Com mais atividades práticas e atenção aos mercados emergentes, mudança no tradicional programa de MBA de Harvard adianta reflexão a respeito do modelo da especialização oferecida no Brasil

por Yolanda Drumon

 

174_36As implicações da crise financeira, iniciada nos Estados Unidos, foram além de abalos às estruturas econômicas e de liderança mundial do império norte-americano. Os efeitos da crise despertaram a necessidade de uma revisão de conceitos da economia e de mercado e, consequentemente, dos ensinamentos aos gestores que atuam nesse novo cenário global de maior participação dos países emergentes. Adaptada à realidade brasileira, a mudança nas escolas de negócios não tarda a chegar por aqui.

A correção de rumo foi capitaneada pela Universidade Harvard, que forma em 2013 a primeira turma depois de operar uma forte revisão curricular na especialização, a qual determinou mais tempo para atividades práticas e experiências reais de gestão em detrimento dos estudos de caso, obrigatória vivência internacional para contato direto com outros mercados e maior integração entre alunos e de alunos com o professor.

Na opinião de Luiz Edmundo Rosa, diretor acadêmico da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), as críticas dirigidas à maneira de ensinar MBA, com viés estritamente financeiro e desconsiderando as perspectivas econômica e social, foram determinantes para o processo de mudança. “Muitos profissionais que estavam à frente das instituições financeiras ou que atuavam como representantes governamentais tinham feito curso de negócios e foram responsabilizados pela crise de 2008. Segundo a opinião pública, eles conduziram o problema a partir de uma perspectiva financeira isolada, fazendo com que o efeito se tornasse global, afetando inclusive a Europa”, lembra Rosa. Houve então uma crise de confiança em relação à qualidade dos MBAs nos Estados Unidos e a discussão ganhou o mundo.

“Hoje o mundo é global. Os negócios não estão concentrados em locais, regiões ou nações. E países como o Brasil terão uma fatia cada vez maior do PIB mundial. Consequentemente, o mercado brasileiro das escolas de negócio deve crescer”, aponta David Garvin, professor da Universidade Harvard e autor do livro Rethinking the MBA.

Realidade brasileira
Os cenários brasileiro e internacional são diferentes. No exterior, principalmente nos Estados Unidos, os alunos costumam se dedicar integralmente aos estudos e saem para o mercado somente após concluir o curso.

Já no Brasil não existe MBA full time, sinaliza Armando Dal Colletto, diretor da Business School São Paulo (BSP) e da Associação Nacional de MBA (Anamba), porque na maioria das vezes os alunos já possuem uma carreira paralela aos estudos. “A contribuição dos alunos é parte importante do curso, pois traz dose de prática às aulas”, defende Dal Colletto.

Para Luiz Edmundo Rosa é preciso ainda ir além das questões práticas na construção do programa de MBA e aumentar o enfoque na área de humanas. Nesse sentido, o dirigente da ABRH acredita que os cursos no Brasil ainda estão no modelo antigo, pois não focam o tema “gente”. Isso fica mais nítido quando se observa que as matérias de humanas são o apêndice do curso. “Estamos na era do conhecimento, temos de olhar holisticamente as empresas.

Não podemos usar apenas uma visão financeira e de marketing, é necessária uma formação mais equilibrada”, recomenda. “Os cursos estão se esforçando, mas ainda estamos distantes de atender à real necessidade de mercado”, acrescenta.

Se, por um lado, o cenário de efervescência dos cursos de MBA no país permitiu o crescimento desse mercado, em contrapartida a popularização da especialização se tornou um dos fatores prejudiciais à própria marca, com o uso indiscriminado da sigla e o surgimento de cursos que não seguem um padrão de referência mínimo e, assim, desvirtuam seu principal propósito. “O MBA tem de abordar a administração de empresas passando por gestão, estratégias de finanças, recursos humanos, tecnologia da informação e governança corporativa, entre outros assuntos”, enumera Maurício Queiroz, diretor-geral da Fundação Instituto de Administração (FIA). Ele lamenta que ultimamente o conceito do curso tenha se perdido e o Master of Business Administration esteja mais para uma “marca-fantasia”.

Falta padronização
Um dos agravantes para a inexistência de um padrão para os MBAs é que o Ministério da Educação não se responsabiliza pela regulação dos cursos de negócio no Brasil, que são classificados como especialização lato sensu e, portanto, independem de autorização e reconhecimento do MEC para serem ministrados. Para preencher essa lacuna e construir uma regulamentação mínima para o mercado de cursos de MBA, a Anamba criou duas classificações padrões: Brasil e Global.

De acordo com Silvio Laban, coordenador de MBA do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, o selo da Anamba serve para atestar a qualidade dos cursos e é uma alternativa às certificações internacionais que têm custos muito altos. “Essas marcas carimbam os MBAs de maneira tropicalizada e consultas informais em algumas escolas mostram que o processo de certificação tem sido bem aceito”, relata Laban. Para ele, ganhos dessa padronização são mais bem vistos quanto à questão da carga horária mais flexível. “Contudo, o processo para a acreditação é trabalhoso, pois inclui envio de relatórios por parte da escola e recepção para visitas da Anamba, entre outras ações”, alerta.

