Programas do governo para incentivo à educação, como o Fies e Pronatec, geram oportunidades para o ensino superior e também movimentações positivas no setor

por Svendla Chaves e Márcia Soligo

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O Programa de Financiamento Estudantil (Fies), iniciativa do Governo Federal, está dando uma cara nova ao ensino universitário no Brasil. Além de possibilitar acesso facilitado de estudantes à educação superior, o Fies é hoje considerado uma das melhores oportunidades de desenvolvimento, principalmente para instituições de pequeno e médio porte.

A guerra de preços nas mensalidades, apesar de muito praticada, está longe de ser a forma mais sustentável de conquistar espaço. A iniciativa gera efeitos prejudiciais como o alto risco de evasão e a incapacidade da instituição para investir na infraestrutura e na qualidade do ensino. É preciso buscar formas mais seguras, que permitam também a consolidação no setor como fonte de cursos de alto desempenho. E é aí que entram os programas federais, como o Fies e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).

Os números demonstram a adesão expressiva ao Fies nos últimos anos: de 1999 até 2009 foram 564 mil contratos finalizados e, somente em 2013, 556 mil financiamentos contratados. Em janeiro de 2014 já haviam sido realizados 110 mil contratos, comprovando a receptividade crescente dos alunos ao programa.

O Financiamento, que surgiu em 1976 como Sistema de Crédito Educativo (Creduc), virou Fies em 1999, sofreu alterações no seu funcionamento em 2010 e passou a ser conhecido como Novo Fies. As mudanças trouxeram melhorias significativas para os estudantes. A taxa de juros, que até 2006 era de 9% ao ano, passou a ser de 3,4%, com carência para pagamento de 18 meses e amortização de três vezes o tempo para conclusão do curso com o acréscimo de 12 meses. Além disso, alunos de medicina e licenciaturas podem pagar a sua dívida por meio de trabalho para a rede pública de atendimento.

Quebrando paradigmas
Um dos efeitos mais importantes gerados pelo Fies é a mudança da relação do aluno com o ensino superior. O estudante já não procura a instituição em função do preço ou localidade, como era feito há algum tempo. Hoje, devido ao Fies, ele pode realizar uma escolha mais vocacional e menos ligada ou dependente de sua situação financeira.

É o caso de Paula Carvalho Santos: a aluna cursa enfermagem no Centro Universitário Ítalo Brasileiro (UniÍtalo) graças ao Fies. “Escolhi o curso pois sou apaixonada pela área. O preço não foi uma questão na hora da escolha”, comenta a discente. Esse cenário cria uma nova possibilidade, principalmente para as instituições de pequeno e médio porte, que vivem em uma disputa muitas vezes desleal com as gigantes do ensino.

De acordo com Alexandre Mori, presidente e membro da Comissão Permanente de Supervisão e Acompanhamento (CPSA) do Financiamento Estudantil (Fies) no Centro Universitário de Araraquara (Uniara) e consultor do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), o Fies é a estrela do momento e, além de ajudar na captação de alunos, para as pequenas e médias ele pode ser utilizado para a retenção do estudante. “Oferecê-lo de modo correto pode ser a grande oportunidade de crescimento. Temos exemplos de instituições de ensino superior que passaram de 1.800 alunos para 4.500 em três anos”, ressalta Mori.

Rodrigo Michielin, presidente da CPSA do Centro Universitário Herminio Ometto (Uniararas), tem a mesma opinião. Segundo o presidente, o Fies possibilita que a instituição passe mais tempo pensando em melhorias significativas. “Com o financiamento a gente consegue combater a evasão, diminuir a inadimplência e ainda captamos alunos. O Fies pode trazer um estudante que antes não teria acesso ao ensino superior”, comenta Michielin.

Com as mudanças definidas pela Portaria Normativa nº 3 de 13 de janeiro de 2014, que estabelece que o risco das mantenedoras será parcialmente coberto pelo Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (Fgeduc), a situação ficou ainda mais favorável para as instituições. Apesar de o Fgeduc gerar um custo para as instituições universitárias de 6,25% de 90% de cada mensalidade paga com o Fies, ele gera aumento de matrícula, diminui a participação no risco de crédito, reduz a inadimplência e também a provisão de garantia de risco.

