Professores dividem opinião sobre o uso de smartphones em sala de aula. O equipamento é considerado uma ferramenta contributiva para a educação, mas também abre brechas para a dispersão dos alunos

por José Eduardo Coutelle

p36-tecno 2 illustrationA frase ‘o mundo está em suas mãos’ nunca foi tão real quanto nestes últimos anos, com a popularização dos smartphones e tablets. Com meia dúzia de cliques, esses dispositivos móveis possibilitam uma revolução no ambiente educacional. A tradicional sala de aula retangular ganha a dimensão da virtualidade e possibilita ao aluno se aprofundar no conteúdo dado pelo professor e compartilhar as informações com a turma. Em uma aula sobre a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o estudante pode visualizar em mapas o exato caminho feito pelas forças Aliadas até o ponto de desembarque no litoral da Normandia no famoso Dia D, enquanto o professor explica o conteúdo na lousa. Contudo, essa mesma tecnologia pode desencadear um efeito indesejado: a dispersão.

Nesse sentido, professores assumem posturas variadas com relação ao uso de dispositivos móveis na sala de aula. Alguns são mais tolerantes e entendem que é do perfil dos atuais jovens estarem conectados o tempo todo e ainda assim serem capazes de acompanhar diversas atividades ao mesmo tempo. Já outros, mais tradicionais, preferem refutar o uso de tais equipamentos na aula. Entretanto, a visão mais comum é a de que as tecnologias podem ser aliadas no processo educativo e que potencializam a construção de um novo ambiente mais interacional.

O poder do lúdico

Doutor em Ciências Sociais e professor do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, Luís Mauro Sá Martino acredita que o segredo para evitar a dispersão dos alunos não se resume obrigatoriamente ao uso ou à exclusão das tecnologias avançadas. A resposta, para ele, está em conquistar a atenção dos estudantes através de uma aula mais lúdica. “Muita coisa que não aprendi na escola foi simplesmente porque não era divertido. Alguns professores usaram dispositivos muito simples e trouxeram vida para a sala de aula”, destacou Martino, durante o I Seminário Cásper Líbero de Tecnologia no Ensino Superior, realizado no início de outubro.

A princípio a ideia parece simples, mas a proposta pode se tornar um desafio em alguns casos. “Como trazer um texto complexo e linear para o aluno que trabalha com dezenas de abas abertas ao mesmo tempo em seu navegador?”, questiona o professor, salientando o raciocínio mais segmentado dos estudantes que cresceram na era da tecnologia portátil e da agilidade dos hiperlinks. A saída pode estar no uso combinado de ferramentas antigas e de recursos mais sofisticados com o objetivo de conquistar o engajamento dos alunos. E é neste contexto, ressalta Martino, que as tecnologias modernas podem se tornar um meio para a criação de um espaço eficiente de diálogo.

Esse ambiente moderno de interação apresenta algumas particularidades. Para o professor Liraucio Girardi Júnior, doutor em Sociologia da Comunicação, o espaço tende a ter uma concepção mais horizontalizada e de compartilhamento. Sem uma fórmula preestabelecida, Lira realizou diversos testes com diferentes plataformas como Moodle, Slideshare e Tumblr, sendo esta última a que alcançou maior êxito com seus alunos. Apesar disso, na maioria das vezes, os ambientes virtuais acabaram exercendo uma função meramente de repositório e falharam no objetivo de gerar interação. “Eu acabei fazendo o tradicional de um jeito novo. Novas experiências envolvem tentativa e erro, e quem é intolerante ao fracasso desiste rápido. O erro em um processo ajuda a resolver outro”, comenta o professor.

Lira concorda com a questão lúdica da educação e expande a mesma lógica para todo o ambiente de sala de aula. Para ele, o processo educativo é um grande jogo, com regras, personagens, pontuações, fases e recompensas. Só que alguns papéis se modificaram ao longo dos tempos, e novos ingredientes foram adicionados, mesmo que ainda sem terem sido regulados. O professor passou de autoridade soberana para ser um mediador e os smartphones tornaram-se parte inseparável da vida dos alunos. Para Lira, a solução dessa intrincada equação é simples: estabelecer acordos de uso dos aparatos eletrônicos dentro da sala.

Fora da área de cobertura

Em outra ponta está o professor Marcos Guterman. “Parece que cometo um crime quando peço aos meus alunos que desliguem seus celulares”, comenta. Ele pertence ao grupo dos docentes que não permite o uso dos smartphones em sala de aula. Segundo Guterman, o problema não é a utilização das ferramentas para a produção de conhecimento, como no caso dos mapas, mencionado no início do texto, mas sim o uso abusivo em outras situações não educacionais. Para ele, a única tecnologia necessária para aprender é o cérebro, e salienta que uma boa aula depende principalmente de como o professor a apresenta e das expectativas dos alunos. Apesar das ressalvas, o professor entende que os smartphones oferecem um mundo de possibilidades, mas que em suas aulas causam mais dispersão do que benefícios.

Nova forma de ver a sala de aula
O coordenador do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, Carlos Costa, assume uma postura intermediária com relação ao uso de dispositivos móveis em sala de aula. Ele entende que a criatividade é o melhor recurso do professor para atrair e manter a atenção dos estudantes, mas também acha difícil concorrer com os smartphones. Costa lembra que, em um curso para gestores realizado na Universidade Harvard, a disrupção na sala de aula não estava ligada a tecnologias modernas e os principais equipamentos utilizados foram tesouras e post-its. O tradicional posicionamento das classes em linhas foi substituído por pequenos grupos, e os equipamentos eletrônicos, por dois professores. Essa nova configuração da sala de aula é conhecida como design thinking e tem o objetivo de redesenhar o processo educacional para obter melhores resultados dos alunos. No caso da sala de aula, a proposta é um diálogo entre estudantes e professores para personalizar o ambiente com o intuito de maximizar o processo educativo. Isso inclui a distribuição mais efetiva do posicionamento das classes, dos murais, projetores, post-its, entre outros.