Pesquisador defende a formação continuada dos professores para alavancar a mudança na educação brasileira e defende que a produção científica na área é o principal meio para as melhorias

por Márcia Soligo

 

172_15A produção científica é tida como peça-chave para a evolução da sociedade. E é assim também com a educação: para alcançar a excelência na qualidade de ensino no Brasil é preciso fomentar a produção científica nesta área, para que a educação cresça a passos mais largos, recuperando o tempo perdido com a ditadura e com a falta de investimentos públicos.

A opinião é traduzida da conversa com Alberto José da Costa Tornaghi, editor da revista Educação e Cultura Contemporânea, da Universidade Estácio de Sá, e coordenador do Fórum de Editores de Periódicos da Área de Educação (Fepae), organizado pela Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Tornaghi é mestre e doutor em engenharia de sistemas, e direcionou seus estudos para a educação a partir da sua dissertação de mestrado. O trabalho versa sobre o uso de tecnologia na educação por meio de edição cooperativa, implantada nas escolas do Rio de Janeiro, mostrando como a produção científica influencia no ensino do país.

Além da importância do uso da tecnologia para estimular a curiosidade dos alunos, na entrevista a seguir, Tornaghi fala sobre os desafios da produção científica no país e dos efeitos que essa produção provoca na realidade da educação brasileira.

Ensino Superior: Qual a sua opinião a respeito da produção científica na área de educação no Brasil?

Alberto Tornaghi: A impressão geral é que o número de periódicos é muito maior. Tem a exigência da Capes que qualifica pesquisadores e programas de pós-graduação em função do volume de publicações, então isso força a gente a publicar mais. No âmbito das discussões do fórum de editores científicos de educação que criamos na ANPEd, demos conta da existência de mil títulos nessa área. Além do aumento no volume de publicações e de periódicos, a qualidade também está melhorando bastante. Duas discussões importantes para nós estão acontecendo agora, uma é sobre a internacionalização e a outra questão diz respeito à descentralização da produção, hoje muito centralizada nas regiões Sul e Sudeste. Temos discutido com a Capes e o CNPq a criação de editais de fomento às revistas que estão crescendo agora. E a gente vê que há um número considerável de revistas cada vez melhores.

Qual a relevância de desenvolver a pós-graduação em educação para a sociedade?

Eu desenvolvi no meu mestrado um programa para aprendizagem colaborativa, um programa de computador que chegou a rodar em 400 escolas do Rio. Essas inovações até chegam à escola, mas a pesquisa de ponta não muda nossa vida imediatamente, ela nos capacita a mudar a sociedade como um todo porque a gente sabe mais coisas. Na realidade, a pesquisa tem de ter um lado que se volta para o uso imediato, para melhorar a vida das pessoas de maneira concreta, mas nem sempre, pois, às vezes, são resultados que estão muito além de seu tempo. Na educação, o que vai ser benefício para os brasileiros é o fato de ter professores mais especializados no futuro. A sala de aula não muda imediatamente, o que muda é o contexto social na medida em que o conhecimento está um pouco mais presente.

Fale um pouco sobre a revista Educação e Cultura Contemporânea, da Estácio.

A revista tem oito anos e faz parte do programa de pós-graduação em Educação da universidade. Passou a ser on-line no ano passado e está bem avaliada pela Capes. Nós passamos para B1 [classificação que mede a qualidade dos periódicos científicos] e queremos atingir A na próxima avaliação. O que fazemos é muito bem feito. Uma coisa importante foi a profissionalização da gestão, que trouxe um olhar mais ampliado sobre o que o empreendimento pode realizar. É uma tendência que está ocorrendo nas instituições e que, aos poucos, nos leva a perceber que a universidade precisa ter pesquisa para ser de qualidade. Nós somos ainda uma revista pequena de um programa, com pouca infraestrutura, mas que tem potencial para ampliar. Essa é mais ou menos a realidade de todos e por isso o financiamento da Capes e CNPq é importante.

Você percebe um interesse crescente sobre educação como linha de pesquisa?

Eu mesmo sou de outra área, sou físico. Fiz meu mestrado e doutorado em Educação, pesquisando o uso de tecnologia aplicada a isso. Mas eu diria que tem aumentado, que o governo está valorizando essa formação. Agora vai haver crédito educativo para pós-graduação, uma bolsa equivalente ao financiamento para as graduações. Existem duas perspectivas na busca pelo mestrado: uma é de alguém que deseja uma melhoria salarial, que está atrás dos incentivos, e a outra é daqueles que realmente querem aprofundar um estudo. No final temos tido gratas surpresas de alunos que vêm fazer um mestrado só porque vão ter uma promoção e se apaixonam.