Contudo, Alexandre Mori alerta que é preciso ter uma gestão pensada do Fies, com área de atendimento específica e funcionários bem informados. “Se a instituição universitária tem uma gestão profissional ela pode identificar bimestralmente, por exemplo, quais são os alunos que estão com a mensalidade atrasada e oferecer o Fies. Nesse caso, o estudante passa de inadimplente para adimplente em no máximo 30 dias”, explica.

Atualmente, instituições que possuem o financiamento disponível para cursos de engenharia estão em posição vantajosa. O curso é o mais procurado pelos alunos, contabilizando 222 mil contratos do total atual. A preferência reflete o momento do ensino superior no Brasil, que demonstra a evolução da economia do país e consequente aumento da construção civil e procura por bons engenheiros. Os cursos de direito, administração e enfermagem também estão, respectivamente, entre os mais procurados.

Efeitos positivos
Algumas movimentações incomuns no mercado da educação no início de 2014 também geraram a abertura de milhares de vagas em instituições privadas. O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que desde o ano passado tem a participação da rede particular, trouxe 246 mil novas vagas em 250 instituições. Além dele, em três estabelecimentos de educação superior cariocas, mais de 10 mil vagas foram abertas para receber os alunos oriundos da Universidade Gama Filho (UGF) e do Centro Universitário da Cidade (UniverCidade), descredenciados pelo Ministério da Educação (MEC) em janeiro.

Incluídas no Pronatec em 2013, as instituições privadas foram responsáveis por 197.343 vagas no ano passado, o equivalente a 82,3% das 239.792 oferecidas pelo Programa. O ingresso das particulares foi tumul–tuado pelos prazos apertados e marcado pelo baixo número de estudantes matriculados. Mesmo assim, o interesse se manteve, já que ele oferta receita sem inadimplência, garantida pelo governo, em troca de investimento baixo.

Neste semestre, o número de vagas subiu para 246.228 nas particulares (84,5% do total), refletindo a ampla infraestrutura existente no setor, responsável por 73% das matrículas de ensino superior no país, conforme dados do Censo da Educação Superior de 2012, produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Entre as instituições que tiveram maior número de vagas aprovadas está a Estácio, que totaliza 24 mil vagas distribuídas em 25 cursos no Estado do Rio de Janeiro. Além da capital, também há cursos em Niterói, Nova Iguaçu, Nova Friburgo, Petrópolis, Cabo Frio e Campos dos Goytacazes. Abilio Gomes, diretor de Operações na Estácio Participações no Rio de Janeiro, conta que a universidade criou uma diretoria para cuidar especialmente das atividades do Pronatec. “A Estácio possui laboratórios equipados para atender às necessidades de todos os cursos que estamos oferecendo. Como os cursos serão oferecidos nos turnos da manhã e tarde, toda essa estrutura estará disponível para os alunos dos técnicos”, explica.

Sem grande necessidade de novas salas de aula ou de mais professores, essas instituições devem aumentar o número de alunos por sala, aproveitando melhor os recursos. Além de incrementar o faturamento, o ganho de escala diminui proporcionalmente os custos, aumentando a lucratividade. A infraestrutura demandada para os cursos técnicos é baseada na já existente na graduação.

Além de receber mais alunos devido ao Pronatec, a Estácio também fechou parceria no início deste ano com a Contax Contact Center, para capacitação de funcionários da empresa de Call Center. A Estácio vai capacitar cerca de 4 mil operadores e supervisores da Contax até 2017. O valor desse contrato atingiu a marca de R$ 30 milhões.

Marketing feito em casa
Francisco Borges, ex-diretor acadêmico das Faculdades Ibmec e do Instituto Brasileiro de Tecnologia Avançada (Ibta) e consultor da Fundação de Apoio à Tecnologia para programas de educação profissionalizante, destaca que outras grandes vantagens trazidas pelo Pronatec são, além da garantia de receita em horários nos quais a estrutura universitária fica ociosa, a conquista direta de novos alunos de graduação e também a melhor qualificação dos profissionais formados. Isso estabelece uma relação de ganhos para os dois lados: de um lado, seria reduzida a lacuna entre os estudantes que concluem o ensino médio e aqueles que ingressam no superior; de outro, as instituições privadas têm a possibilidade de conquistar alunos dentro de sua própria estrutura. “O jovem que sai do ensino médio muitas vezes não está preparado para o ensino superior. Os dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do ingresso de alunos na graduação mostram que há um grande número de jovens que sai da escola e não entra na educação superior”, expõe Borges.

