussão teórica. “Eles querem ter uma visão prática diferenciada”, comenta.