Instituições de ensino adotam produtos tecnológicos para reter a atenção dos alunos, acelerar o processo de aprendizado, melhorar a nota dos estudantes e prepará-los para continuar aprendendo para além do conhecimento da sala de aula

por Felipe Falleti
p32-iStock_000031675504XLargeA história marcará esta década como o decênio da disrupção no ensino superior. Mais do que uma epígrafe de um guru visionário, a frase é a conclusão do estudo sobre o futuro da educação nas universidades do mundo conduzido pelo instituto New Media Consortium (NMC) em 13 países do globo, incluindo o Brasil. Com sede no Texas, nos Estados Unidos, o NMC conduziu pesquisas em 54 universidades de países da Europa, América do Norte, Ásia e América Latina para concluir que, até 2018, as principais instituições de ensino superior já terão adotado plataformas como aulas virtuais, salas de aula colaborativas e recursos de “learning analytics” e “big data” para tornar seu processo pedagógico ao mesmo tempo atraente para as novas gerações e capaz de ensinar os jovens a continuar aprendendo, mesmo após a conclusão de seus cursos.

“Há muitos anos há a promessa de que a sala de aula deixará de ser um ambiente em que um professor fala e faz anotações na lousa enquanto os alunos copiam notas em seus cadernos. Este momento já chegou em muitas universidades no mundo e, de acordo com nossas pesquisas, deve tornar-se onipresente até 2018”, afirma, em entrevista por e-mail, Samantha Becker, pesquisadora-chefe do estudo conduzido pelo NMC.

Entre as principais tendências apontadas por Samantha está a formação de “salas de aula invertidas” e o uso massivo de recursos tecnológicos como games e aplicativos para reter a atenção dos alunos. O primeiro conceito refere-se à mudança na forma como as aulas são ministradas. Na sala invertida, os alunos pesquisam os temas propostos pelas disciplinas por conta própria e o tempo em sala de aula é usado para que o professor atue como um tutor ou conselheiro de estudos.

“Este conceito exige mais do aluno, pois o conhecimento não lhe é entregue pronto, de maneira dissertativa, mas exige que ele pesquise e discuta com seu professor o processo de construção do conhecimento”, afirma Samantha. De acordo com a pesquisadora, este modelo deve tornar-se predominante pois a habilidade de continuar apreendendo em redes será essencial para os profissionais do futuro. “O fato é que, nunca antes na história da humanidade, o conhecimento se transformou tão rapidamente. Então, o que aprendemos hoje certamente será obsoleto em pouco tempo de forma que a habilidade principal é saber descobrir o que mudou e interpretar tendências, prever para onde o conhecimento está se deslocando”, diz.

Estudo em análise

O processo invertido exige, no entanto, novas formas de medir a evolução do conhecimento por parte dos alunos, se possível em tempo real. Um exemplo deste método já é aplicado no Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal) que adotou aplicativos para aferir o nível de compreensão dos alunos após cada conteúdo ser exposto. Em uma aula de direito, por exemplo, o estudante pode ser submetido logo após um debate ou exposição a um “quiz” que pode ser respondido direto em seu smart­phone. Este tipo de processo permite que o professor compreenda claramente quais tópicos foram bem assimilados e se há temas que ainda devem ser trabalhados, pois o nível de compreensão ainda é baixo. O uso de plataformas digitais no processo de aprendizagem, aliás, mais do que integrar novas tecnologias ao processo de ensino permite aos bancos de dados das universidades acumular informações sobre todo processo de aprendizagem de um aluno ou turma, fenômeno chamado de big data. Por meio desta análise, softwares de data mining (a
nálise de dados) podem oferecer insights aos professores, sobre que tipo de dificuldade cada aluno ou turma tem, o que facilita a correção de rumo no processo de ensino.

Esse processo, portanto, exige o “input” de dados por parte do aluno em sistemas digitais, como a participação em provas eletrônicas, quiz ou games. “No início da década, a gente entendia que ‘digitalizar’ a aula era introduzir material multimídia no processo de aprendizado, como lousas digitais que permitem projetar apresentações em power point ou rodar vídeos do YouTube. O que vemos agora é que esse processo está ocorrendo em duas mãos, ou seja, o professor oferece conteúdo digital e o aluno dá respostas também digitalizadas”, afirma Edson Nogueira dos Santos, pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Um dos exemplos desse processo bidirecional e interativo já está em prática na Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, onde uma disciplina de gameficação foi criada. “Gameficar” significa não apenas tornar divertida a exposição de conteúdos, mas criar formas mais atrativas e capazes de engajar os alunos, mensurar seus resultados por indicadores objetivos e premiá-los com itens virtuais. Um aluno com ótimo desempenho pode ganhar um avatar de “guru” enquanto o de baixa performance pode limitar-se ao avatar de “baby”. “Há vários estudos que mostram que o caráter lúdico e o desejo de ganhar mais status dentro de um jogo incentivam o aluno a dedicar-se mais, o que, na prática, resulta em melhor desempenho nas disciplinas ensinadas”, afirma Nogueira dos Santos.

O especialista aponta ainda vantagens como a capacidade do game de gerar relatórios rápidos (learning analytics) para o professor e maior capacidade de atrair a atenção dos estudantes da geração Y. “Alunos que cresceram em um contexto multiconectado apresentam mais dificuldade de concentração em aulas ministradas só por meio da fala do professor. Sem dúvida, este é um recurso útil”, afirma o pesquisador da Unesp.

Virtualidade com pés no chão

Além das plataformas de software, novos tipos de hardware vão ocupar espaço na sala de aula, facilitando a compreensão de contextos complexos. No campus da Universidade de São Paulo (USP), na cidade de São Carlos, por exemplo, impressoras 3D são usados por alunos dos cursos de engenharia robótica para projetar e testar componentes. “A possibilidade de você ter um protótipo na sua mão e testá-lo em um ambiente físico, ao invés de apenas vê-lo de forma virtual ou em desenhos, sem dúvidas, permite identificar falhas de projeto e compreender melhor conceitos teóricos”, diz Maurício Oliveira, aluno do curso de engenharia da computação de São Carlos.

Este tipo de gadget pode, ainda, ter aplicações em disciplinas como arquitetura, design, química, física e medicina. Uma nova fronteira para a concepção de projetos acadêmicos deverá ser, ainda, o uso de projetores holográficos, que permitirão a um aluno de arquitetura, por exemplo, exibir uma casa em todas as suas dimensões e aplicar mudanças no projeto, conferindo essas mudanças, em três dimensões, em tempo real.

Na avaliação de Samantha Becker, do NMC, no entanto, o uso de tecnologias só faz sentido como ferramenta para melhorar a transmissão do conteúdo, não substituindo o papel do professor e sua qualificação acadêmica. “Gadgets e plataformas de soft­ware são apenas ferramentas, como uma alavanca, que multiplica nossa força. Não faria nenhum sentido investir em infraestrutura tecnológica se, antes, a universidade não se cercasse de mestres qualificados e com domínio dos conteúdos que ensinam”, afirma Samantha.