Estudo do Semesp revela as principais reclamações dos alunos e contribui para medidas de aperfeiçoamento na oferta da modalidade

por Camila Camilo

Não dá para tapar o sol com a peneira. Embora a perspectiva para a educação a distância seja positiva – em 2016, o número de matrículas em instituições privadas deve crescer aproximadamente 9% em relação a 2015, chegando a quase 1,5 milhão de alunos, segundo projeção do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp) – a modalidade ainda é cercada por mitos e preconceitos que, apesar de arraigados entre os atuais e os futuros alunos, podem e devem ser combatidos pelas IES. Isso é o que mostram os resultados do Estudo netnográfico EAD encomendado pelo Semesp à Folks Netnográfica, empresa especializada em pesquisas sobre comunidades on-line.
Segundo o levantamento, os estudantes dos cursos a distância contatam uns aos outros em diferentes situações: pedem dicas de organização para não se perderem nas tarefas rotineiras, reclamam dos problemas nas suas instituições e, não raro, questionam se estão na opção certa. Entre os pontos que desagradam aos alunos da modalidade, ou que dificultam seus estudos, estão a qualidade do polo, a desorganização dos tutores, a demora no atendimento e na resposta a e-mails e até mesmo a sensação de solidão para estudar.
Quanto a esse último fator, a Folks Netnográfica destaca que um dos participantes do estudo chegou a divulgar nas redes sociais uma foto de seu quarto com a legenda “minha faculdade”. A atitude revela que ele se via distante da universidade onde estava matriculado e considerava a si mesmo o único responsável pela própria formação. “Uma possível solução para amenizar isso seria trocar o termo ‘a distância’ por cursos on-line. Isso daria a impressão de conexão com o mundo, um slogan melhor do que a ideia de distanciamento”, diz Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp.

Entre as constatações finais do levantamento, aponta-se que a qualidade da oferta de alguns cursos contamina a validade do método. Ou seja, alternativas mais fracas em conteúdo levam parte do público a duvidar se o ensino a distância vale como graduação ou pós-graduação. Para especialistas, isso é, justamente, fruto do preconceito e da desinformação.
Embora algumas instituições, de fato, não se preocupem em selecionar minimamente o público que vai estudar e carregar o nome da instituição em seu currículo, a modalidade é de grande serventia, e não deve ser deslegitimada devido a experiências pontuais. “Se a pessoa mora em uma cidade pequena, vive longe da faculdade da sua região ou não pode pagar um curso mais caro, por exemplo, a EAD pode ser sua única chance de estudar”, diz Capelato. Outro argumento nesse sentido é o da professora Cielo Griselda Frestino, do grupo de pesquisas Encontros Interculturais na EAD, da Universidade Paulista (Unip). Para ela, “a EAD resolve o problema de transporte e moradia, que pode ser oneroso em algumas cidades”.
Para identificar o que pensam os usuários do ensino a distância, a Folks Netnográfica analisou sites, canais no YouTube, perfis nas redes sociais e blogs especializados no tema. As informações foram coletadas em mais de 300 páginas de conversas on-line realizadas entre 500 pessoas. Alunos que compartilham suas experiências via blogs ou vídeos foram entrevistados por telefone.
O critério para a seleção das conversas foi a riqueza de detalhes, a quantidade de trocas a partir de cada “post” e a existência de sentimentos e crenças sobre a EAD em geral. Segundo os organizadores, esse tipo de coleta de dados baseada na chamada antropologia on-line considera a captação de comentários feitos em situações informais, fora de pressão ou da aparente necessidade de impressionar os entrevistadores das pesquisas tradicionais. “A netnografia nos permitiu entrar no universo do atual e do potencial aluno da EAD, acessar as conversas públicas que ocorrem entre eles espontaneamente, sem que eles se deem conta de que estão sendo observados. Assim, foi possível entender suas crenças, o que sentem e o que pensam. Tudo isso de forma não estimulada e sem a interferência do pesquisador, o que nos leva a uma compreensão muito mais profunda sobre suas verdades”, diz Débora Figueiredo, fundadora e sócia diretora da Folks Netnográfica e responsável pelo estudo feito para o Semesp.

