Professor da Universidade ESAN, no Peru, Oswaldo Morales Tristán diz como as IES do Brasil e de demais países da América Latina devem trocar inovações tecnológicas e se adaptar a elas.
por Mariana Queen Nwabasili

Os atuais estudantes universitários são nativos digitais e a relação deles com a tecnologia influencia as formas de gestão das IES e as metodologias do ensino oferecido por elas. Porém, ao contrário do que muitos entusiastas desse processo alegam, a cultura digital exacerbada deixa rastros sociais negativos, fazendo com que o papel das instituições de ensino superior também seja ensinar para contornar esses efeitos colaterais.

Isso é o que aponta Oswaldo Morales Tristán, professor e diretor de educação on-line da Universidade ESAN, no Peru. Segundo ele, devido ao grande contato com a tecnologia, “muitos estudantes estão perdendo habilidades sociais”. “Isso quer dizer que não têm mais tanta facilidade para interagir”, diz.
Tristán tem uma visão crítica e ao mesmo tempo estratégica sobre o uso e compartilhamento de recursos tecnológicos entre IES ao redor do mundo. Suas considerações são reflexo de um currículo voltado aos estudos internacionais e aos panoramas administrativos.

O docente tem mais de 20 anos de experiência como consultor em empresas dos setores público e privado, é Ph.D. em estudos internacionais pela School of Asia Pacific Studies da Universidade Waseda, no Japão, e possui dois mestrados, um em economia e regulação de serviços públicos pela Universidade de Barcelona, na Espanha, e outro em direito empresarial pela Universidade de Lima, no Peru.

Na entrevista a seguir, ele associa os seus conhecimentos sobre tecnologia, educação, cultura organizacional e mercado globalizado a análises sobre como e por que as universidades devem se tornar centros de conhecimentos que usam a tecnologia para espalhar determinados conteúdos globalmente.

Quem são os estudantes do século 21? Eles têm um perfil?

Hoje, a maioria dos estudantes universitários é de nativos digitais, porque nasceram em meio ao uso da tecnologia para conseguir chegar a qualquer lugar. Em um mundo globalizado, os jovens querem poder estar em diferentes lugares ao mesmo tempo, querem fazer diferentes coisas de uma vez, querem usar melhor o tempo. De alguma maneira, as tecnologias lhes facilitam fazer todas essas coisas. E, nesse cenário, os dilemas quanto às mudanças necessárias para o aprendizado não irão mais partir dos alunos, mas sim das universidades, das organizações e dos professores.

Todas as mudanças comportamentais por conta das tecnológicas são positivas?

O aspecto positivo é que a tecnologia facilita muito as formas de estudar e aprender; os estudantes podem fazer e entregar seus trabalhos de casa, não precisam se mobilizar fisicamente. Mas também há aspectos negativos que estão relacionados ao fato de que muitos alunos estão perdendo habilidades sociais. Isso quer dizer que não têm mais tanta facilidade para interagir “cara a cara”; “face to face”. Esses estudantes têm problemas inclusive de habilidades verbais, estão perdendo capacidades para escrever e, ao memso tempo, a linguagem está sendo modificada.

Mesmo assim as instituições devem usar mais as tecnologias?

As universidades estão trabalhando de diferentes maneiras para fazer com que os alunos não sofram esses efeitos negativos. Há algumas que estão incorporando cursos relacionados a temas que possibilitem aos alunos desenvolver habilidades de comunicação que sejam complementares aos cursos tradicionais.
O que as universidades brasileiras podem fazer para se adaptar à cultura digital? 7
Elas têm de ser criativas. É possível, por exemplo, criar cursos oferecidos virtualmente para alunos brasileiros e peruanos. Outra possibilidade é gerar cursos como os MOOCs [Massive Open On-line Course] e oferecê-los para além do mercado brasileiro. Para isso, é preciso trabalhar programas em inglês ou em espanhol. A chave está em buscar temas globais. Outro exemplo que tem surgido entre as novas possibilidades de ensino é o que se conhece como educação inversa. Nesse tipo de metodologia, o aluno não vai à classe tradicional escutar o professor; os professores usam a tecnologia e gravam as suas aulas em vídeo. Os alunos assistem ao vídeo à noite ou de madrugada e somente vão à universidade fazer exercícios ou perguntas ao docente. Há um menor contato e menor necessidade de ir à universidade. O ensino muda de formato.

Qual a importância dos MOOCs para educação superior em âmbito mundial e continental?

Creio que eles estão revolucionando a educação. Primeiro, porque são gratuitos; segundo, porque são massivos. Então não é necessário nenhum pré-requisito para que alguém possa começar a ter aulas. Há cursos MOOCs que chegam a ter 200 mil alunos em todas as partes do mundo. E essa modalidade é uma grande oportunidade para a América Latina, porque não existem muitos MOOCs em português e em espanhol. Creio que aí está uma grande oportunidade para que nossas universidades trabalhem com esse formato. Mas a chave é desenvolver cursos sobre temas que sejam interessantes para todos os países latino-americanos. Se um aluno peruano vai estudar estratégias ou vai estudar finanças, ele pode optar por um MOOC de Harvard. Mas se esse aluno opta por estudar finanças latino-americanas, de repente um curso MOOC brasileiro ou argentino pode ser mais interessante para ele.

Plataformas como os MOOCs não fazem com que os espaços físicos das universidades sejam desvalorizados?