Já Fernando Serra, diretor acadêmico da HSM Educação, observa que tal credenciamento, embora positivo, não atenta para a possibilidade de melhora da instituição de ensino envolvida. “É preciso rever também a metodologia, já que o MBA tem de focar a pessoa e, para isso, é fundamental mapear tendências comportamentais do executivo. Isso se obtém com um treinamento personalizado que identifique desafios profissionais e os concilie com a vida pessoal”, afirma.

Rosa, da ABRH, concorda com a necessidade de ir além da acreditação. Para ele, além de assumir um compromisso real com a carreira e a vida do indivíduo, os cursos de negócios têm de ensinar como fazer e como pensar, oferecer ferramentas e principalmente enriquecimento intelectual, conciliar visão pragmática com aspectos intangíveis – imagem e cultura de uma instituição, por exemplo –, analisar ações que impactam toda a cadeia que engloba um negócio.

Tendência de expansão
O e-learning é uma nova fronteira para os cursos de MBA no mundo. “No exterior, há excelentes cursos nesse modelo”, afirma Armando Dal Colletto. No Brasil, o modelo que desponta é o híbrido, que mistura atividades on-line e presenciais.

A possibilidade de implementar um curso completamente virtual é desaconselhada pelo diretor da Anamba. “O brasileiro gosta de contato, da troca. Escola boa oferece bom networking, com gente trabalhando em cargos e empresas importantes. Esse é um dos grandes trunfos do MBA”, acrescenta Dal Colletto.

Na opinião dos especialistas, o mercado de MBA caminha para uma futura divisão dos cursos entre “insipientes” – cursos mais acessíveis, mas sem credenciamento e sem uma boa rede de contatos –, e os “de qualidade” – com carga horária mais parruda, professores renomados, credenciados e conectados com ideias de inovação e sustentabilidade.

Além disso, a percepção entre os analistas é que os tradicionais mercados de MBAs do Rio de Janeiro e São Paulo sofrerão expansão para outras regiões do Brasil, para atender profissionais que não têm necessariamente formação em administração, como advogados, engenheiros e jornalistas, entre outros. A ideia é que tais profissões demandarão cada vez mais conhecimentos gerenciais.

O que um bom curso de negócios precisa oferecer
 • Conteúdos que contemplem o aspecto funcional da empresa, preparando o aluno para adquirir visão sistêmica de seu trabalho;• Carga horária adequada;• Iniciativas para desenvolver as características de um gestor, ou seja, ampliar conhecimentos de uma área para o todo;• Processo seletivo e corpo docente qualificado;• Materiais desenvolvidos de maneira organizada;• Investimento em infraestrutura;• Apoio a networking, mesmo após o término do MBA;• Possibilidade de experiência internacional;• Plano de aula debatido com a coordenação acadêmica.

 

Selo nacional
A Associação Nacional de MBA (Anamba) criou dois padrões para avaliar os cursos de negócios brasileiros. Conheça as características de cada selo e as regras que as instituições devem seguir para obter a certificação concedida pela entidade:• Padrão Brasil – destinado a profissionais com formação superior recém-concluída, o curso deve ter carga horária mínima de 360 horas/aula, sendo no máximo 20% no sistema de ensino a distância. O conteúdo trabalhado deve abordar ao menos 240 horas sobre temas relacionados à ética, sustentabilidade, finanças, operações, recursos humanos, comportamento organizacional, teoria da decisão, métodos quantitativos, tecnologia da informação, economia, marketing, liderança, comunicação e estratégia. Além disso, 50% do quadro docente deve ter qualificação na área da disciplina em que atua e ter autoria em publicações relevantes para o ambiente de negócios nos últimos cinco anos.• Padrão Global – tem foco nos profissionais graduados com experiência profissional de três anos que ocupem uma posição de liderança ou queiram atingi-la. Além da análise de currículo – típica do padrão Brasil – a seleção inclui avaliação de habilidades lógicas e quantitativas e interpretação de texto. A carga horária mínima é de 480 horas, com no máximo 20% em EAD e 320 horas devem incluir os mesmos temas do padrão Brasil. Todo corpo docente deve ter pós-graduação, sendo 70% com título de mestrado e/ou doutorado e, no mínimo, 20% de doutores em relação ao quadro geral. Além disso, 75% dos professores têm de ter qualificação profissional na área da disciplina que lecionam e trabalhos publicados.

 

Laboratório de negócios
A MIT Sloan School of Management (a escola de gestão do Instituto de Tecnologia de Massachusetts), há dez anos adota um programa de aprendizado mais prático para os seus alunos. A partir do MIT Global Entrepreneurship Laboratory (G-Lab) a instituição estabelece parcerias com empresas multissetoriais, de diversos portes e países, pelas quais os alunos dão suporte às companhias em projetos que tenham como viés a inovação. “O laboratório tem duas fases: a primeira refere-se ao trabalho remoto no campus e a segunda contempla visita de três semanas à empresa para dar os retornos”, diz Trond Undheim, professor de economia global e gestão do MIT. Segundo ele, tal projeto começa a ser executado intensamente no Brasil, Vietnã e Indonésia. A escolha do Brasil como um dos focos do G-Lab se deu por conta da crescente demanda dos negócios em solo nacional. “Consumidores e empresas cada vez mais sofisticados nos fizeram visualizar um movimento rápido de startups, que podem se beneficiar com as dicas de nossos alunos”, afirma Undheim.