Capacidades valorizadas

Devido ao baixo grau de dificuldade de alguns vestibulares, ou até por conta da ausência de prova em casos pontuais, circula a ideia de que é muito fácil entrar em um curso a distância. Embora a afirmação se prove verdadeira às vezes, pegar o diploma com pouco esforço é uma completa lenda. Uma vez que a grade prevê atividades periódicas, é necessário criar um método para conciliar leituras, exercícios nas plataformas e discussões on-line. “Para quem veio de uma educação básica calcada no ensino transmissivo, estudar sozinho pela internet exige uma autonomia com a qual nem todo mundo está acostumado”, comenta a professora Cielo.
Não à toa, só é possível se formar a distância com dedicação e organização. David Tolentino é um exemplo. No meio de 2015, ele concluiu a graduação em ciências aeronáuticas na Unisul Virtual. Seu trabalho de conclusão de curso sobre segurança na aviação vai ser implantado em breve no setor de aeronavegabilidade da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
O sucesso veio depois de muito trabalho. David já trabalhava na área quando começou a faculdade, que preferiu fazer a distância, porque viajava muito e não conseguia comparecer com regularidade às aulas presenciais. “Fiquei um pouco perdido até me acostumar com a plataforma. Precisei criar um cronograma semanal para dar conta de todas as entregas e leituras. Tinha de cumprir tudo no tempo, sem atrasar. Caso contrário, ficaria difícil retomar o ritmo”, relata.
Outra crença difundida entre muitos estudantes é a de que as empresas desvalorizam os formados em graduações a distância. Para Edna Bedani, diretora executiva de Conhecimento e Aprendizagem da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), isso é um mito. “Normalmente, o candidato é avaliado sem que o profissional de recursos humanos saiba a modalidade de sua formação. Isso só acontece após a contratação”, conta. Ela acredita, ainda, que o comportamento autodidata dos que optam por estudar a distância é percebido nos processos seletivos: “e essa competência conta mais do que a modalidade de formação”.
A capacidade de cumprir prazos e honrar uma rotina cansativa de estudos deveria, segundo gestores e especialistas, ser ainda mais valiosa na fila por vagas de emprego. “O perfil do aluno presencial é do indivíduo acostumado a ser cobrado e conduzido pelo professor, mas o mercado quer alguém que pesquise, saiba negociar e tenha perfil de liderança, o que combina com quem estuda a distância ou semipresencialmente”, afirma Carlos Longo, pró-reitor acadêmico da Universidade Positivo, no Paraná.
Ele acredita ainda que, com o tempo, o pensamento de que quem se forma na EAD não consegue boas colocações vem perdendo força. “Afinal, os mais jovens começam a perceber que formados em cursos a distância estão se empregando”, diz. Nesse sentido, segundo João Vianney, conselheiro da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), “outra quebra importante do preconceito foram as boas colocações de egressos da EAD em concursos públicos concorridos do magistério e do direito”.