Há muitas pessoas que criticam esses cursos justamente por serem massivos e há pessoas que não dão importância aos cursos on-line por considerarem que são menos exigentes que os cursos presenciais. Creio que isso tem a ver com a necessidade de mudança cultural e organizacional para que as pessoas comecem a dar mais importância ao digital. Cada vez há mais jovens fazendo cursos on-line, porque têm facilidade para fazer isso de casa. E é possível ter aulas on-line com professores das melhores universidades do mundo, como Harvard, Stanford, Madrid. Então isso funciona como um atrativo.

Como seria a cultura organizacional ideal de uma universidade contemporânea?

A cultura organizacional em uma universidade tem de estar muito relacionada ao câmbio tecnológico. Primeiro, para que haja um processo de troca tecnológica e cultural, é necessário o compromisso das autoridades da universidade: o reitor e os gestores precisam estar convencidos. Segundo, a universidade tem de ter uma cultura organizacional de abertura e inovação, tem de ter certas condições e certos elementos, como por exemplo crer em alianças globais com outras universidades, na possibilidade de convidar docentes e alunos de outras partes do mundo, na capacidade de se relacionar com outras pessoas para que dessa maneira possam realizar um benchmarking e possam se alimentar de diferentes experiências inovadoras.

Quais os meios para efetivar essas ações?

Primeiro, necessita-se de capacitação e projetos de intercâmbio cultural, o que toma tempo. Então, no médio e longo prazos, pode-se fazer projetos pilotos experimentais que permitam à universidade colher alguns resultados para que os gestores e profes-
sores vejam que houve êxito com os alunos. Aí sim é possível expandir os programas. O intercâmbio cultural de uma organização não se constrói de um dia para o outro, pode levar cinco ou dez anos, pois são projetos de médio e longo prazos. Por outro lado, é necessário o apoio da própria universidade; se o presidente da instituição e os decanos não estão convencidos do intercâmbio, é difícil que resultados sejam alcançados. Também é preciso fazer um bom trabalho com os professores, mudar a cultura organizacional para que eles sejam mais receptivos. Há muitos docentes que têm temor das tecnologias ou que estão muito acostumados a um esquema tradicional. Há que se mudar a mentalidade, mostrar que as tecnologias têm de ser parte da aula e não somente serem utilizadas como um complemento. É possível também contratar professores jovens que possam interagir com os alunos nesses esquemas.

Há como promover essas interações de forma mais rápida e eficiente?

A tecnologia permite a nós a possibilidade de alcançar mercados e parceiros em nível internacional, que antes não podíamos. Agora eu não preciso mais pagar necessariamente uma viagem a São Paulo toda semana para fazer uma reunião de negócios. Então a tecnologia permite nos aproximarmos. E isso também vale para a disseminação de conhecimento e parceria com empresas. Há empresas que estão usando os cursos MOOCs de universidades para capacitar os seus trabalhadores. Por exemplo, eu posso selecionar, dentro do meu plano de capacitação MOOCs, para que meus empregados conquistem um diploma internacional que vai ser gratuito. O único investimento maior da empresa será a garantia de internet para que façam o curso. Agora há possibilidades criativas, os meios estão à disposição. Desse jeito, creio que as universidades também serão locais de reuniões com as empresas. Uma empresa mediana que cria uma área de investigação pode buscar dois ou três professores estrangeiros para organizar os estudos. Temos de gerar essas sinergias.

Quais as diferenças entre a adaptação à cultura digital nas IES do Peru e do Brasil?

Creio que o Peru está trabalhando fortemente com isso no nível do Estado. Há uma nova lei universitária que está promovendo a tecnologia. Por exemplo, nos cursos MOOCs lançados pela ESAN temos aproximadamente 40 mil alunos matriculados oriundos do México, da Argentina, da Colombia, da Venezuela, do Chile e da Espanha. O primeiro curso que desenvolvemos foi sobre o manejo de redes sociais, tema no qual muitíssimas pessoas estão interessadas hoje em dia. Além disso, como oferecemos o curso em espanhol, todas as pessoas de países que falam oficialmente essa língua têm a possibilidade de acessar. Agora estamos trabalhando um projeto de um MOOC sobre venda direta. Queremos traduzir esse curso para o português, pois sabemos que no Brasil há um mercado muito grande de quem se dedica ao ramo. Essa é a receita: desenvolver cursos com temas que sejam interessantes para toda a região latino-americana.

Como avalia a relação do ensino superior brasileiro com aquele ofertado em outros países da América Latina?

Os brasileiros e os demais latino-americanos tendem a ver as organizações localmente, domesticamente. É preciso ter uma visão continental e global. Para começar, não basta mais os gerentes e gestores de ensino terem só uma experiência no Brasil ou no Peru. É preciso sair e ver o mundo, ter experiências e visões internacionais. Isso vai permitir mudar esse esquema. O ensino superior e a tecnologia fazem parte de uma grande oportunidade para o Brasil se unir à América Latina. Tradicionalmente, o país sempre esteve acostumado a olhar para os Estados Unidos e para as nações da Europa, mas não olha à sua volta e, por vezes, não se assume como um país latino-americano. Então nisso ainda há muito o que trabalhar. O idioma sempre foi uma barreira. Mas, para além disso, temos uma cultura similar. O Brasil tem uma grande responsabilidade e uma boa oportunidade de liderar processos de câmbio tecnológico entre todos os países latino-americanos, porque tem um mercado de mais de 200 milhões de pessoas, sempre teve um pressuposto de desenvolvimento de tecnologia e inovação e porque há muitos alunos de outros países latino-americanos que estudam aí.