Professor do Babson College, instituição de ensino que se tornou modelo de empreendedorismo no mundo todo, defende concentrar esforços no movimento chamado ‘pensamento e ação empreendedora’

por Vitor de Oliveira

Para Joel, o empreendedorismo na educação pode ser trabalhado em várias áreas como social, de sustentabilidade, tecnologia e saúde

O professor-associado de empreen­dedorismo no Babson College Joel Shulman é uma referência na atividade que exerce. Respeitado docente em uma organização pioneira – que lidera o ranking das melhores instituições de ensino superior com foco em empreendedorismo, na avaliação da U.S. News & World Reports – o professor usa a instituição que representa como referência para discursar sobre os desafios da criação de um modelo de ensino baseado nos motes do empreendedorismo. Convidado do 14º Fórum Nacional do Ensino Superior Particular (Fnesp) para discutir as perspectivas e os caminhos para implantar a cultura empreendedora no Brasil, a revista Ensino Superior aproveitou a estada de Shulman em terras brasileiras para discutir o tema na entrevista a seguir. Com o vasto currículo, que inclui consultoria ativa ao Banco Mundial, e ao desenvolvimento dos mercados de capitais na Ásia Central e repúblicas da ex-União Soviética, o professor Joel Shulman aponta os caminhos para o sucesso de um modelo empreendedor no ensino superior de um país a pleno desenvolvimento.

Ensino Superior: O Babson College é um caso pioneiro quando se trata de empreendedorismo. Como foi o surgimento, a implementação e o desenvolvimento desse projeto?
Joel Shulman: Babson tem sido o primeiro a desenvolver o empreendedorismo em muitas áreas, começando com a fundação do Instituto Babson, em 1919. A partir de então a instituição se desenvolveu e se tornou uma das líderes do ranking no mundo em programas de empreendedorismo. Posso listar alguns exemplos que ilustram o motivo do sucesso: em 1977, a criação da Academy of Distinguished Entrepreneurs [na tradução livre, Academia de Empreendedores Distintos], que chamou a atenção de empresários como Ray Croc, fundador do McDonald’s. Já em 1981, o Babson criou a primeira pesquisa de conferência no empreendedorismo, que teve milhares de trabalhos acadêmicos sobre o tema. Em 1984, foi criado o primeiro concurso de planos de negócio. Hoje, possivelmente milhares de planos similares existem em todo o mundo a partir da nossa ideia. Nós educamos futuros professores universitários para ensinar não apenas o empreendedorismo, mas o que chamamos de “pensamento e ação empreendedora”. Entre outras iniciativas está o Global Entrepreneurship Monitor, criado em parceria com a London Business School para monitorar a atividade empreendedora ao redor do mundo, e o programa Freshman Management Experience, em que os estudantes atuam ativamente na criação de um novo empreendimento.

Como definir uma instituição de ensino empreendedora?

Esta é uma pergunta difícil, que provavelmente irá gerar uma resposta diferente para cada pessoa questionada. No Babson utilizamos o Entrepreneurial, Thought and Action (ETA) [Pensamento e Ação Empreendedora]. Nós gastamos uma quantidade considerável de tempo para garantir que o aluno possa compreender que sem ação a atividade empresarial não existe. Muitas outras organizações podem enfatizar apenas as construções teóricas, mas a nossa enfatiza a necessidade de avançar com uma ideia. Além disso, abordamos empreendedorismo em todo o campus e, a partir deste ponto, construímos o nosso vasto currículo. Posso usar um exemplo interno para essa ideia transversal: dois dos meus colegas escreveram um livro sobre o líder empresarial, que inclui cerca de 30 professores de diferentes disciplinas que desempenham este papel. A diferença, aqui, é que o conceito de empreendedorismo está no DNA da nossa academia.

Como você observa a situação dessa área no ensino superior norte-americano hoje?

O empreendedorismo está crescendo muito. É uma área quente tanto entre os alunos dos programas de graduação quanto da pós-graduação. Além disso, o nosso centro executivo, que forma executivos e gerentes de nível médio, é também muito ativo nesse espaço.

É possível discutir sobre as tendências de empreendedorismo quando lidamos com a educação? O que são essas tendências?

Sim, nós vemos muitas tendências com estudantes que se deslocam para áreas como empreendedorismo social, sustentabilidade, tecnologia e saúde. Estas são todas tendências com um crescimento muito forte. Eu não espero que isso pare de acelerar tão cedo.

