Instituições brasileiras repensam e inovam estratégias pedagógicas e administrativas a partir de participação em missões técnicas internacionais
por Christina Queiroz

 

 

Diversos gestores de IES privadas brasileiras viajam ao exterior para aprimorar os conhecimentos gerenciais e as práticas pedagógicas, além de conhecer diferentes projetos arquitetônicos e ações inspiradoras de ensino e negócios. Assim, muitos deles participam das missões técnicas internacionais organizadas pelo Semesp (Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior) como forma de repensar seus modelos de atuação no mercado.

Presente em três missões (Canadá, Alemanha e Coreia do Sul), José Sérgio de Jesus, diretor de educação do Grupo Educacional Projeção, em Brasília, trouxe diferentes experiências de cada uma das viagens. “Pude observar que nesses países os professores são remunerados adequadamente e exercem um papel social de grande importância na comunidade e entre os alunos e egressos”, diz.

Na missão da Alemanha, o tema central da visita foi analisar as estratégias de aproximação entre empresas e escolas existentes na Universidade Técnica de Munique e na Humboldt University. Jesus afirma que, após a viagem, a IES onde atua criou um projeto integrador experimental nos cursos tecnológicos, estabelecendo parcerias com empresas. Por meio desses acordos, os alunos cumprem parte da carga horária letiva em atividades no âmbito corporativo.

No Canadá, o trabalho principal dos viajantes foi acompanhar as inovações metodológicas, especialmente as envolvendo práticas de aprendizagem ativa nas instituições McMaster University, University of Toronto e University of Waterloo. Como resultado do contato e inspirados no que é feito nas IES canadenses, os gestores brasileiros colocaram em prática projetos de formação continuada para os seus docentes, com o intuito de ajudá-los a repensar as técnicas usadas em sala de aula.

Também presente nessa missão, José Wilson dos Santos, reitor do Centro Universitário Ages (UniAges), em Paripiranga, na Bahia, enfatiza que o grande aprendizado envolveu a maneira como as instituições visitadas adequam suas infraestruturas físicas às metodologias ativas de aprendizagem. “Trouxe exemplos do país para criar salas de aula aplicadas ao método ativo, assim
como elaborar auditórios, complexos esportivos, bibliotecas e até mesmo residências estudantis com base em modelos canadenses”, conta. A partir das experiências internacionais, Santos estuda o estabelecimento de acordos formais com instituições estrangeiras para criar um projeto de internacionalização na UniAges.

 

Divisor de águas

Seguindo o mesmo caminho de inspiração a partir do exterior, Adriano Novaes, diretor e mantenedor da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação (Esamc), de Uberlândia, em Minas Gerais, conta que na visita à França e à Holanda, em 2010, pôde conhecer os projetos arquitetônicos das instituições e ter contato com tecnologias pedagógicas inovadoras. Uma delas é um sistema de gravação de aulas, que permite aos alunos assistirem às atividades a distância ou mesmo acessar as gravações como parte do processo de revisão das disciplinas.

Segundo Novaes, outra viagem que funcionou como um divisor de águas com relação às possibilidades de ações de uma IES no Brasil foi a realizada aos Estados Unidos, em 2011, na qual foi possível visitar a Universidade Harvard e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). “Realizamos um curso de inovação acadêmica que permitiu trazer ao Brasil as metodologias ativas adotadas por essas instituições: o modelo de sala de aula invertida e o ensino híbrido”, diz o gestor.

Com 3.000 alunos, a Esamc também teve como espelho de boas práticas o sistema educacional da China e de Dubai, em 2012. As instituições desses países investem em internacionalização, enviando alunos e professores para o exterior e contratando docentes de fora para trabalhar no país. “Em Dubai, conhecemos uma cultura muito diferente, que utiliza o investimento do petróleo para desenvolver IES de ponta”, explica Novaes.

Já na visita feita à Alemanha, o maior exemplo foram os modelos de conexão entre universidades e o mercado de trabalho. “Junto com vida acadêmica, os alunos estagiam em grandes empresas. Por causa dessa ênfase, alguns técnicos ganham mais do que bacharéis na Alemanha”, conta o gestor da Esamc.

A partir das experiências internacionais, Novaes reformulou todo o projeto pedagógico da IES onde atua, hoje baseado em três pilares. O primeiro deles são as metodologias, nas quais os alunos atuam como protagonistas do processo de ensino. O segundo é a adoção de ações para medir a evolução da aprendizagem como forma de melhor utilizar os conteúdos ensinados. O terceiro envolve os professores, qualificados para atuar como facilitadores do conhecimento, e não mais como detentores dos conteúdos.

As missões também permitiram ao gestor conhecer experiências de gerenciamento, como foi o caso da visita à Inglaterra, em 2014, onde fez um curso na Universidade Warwick sobre como fazer gestão profissional em educação. “Essa universidade contrata executivos experientes de grandes empresas para ocupar seus principais cargos”,
diz.

