ESPECIAL TECNOLOGIA – LABORATÓRIOS DE INOVAÇÃO | Edição 203

Conectados em rede mundial para a troca de conhecimento com baixo custo de manutenção, os fab labs permitem aos estudantes dar forma a projetos e experimentar novos caminhos de aprendizado

por Luciene Leszczynski

Gustavo Morita

Insper: nos fab labs, alunos trabalham desde a concepção até a viabilização do produto

Em diversas instituições de ensino do mundo vem se espalhando uma tendência de estimular a inovação e, principalmente, de prover condições para que ela se materialize. Afinal, do que adianta estimular a capacidade inventiva dos alunos se eles não puderem tirar as ideias do papel, testar hipóteses e verificar a viabilidade de seus projetos? Para que todas essas etapas possam ser cumpridas e inovações reais nasçam do universo acadêmico, a solução tem sido implantar os fab labs, espaços equipados com impressoras 3D e outras máquinas capazes de dar vida, de forma relativamente rápida e barata, a projetos desenvolvidos por estudantes de engenharia, arquitetura, design e outras áreas.

A inspiração desses espaços vem do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que em 2001 criou laboratórios interdisciplinares de pesquisa e inovação para permitir a fabricação de protótipos de praticamente qualquer coisa, de turbinas eólicas a roteadores. O conceito, porém, rapidamente se espalhou pelo mundo, agregando outras características hoje fundamentais para a concepção desses espaços: o trabalho em rede e o compartilhamento dos projetos.

Segundo a Rede Fab Lab Brasil, que apoia a implementação de novos laboratórios e conecta instituições parceiras, atualmente há cerca de 450 laboratórios do gênero espalhados por mais de 60 países. No Brasil, a rede conecta nove deles, sendo três em instituições de ensino superior: Insper, Faculdade de Engenharia de Sorocaba (Facens) e Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).

No Insper, o laboratório começou a funcionar no ano passado e hoje recebe a visita de alunos, professores e pesquisadores de várias áreas. “Tem um movimento educacional, tanto no ensino superior quanto na educação básica, de mudança com relação ao jeito de ensinar. Isso já vem sendo falado em teoria há muito tempo, mas agora a coisa está se concretizando”, comenta Heloísa Neves, coordenadora do Fab Lab Insper e uma das coordenadoras da Rede Fab Lab Brasil. Além de representar uma mudança metodológica, esses novos espaços também permitem às instituições trabalharem com seus alunos habilidades importantes para a prática profissional, como defende Adriano Pila, gerente operacional da Facens.  “A formação profissional requer pessoas que tenham conhecimento, habilidade e atitude. Conhecimento para saber o que fazer, habilidade para saber como fazer e atitude para buscar fazer. O mercado requer cada vez mais pessoas com todas essas características juntas”, define.

O laboratório da instituição sorocabana foi inaugurado em junho de 2015 e a expectativa é que os usuários comecem a mostrar os primeiros projetos em breve. “Isso é sensacional em termos de educação, pois motiva o aluno a realizar suas ideias e a ser empreendedor”, diz o gerente operacional. Seguindo a carta de princípios dos fab labs, que determina a abertura do espaço ao público pelo menos uma vez na semana, a Facens abre as portas de seu laboratório aos sábados e, mesmo com pouco tempo de operação, já constata uma grande procura pela utilização da estrutura. “Há inventores, engenheiros e empreendedores (de empresas e particulares) que procuram o espaço para concretizar suas ideias. Já há empresas nos demandando serviços profissionais de prototipação”, conta Pila.

Parceria com o mercado

O interesse das empresas por esses ambientes se justifica pela possibilidade que elas têm de resolver seus desafios de forma mais rápida. Segundo Heloísa, as empresas mais inovadoras já não procuram mais os professores quando querem trabalhar com as instituições de ensino. Por ter acesso a esses ambientes, elas abordam diretamente os alunos com potencial para cooperar com elas, encurtando o tempo de resposta para suas demandas.