Quais são os principais desafios para uma instituição educacional que realmente pode ser chamada de empreendedora?

Qualquer organização, não importa o quanto empreendedora ela é, pode eventualmente se tornar burocrática. Podemos ver muitos exemplos de grandes organizações empresariais, que não de ensino, e que eventualmente desaceleraram o seu modelo de gestão como a Ford Motor Company, Polaroid, Xerox, IBM, General Motors. Foram organizações que chegaram ao topo de suas categorias e tiveram um desincentivo econômico de continuar a procurar a via empreendedora. Os líderes das organizações precisam ter cuidado com a burocracia e buscar sempre ser uma referência no ‘Pensamento e Ação Empreendedora’. Nem sempre é fácil fazer isso funcionar, e manter todos alinhados ao conteúdo da organização.

O empreendedorismo costuma estar mais ligado a cursos como os de administração e negócios. Qual a importância de ter essa iniciativa nos demais cursos?

Poderia um estudante de engenharia ou de medicina não se beneficiar com o pensamento e ação empresarial? Sinceramente eu não posso imaginar um engenheiro hoje que não seja positivamente impactado por desenvolver uma ação empreendedora. O engenheiro também precisa pensar o mercado, ter um projeto completo, avaliar a demanda do mercado antes de construir um novo produto. De fato, os indivíduos com formação e que trabalham no mundo da tecnologia, ou nos setores de saúde, de sustentabilidade, ou ainda mesmo na assistência e social estão entre os mais beneficiados.

A dificuldade atual de implantar disciplinas de empreendedorismo é a falta de profissionais especializados para ensinar. Como lidar com isso?

Isso vai soar como autopromoção, mas qualquer instituição carente de bons docentes pode procurar o Babson para resolver seus problemas. Podem e deveriam ir ao Simpósio de Educadores, dirigido por Heidi Neck, ou falar com Alecia Gisela Lokpez. Eles podem ajudar com os nossos programas de Educação Executiva. Ambos têm amplo conhecimento sobre os programas que dirigem e, com certeza, podem criar uma solução para as necessidades de uma organização de ensino superior.

Em tempos de crise, como o mundo passa agora, qual é a grande lição que o empreendedorismo pode ensinar?

Os empreendedores vão continuar a criar soluções para os problemas globais. Na verdade, é nos momentos de crise que os empreendedores trabalham melhor. Eles estudam um problema e criam uma solução para atender às demandas ou necessidades do mercado. Em tempos de bonança, aproveitam o mercado em alta para expandirem com mais facilidade. Mas o empreendedor tem a destreza necessária para descobrir as demandas em qualquer situação.

O empreendedorismo deve ser discutido antes do ensino superior? Como e quando isso é trabalhado nos Estados Unidos?
O empreendedorismo está incorporado na nossa cultura. Os EUA incentivam e comemoram os produtos e serviços, bem como a criação de valor econômico e social produzido por entidades empreendedoras. Que jovem, não só nos EUA, mas em todo o mundo, não gostaria de se tornar o próximo Steve Jobs, fundador da Apple? Isso tem que ser valorizado, e em nosso país essa cultura é incentivada nas pessoas desde quando ainda são bem jovens. Talvez nem todos queiram esse objetivo, mas há uma abundância de exemplos da cultura popular que fornecem inspiração e motivação para os jovens de todas as nacionalidades e de fundos econômicos distintos. Em nosso país, temos muitos exemplos de empreendedores de sucesso que criaram riqueza econômica e social começando com muito pouco. É inspirador e parte da nossa cultura. Acredito que o Brasil oferece exemplos também.

O que a educação empreendedora pode significar para o desenvolvimento de um país, no médio e longo prazo?

No curto prazo, isso significa a criação de empregos para uma região pequena. Como atividade empresarial em crescimento, significa maior desenvolvimento econômico, infraestrutura e melhorias para os programas sociais e as necessidades da comunidade. Imagine se o próximo Google ou Apple for iniciado em uma pequena cidade fora de São Paulo. O que um trilhão de dólares significa para essa comunidade? Agora imagine se essas duas empresas geram dezenas de milhares de novos empresários. Qual seria esse valor? Os Estados Unidos tiveram a mesma experiência há cerca de 40 anos, quando um cientista deixou o Bell Labs, braço de pesquisa e desenvolvimento da AT&T, e se mudou para a Califórnia. Hoje, grande parte da riqueza proveniente do Vale do Silício pode ser atribuída a este cientista ganhador de Prêmio Nobel [em referência a William Shockley].