 

Realidades específicas

Arapuan Netto, reitor do Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam), no Rio de Janeiro, conta que, na Inglaterra, além de ter o ensino como negócio principal, as instituições geram receita com a oferta de serviços de hospedagem, alimentação, cursos de extensão e uma área de locação de espaços. “As universidades não vivem apenas de mensalidades”, destaca.
O contato que teve com a integração entre a academia e o mercado de trabalho na Alemanha também foi impactante, incentivando-o a instalar uma indústria do setor de engenharia em uma estrutura antiga da Unisuam. Para isso, foi fechada uma parceria com uma empresa que, agora, recebe alunos da instituição em programas de estágio.

Mesmo inspirado por diversas iniciativas, Netto lembra que nem todos os projetos são perfeitamente aplicáveis ao Brasil, de maneira que é preciso saber o que é possível adaptar à realidade local. “O professor brasileiro, por exemplo, tem certa resistência em acatar novas formas de ensinar, porque pode pensar que recebe mais tarefas e não a oportunidade de se reinventar em sala de
aula”, avalia.

A partir das viagens internacionais do gestor, a Unisuam fez acordos para receber professores do Trinity College, na Irlanda, sendo que, hoje, alguns deles fazem parte do corpo editorial de revistas editadas pela instituição brasileira. No Núcleo de Relações Internacionais da universidade, foram feitas parcerias para a realização de intercâmbios culturais e acadêmicos. A IES também recebe alunos estrangeiros, tendo um estudante da Universidade de Lisboa fazendo doutorado em um de seus programas de pós-graduação. “Ele estuda gestão esportiva e quis aproveitar o momento para
pesquisar a realização das Olimpíadas”, conta Netto, que, ao todo, já participou de seis missões internacionais organizadas pelo Semesp.

Como pontos altos de todas as experiências, Netto destaca o conhecimento que obteve da legislação de cada país na área educativa e a possibilidade de fazer paralelos com a realidade brasileira. “O mergulho nas universidades tem evoluído de missão a missão. Isso permite conhecer a fundo não somente a legislação e a parte teórica, mas também ter vivência prática nos campi”, afirma.

 

Luzes de fora

Vanilson Almeida Nascimento, diretor-geral da Faculdade Vale do Gorutuba, em Minas Gerais, participou de seis missões organizadas pelo Semesp. Além dos aprendizados em áreas pedagógicas e  administrativas, ele também trouxe das viagens ideias baseadas em projetos inspiradores. Um deles foi o sistema de iluminação da biblioteca da Universidade Paris-Sorbonne, na França, que o motivou a reformular as instalações da biblioteca existente na faculdade em que atua.

Já na viagem realizada à Coreia do Sul, neste ano, ele entrou em contato com os ‘acordos de honestidade’
adotados nas instituições visitadas. Nesses lugares, os estudantes podem consumir comidas e bebidas da cantina sem fiscalização, ou seja, pegam o que desejam e fazem o pagamento de forma espontânea. “É um projeto muito adequado para o momento que o Brasil vive”, explica o diretor, que decidiu implantar a mesma proposta na cantina da Faculdade Vale do Gorutuba. Nos próximos meses, a ideia é instalar geladeiras com refrigerantes pelos corredores da IES, que também funcionarão no mesmo esquema: os estudantes consomem e pagam sem
necessidade de fiscalização.

Com 1.600 alunos, a faculdade ainda pretende formalizar parcerias com instituições de Dubai, para fomentar intercâmbios vinculados aos cursos de engenharia e arquitetura. “Um dos desafios é que poucos dos nossos alunos falam idiomas estrangeiros”, conta, explicando que a instituição também deve criar ações para o ensino de língua estrangeira.

 

Missão técnica internacional 2017: Finlândia e Dinamarca

Até hoje, o Semesp já realizou oito missões técnicas internacionais com finalidades diversas, conforme a experiência em educação dos países escolhidos. Para 2017, está prevista a nona edição, que acontecerá na Finlândia e na Dinamarca. A intenção da próxima viagem é oferecer aos participantes novas perspectivas em formação de currículo e em cultura empreendedora. Fábio Garcia Reis,
diretor da área de Inovação Acadêmica e Redes de Cooperação do Sindicato, explica que, no Brasil, os currículos das cerca de 2.000 IES ainda são criados com base em disciplinas.

Diferentemente de nossa realidade, a Finlândia, por exemplo, elaborou projetos integrados que engajam os estudantes no processo de ensino-aprendizagem. Alguns deles são as campanhas de marketing desenvolvidas com alunos. “Nessa viagem, queremos reunir 40 líderes das instituições acadêmicas brasileiras que estejam interessados em repensar seus modelos pedagógicos e administrativos”, convida Fábio.