A aposta é que os discentes que forem para os cursos técnicos serão estimulados a continuar na instituição e a ingressar na graduação. Para as instituições, essa perspectiva traz vantagens, já que o desempenho dos formandos no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) também tende a crescer nesses casos.

Desafios e valorização
A chegada dos novos estudantes precisa ser bem planejada e acompanhada. “Todo grande crescimento tem risco, mas o volume de alunos por unidade de curso, no caso do Pronatec, não é tão grande. Se a instituição tiver metodologia bem definida, não terá dificuldade de receber os estudantes”, defende Francisco Borges.

Os novos estudantes do Pronatec serão absorvidos pela estrutura existente nas instituições – e muitas delas já têm familiaridade com o modelo pela prática com a graduação tecnológica. Na Universidade Anhembi Morumbi, são oferecidas vagas em sete cursos. Conforme o líder do Pronatec na instituição, Marcelo Vasconcelos, os requisitos institucionais para participação no programa limitam a adesão e habilitação às instituições já com expertise e infraestrutura necessária. “Possuímos cursos de graduação correlatos reunindo condições essenciais para o desenvolvimento dos técnicos, sendo necessários ajustes mínimos para sua execução”, conta Vasconcelos.

O mesmo acontece na Anhanguera, que obteve aprovação de 33 mil vagas em 30 cursos, oferecidos em 50 unidades em diferentes regiões do país. Ana Maria Sousa, vice-presidente acadêmica, explica que a instituição vem se preparando desde setembro de 2013 com investimentos em todas as áreas, mas aproveitando as instalações já existentes. “Esforços foram feitos na contratação e na capacitação de colaboradores e docentes, no preparo de laboratórios e salas de aulas, no desenvolvimento do conteúdo exclusivo” explica a vice-presidente. Ana Maria destaca ainda que houve revisão dos processos operacionais e administrativos para receber os milhares de novos alunos. Como outros gestores, ela confia no retorno do aluno do técnico para a graduação. “O sucesso desse trabalho certamente trará a fidelização do aluno, fazendo com que ele dê continuidade em seus estudos conosco”, acredita Ana Maria.

Acompanhar as novas possibilidades de mercado é indispensável. O estudo de Programas Federais lançados pelo governo e seu entendimento geram oportunidades para captação, melhoria de resultados, diminuição da evasão e fortalecimento de marca.

A valorização das instituições de ensino superior aparece, em todos os casos, como o principal ganho na chegada dos novos alunos. Francisco Borges destaca ainda que os conselhos de administração estão valorizando a ocupação e a abertura das instituições para as comunidades – quanto mais inseridas elas estão, maior é sua visibilidade, e menor o esforço necessário para atrair novos alunos. “No mundo todo, as instituições que mais se consolidam financeiramente são as que se dedicam à educação profissional”, completa Borges.

Apoio à profissionalização
O Pronatec foi lançado em 2011, com o objetivo de ampliar a oferta de cursos técnicos e profissionais para suprir a demanda do mercado de trabalho por mão de obra qualificada. Até o segundo semestre de 2013 o Programa era direcionado somente para Institutos Federais de Educação. A liberação para instituições de ensino superior privadas participarem aconteceu nesse mesmo ano, após aprovação de uma Medida Provisória.Contudo, a correria para a implantação do Pronatec gerou problemas: o período de matrículas e as datas para início das aulas aconteceram em prazos muito curtos, gerando baixa adesão dos alunos ao Programa e frustração por parte das instituições universitárias.Em 2014 os procedimentos melhoraram e as instituições se sentem mais seguras ao aderir. O Edital da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) nº 3 (12/03/2014) já apresentou o cronograma do Pronatec e os procedimentos detalhados para o preenchimento de vagas. As inscrições regulares para o Programa foram abertas em março e alunos interessados nas vagas remanescentes terão acesso às inscrições on-line em abril. As aulas de 2014 terão início entre 14 de abril e 12 de maio.Neste ano, nasceu uma versão especial do Pronatec, o Pronatec Copa 2014, uma extensão do Programa no qual serão oferecidas 240 mil vagas para capacitação de profissionais para a Copa do Mundo, e mais 32 mil vagas para cursos de inglês, Libras e espanhol.