Polos e tutoria

O levantamento aponta ainda que se os polos da EAD de uma mesma instituição forem distintos, a impressão sobre a marca varia. Quem vai a um campus universitário tem à disposição uma estrutura muito mais instigante do que aquele que vai a um polo localizado na sala de aula de uma pequena escola, por exemplo. Além disso, se houver poucos tutores para o número de estudantes, ou se existirem impedimentos para o uso de certas dependências, como a biblioteca, os alunos da EAD se sentem desvalorizados em relação aos demais frequentadores do prédio.
Portanto, estabelecer critérios para a organização dos polos e dos cursos é essencial para o bom oferecimento da modalidade. Na Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), os espaços de encontros presenciais só são definidos quando seguem certos parâmetros: “É preciso ter pessoal de apoio com formação adequada e infraestrutura para atender a todos os alunos”, diz Carlos Fernando de Araújo Júnior, pró-reitor de educação a distância da instituição.
Para Longo, da Universidade Positivo, é preciso encontrar um espaço que combine objetivos institucionais com as necessidades dos cursos. “No nosso caso, atuamos apenas no Paraná e buscamos implantar polos em lugares onde nossa marca é reconhecida. Aliamos essa expectativa ao projeto pedagógico dos cursos e às necessidades das atividades presenciais. Gastronomia, por exemplo, não pode ser oferecido onde não haja uma cozinha industrial”, diz.
Quem usa a EAD hoje quer também mais interação e atividades que tornem os cursos mais estimulantes e menos cansativos a médio e longo prazo. Os usuários analisados na pesquisa comentaram que
videoaulas são benvindas, mas não substituem a proximidade com o professor. Eles esperam por tutores que acompanhem de perto o andamento dos estudos, deem feedbacks e ajudem na solução de exercícios. “Também percebemos ser relevante para os estudantes da EAD uma melhor organização da secretaria do curso, com rotinas pensadas para o ambiente on-line. Além disso, é interessante permitir o escalonamento sequencial das disciplinas ofertadas em um mesmo período, de maneira que o discente possa cursar uma depois da outra, e não simultaneamente, sempre que possível. A ideia geral é reduzir a dificuldade de acompanhar o curso e diminuir a complexidade da rotina dos alunos”, diz Débora.

Novos modelos: ensino híbrido

As conclusões da pesquisa apontam para mudanças necessárias na modalidade. Embora haja uma ampla variedade de graduações e especializações, faltam maneiras mais arrojadas de envolver e incentivar o alunado. “Hoje, a estrutura dos cursos a distância é praticamente a mesma. Tanto que os estudantes reconhecem pouca diferença entre uma IES e outra. Opções mais personalizadas e adequadas a diferentes ritmos e formas de aprender ainda são raridade”, argumenta Fábio Reis, diretor de Inovação Acadêmica e Redes de
Cooperação do Semesp. Para ele, uma possível saída para o modelo pasteurizado de hoje está no ensino híbrido.
No livro Blended, usando a inovação disruptiva para aprimorar a educação,
aponta-se que para configurar-se como
híbrido, o ensino precisa se utilizar do
on-line e o estudante deve aprender em um local físico supervisionado. Ou seja, os componentes on-line e presencial de um determinado conteúdo em um curso devem estar integrados. Não basta estudar o tema apenas virtualmente. A sala de aula invertida
(flipped classroom) é o modelo mais comum desse tipo de ensino. Nele, o tempo de
aula não é gasto assimilando-se o conteúdo bruto de forma passiva. Em vez disso, enquanto estão na faculdade, os estudantes são desafiados a resolver problemas, discutir questões e trabalhar em projetos.
“De maneira geral, a tendência é abandonar o modelo tradicional em que o professor transmite informações à sala e as individualidades são pouco respeitadas”, explica Gustavo Hoffmann, diretor educacional do grupo Alis Educacional, em Minas Gerais, e pesquisador de metodologias ativas de aprendizagem na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Segundo ele, as dificuldades para a implementação do ensino híbrido no Brasil passam pelo desconhecimento dos gestores, pela falta de formação dos professores nesse modelo e pela escassez de polos adequados em todas as regiões do país. “Os gestores brasileiros reconhecem que há muita evasão na EAD e que é necessário mudar, mas ainda não sabem como.”
Já para Reis, do Semesp, os gestores das IES acabam sendo engolidos pelas demandas do dia a dia e se envolvem pouco com as formas de inovar no ensino superior. “Eles acabam ficando pouco ligados às novidades do setor. Isso é ruim porque educação é uma área dinâmica. Quem não se atualiza constantemente corre o risco de ficar para trás”, conclui.