MERCADO | Edição 207

Com algumas instituições relatando queda no número de matrículas, setor busca alternativas para voltar a crescer

por Gérson Trajano

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As instituições de ensino superior iniciaram o ano cautelosas. Segundo estimativas do Semesp, as matrículas em cursos presenciais deverão cair em torno de 10% neste ano em relação a 2015. Os motivos são conhecidos pela maioria dos gestores: o encolhimento do Fies e a crise econômica. Cerca de 80% dos jovens da classe C, justamente o público que vinha engrossando o número de estudantes no ensino superior, têm renda per capita de até 1,5 salário mínimo (R$ 1.320). Considerando que apenas uma parcela deles teve ou terá acesso ao financiamento governamental, é possível supor que muitos estão sem condições de ingressar ou continuar os estudos.

“A crise atingiu todos os setores produtivos do país e interrompeu a redução na desigualdade de renda e a melhoria da qualidade de vida das famílias mais pobres. O ensino superior não poderia ficar de fora dessa realidade. O efeito disso é a baixa no número de matrículas”, explica Lúcia Maria Teixeira, presidente da Universidade Santa Cecília (UniSanta) e vice-presidente do Semesp.

A Universidade Sagrado Coração (USC), fundada em 1953 em Bauru (SP), foi uma das poucas instituições procuradas pela reportagem que aceitou falar abertamente sobre os impactos do cenário econômico em seus negócios. No primeiro semestre do ano, a instituição notou redução de 5% na taxa de matrículas em comparação com o mesmo período do ano passado. Os cursos mais prejudicados foram as graduações de química, matemática, música, ciência da computação, farmácia e o curso de gestão de recursos humanos (tecnólogo). Por falta de inscritos, nos últimos três anos a USC fechou dois cursos: marketing (tecnólogo) e geografia.

“A diminuição dos ingressantes deve-se em grande parte ao corte no Fies. O setor, atrelado ao programa, tinha uma previsão de crescer 10% até 2017 e agora é estimado um decréscimo de 5%. Isso representa a exclusão de milhares de vagas”, enfatiza Susana de Jesus Fadel, reitora da USC. Outro motivo é o desemprego. “Ele afugenta o universitário e o impede de continuar investindo ou de investir em sua formação acadêmica”, complementa. A afirmação se baseia em uma pesquisa realizada internamente que apontou a relação entre a falta de recursos financeiros e o trancamento das matrículas. “Os dados apontam o fator financeiro como a principal causa da evasão, seja pela diminuição da renda das famílias, seja pela redução da expectativa de empregabilidade dos jovens”, diz em tom enfático a reitora da instituição, que tem hoje 7 mil alunos.

De acordo com a Serasa Experian, houve um incremento de 22% no número de universitários que não conseguiram pagar a mensalidade nos seis primeiros meses de 2015. O comportamento seria um reflexo do salto nos índices de desemprego, que atinge especialmente a faixa etária de 18 a 24 anos.

Já no Centro Universitário Araraquara (UniAra), a queda nas matrículas em cursos presenciais ficou em torno de 10% a 15% no mesmo período. “Se houver uma redução significativa de matriculados teremos de rever os nossos investimentos para não perder a qualidade”, diz Luiz Felipe Cabral Mauro, reitor da instituição. Os cursos mais afetados foram os de medicina, enfermagem, odontologia, farmácia e fisioterapia.

Saída

O corte no principal programa de financiamento estudantil alertou as instituições para a necessidade de repensar suas estratégias de expansão. Para evitar ou diminuir a dependência do recurso, os especialistas recomendam restringir, nas previsões orçamentárias, as receitas do Fies a até 30% do total. “Mais do que isso, é pôr em risco até o pagamento dos funcionários e professores, caso haja uma redução drástica do financiamento público”, afirma Wilson Diniz, diretor de marketing da Cruzeiro do Sul Educacional.

Mas sabendo que a falta de recursos é uma das razões que afastam jovens e adultos do ensino superior, uma possível solução é criar programas próprios de crédito ou recorrer a parcerias. “Para romper a dependência do dinheiro público, preferimos criar um programa de crédito interno, por meio do qual o aluno pode conseguir até 50% do valor da sua mensalidade em crédito estudantil pagando o valor concedido depois de formado”, detalha Guilherme de Oliveira Lima Carapeba, pró-reitor administrativo da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste).

Também é recomendável às IES a diversificação de cursos e formatos. Como foi enfatizado na 12ª edição das Jornadas Regionais (leia mais na pág. 30), há oportunidades no segmento dos cursos tecnológicos, que precisam ser revitalizados e mais bem comunicados para que os jovens e adultos enxerguem seus benefícios.

 

Fies 2016
Com o corte orçamentário, o Fies teve uma redução de 50%, aproximadamente, entre 2015 e 2014. Foram oferecidos 350 mil contratos, ante 731 mil. A redução ainda teve um agravante: metade das vagas ficou ociosa em função dos novos pré-requisitos. A exigência da pontuação mínima de 450 pontos no Enem somada aos critérios de renda, curso e região restringiu consideravelmente o universo de candidatos elegíveis ao programa. Para o primeiro semestre do ano, o MEC ofertou 250.279 vagas em 1.337 instituições. Procurado pela reportagem, o ministério não informou o total de contratos formalizados até o encerramento das inscrições dos estudantes pré-selecionados (ocorrido no início de fevereiro).