O que mudou?

Não existe um desenho, estudar é muito bom, é muito divertido, as pessoas se encantam com o nosso programa, por exemplo, o qual faz uma interlocução com a vida concreta que o sujeito leva, e isso tem ajudado bastante. Também acho que tem melhorado a qualidade dos nossos alunos, eles vêm com mais bagagem, com mais interesse. Mas para afirmar isso eu precisava olhar para um período histórico de dez anos, e eu estou olhando para um período de três ou quatro anos. Então é uma percepção acompanhada por um desejo. O fato é que hoje a educação passa a ter outro valor. Na década de 1960 era muito importante ser professor e a ditatura foi despolitizando esse trabalho. Era na escola que se formavam as cabeças críticas, o que deixou de acontecer, e acabou que a profissão de professor passou a ser secundária. É somente a partir da década de 1990 que o mundo começa a perceber que a educação é um valor, um bem mesmo para um mundo capitalista. Até 1970 o que dava dinheiro era fabricar geladeira, televisão. Hoje o que dá dinheiro é o mundo do entretenimento que pressupõe certa cultura, e para isso o sujeito tem de ser alfabetizado. É uma construção histórica e de longo prazo, em que a escola passa a ter mais importância na medida em que o mundo capitalista passa a vender cultura.

Você acredita que os professores voltaram a se enxergar importantes para o processo de melhoria da educação no Brasil?

Uma quantidade enorme de professores no país hoje está fazendo curso de pós-graduação, isso promete a médio prazo uma grande melhoria. Essa questão da formação e da formação continuada é central. Além disso, é uma medida bastante consistente ver que o sujeito passa a se perceber importante e que sua formação também o é. Num relatório da década de 1990, o Banco Mundial identificou as coisas que são fundamentais para a educação de qualidade, e entre elas está a existência de professores que percebem a sua importância na definição de políticas da escola e que estão em processo de formação continuamente. Na medida em que passa a ter valor social, o professor é prestigiado por conta disso. A escola dele é procurada e isso faz toda diferença, muito mais do que salário. Não há dúvida de que salário é importante também, pois é preciso pagar a conta do armazém no final do mês, e ele tem de ter conforto, porque não faz sentido você ser professor e não ter dinheiro para ir ao teatro ou ao cinema, por exemplo.

Você acredita que há diferença – do volume, qualidade ou investimento – entre a produção científica em educação no Brasil e a de outros países?

Com certeza. O volume de dinheiro que se gasta em Harvard para manter a universidade acho que nenhum sistema público local no Brasil tem para a educação. O investimento percentual aqui é baixo, precisa aumentar. Esse é um assunto que já está aí, com a destinação do dinheiro do pré-sal para a educação. O retorno é ótimo, mas é um investimento para longo prazo. Até existe uma boa perspectiva de finalmente ter governos pensando nisso de maneira um pouco mais sistemática. Não é generalizado ainda, mas é uma política de governo.

E como isso pode ser acelerado, potencializado?

O programa Um Computador por Aluno, por exemplo, tem vários focos e objetivos, mas um deles é que a garotada tenha um computador, ponto. Com o computador ele começa a aprender a interagir com o conhecimento, ainda que empírico, e assim passa a cobrar do professor. É mais um caminho de apostar que a informação não precisa vir pelo ensino formal, não obrigatoriamente. A internet tem uma característica que é a de trazer diversidade com interatividade, aí você tem o prazer de fazer as coisas, de errar para depois acertar. Esse é um novo desenho, que estimula a curiosidade, mas o qual a escola tradicional acaba matando. Então a pesquisa está começando a trazer um olhar que é desmistificador. Porque no Brasil são milhares de escolas e cada uma tem características diferentes.

O professor começa a ver que o mundo não tem verdades prontas e que a escola dele não é igual à de outros cantos. Conhecer essas coisas todas leva o professor para a sala de aula com menos certeza e com mais direito de errar. Então, essa construção a gente vai fazendo na medida em que sabe mais e percebe que não sabe tudo, que pode não saber tudo. Esse é um passo muito importante que a escola está precisando dar.