Alexandre Maciel

Facens: peças geradas em impressora 3D no laboratório recém-inaugurado

Essa utilização dos fab labs, no entanto, deve seguir algumas regras. A recomendação é que os projetos externos sejam compartilhados com a IES de modo a contribuir com o processo educacional. Na opinião da coordenadora do Fab Lab Insper, esse princípio é benéfico para ambas as partes. Os alunos passam a ter contato com os processos de uma organização e a trabalhar com medidas de controle e qualidade, por exemplo, enquanto os empresários são brindados com as ideias frescas dos estudantes – algo de que muitos carecem por estarem “viciados” em seus processos.

Com relação à propriedade intelectual, há espaços que determinam o compartilhamento de tudo o que é criado – nada pode ser patenteado, portanto – e outros com regras mais flexíveis, avaliadas caso a caso. As IES que abrem as portas gratuitamente para o público são geralmente aquelas que dão preferência para os trabalhos abertos, afinal, a ideia é que os alunos possam participar de alguma forma.

Seja qual for o modelo, o fundamental é que projetos reais sejam desenvolvidos. Do contrário, o ambiente se reduz a um mero laboratório com máquinas, como diz Pila. “Faz parte de nosso desafio manter os alunos motivados, incentivando-os a desenvolver projetos de disciplinas, trabalhos de conclusão de cursos, iniciações científicas e projetos pessoais”, complementa.

Por se tratar de algo novo, as IES interessadas em embarcar nessa tendência devem, antes mesmo de avaliar os investimentos necessários (leia mais na página 34), entender o conceito. É um laboratório tecnológico? Sim, mas não é só isso. É um centro de empreendedorismo? Também, mas é ainda mais. É algo que conecta tudo isso com inovação em desenvolvimento técnico. “Na verdade, o fab lab é mais do que o laboratório em si, é uma mudança de mentalidade”, finaliza Heloísa.

Os equipamentos necessários
De acordo com Heloísa Neves, coordenadora do Fab Lab Insper, o custo de montar um laboratório de fabricação costuma ser bem inferior ao investido na criação de um laboratório de pesquisa tradicional, uma vez que os equipamentos tecnológicos não precisam ser de ponta. “A ideia é que seja muito mais barato mesmo porque são máquinas que todo mundo vai usar, então a manutenção não deve ser cara. Além disso, o nosso objetivo não é trazer a tecnologia de ponta, mas sim ensinar o processo”, diz. O custo do investimento varia entre R$ 800 mil e R$ 1 milhão, mas pode ser maior dependendo do maquinário adotado. Segundo Adriano Pila, gerente operacional da Facens, embora não exista uma regra definida de quais equipamentos devem fazer parte de um fab lab, já que é um espaço de criação e inovação, é preciso observar uma estrutura mínima exigida. Pelo menos cinco equipamentos devem fazer parte dessa estrutura, o que vai permitir o funcionamento em rede e a troca de arquivos que podem ser trabalhados e executados em qualquer outro laboratório do mundo.

Impressora 3D: imprime objetos em formato tridimensional. Existem vários tipos de impressoras, sendo que a mais utilizada é a que opera por deposição de filamento (FDM). Nesse método, um filamento plástico (ABS ou PLA, em geral) de alta temperatura é depositado no corpo do objeto 3D que, aos poucos, vai tomando forma.

Fresadora de precisão: capaz de usinar objetos e placas de circuito eletrônico. Pode trabalhar com precisão de até 0,2 mm enquanto talha o objeto. O maior uso se dá na confecção de placas de circuito eletrônico por propiciar acabamento e desenho profissionais.

Fresadora de grande formato (router): dá forma a metais e a madeiras com área de até 2 m², o que possibilita a produção de peças de diversos formatos e acabamentos. É recomendada para prototipar peças de máquinas e veículos.

Cortadora de vinil: equipada com uma lâmina capaz de cortar materiais de diversas gramaturas, trabalhando no plano bidimensional. Além de vinil, corta papéis e até um tipo especial de adesivo que se transforma em um circuito eletrônico flexível.

Cortadora a laser: equipamento que funciona com um laser de 130 W capaz de cortar madeiras, tecidos, papéis, acrílicos e outros materiais com facilidade, rapidez e precisão.