Para a Anaceu, a educação básica pública está calamitosa e é preciso desburocratizar o sistema de avaliação das instituições de graduação

entrevista com Paulo Antonio Gomes Cardim

p32-Paulo Cardim_DSC_0045 grandeEnsino Superior: Qual a expectativa da Anaceu em relação ao novo mandato da presidente Dilma Rousseff para o setor da Educação como um todo? E para o ensino superior, especificamente?
Paulo Antônio Gomes Cardim, presidente da Anaceu: No seminário promovido pela Abmes com os coordenadores dos projetos para a educação dos três candidatos mais votados nas últimas eleições, o ministro José Henrique Paim, que representava a candidata Dilma Rousseff, afirmou que, em novo mandato, a presidente daria ênfase à ampliação e desenvolvimento do ProUni e do Fies, como uma das estratégias para o atingimento da meta de 33% de taxa líquida de matrícula no ensino superior, como prevê o Plano Nacional de Educação, para o próximo decênio. Por outro lado, disse que o Pronatec também seria ampliado e desenvolvido, como um dos mais exitosos programas do atual governo. Esses três compromissos beneficiam as instituições de ensino superior da livre iniciativa para que possam abrigar estudantes de baixa renda, sem condições de arcar com os ônus dos encargos educacionais. Na área da regulação, avaliação e supervisão, o ministro Paim colocou – como pré-requisito para a melhoria e aceleração desses processos -, a aprovação do Instituto de Supervisão e Avaliação da Educação Superior, o Insaes, que tramita no Congresso Nacional, mediante proposta do Executivo. Somos favoráveis ao Insaes, desde que a redação final contemple as emendas que assegurem a participação das entidades representativas das IES da livre iniciativa nos órgãos colegiados que vão regulamentar a operacionalização dessa autarquia, promovendo a aplicação da Lei nº 10.861, de 2004, que institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), e da LDB – Lei nº 9.394, de 1996, especialmente, nos processos de avaliação e supervisão. O Insaes poderá, desse modo, promover a segurança jurídica necessária para que as IES particulares possam desenvolver a educação sem os embargos da burocracia e o uso indevido de indicadores não previstos em Lei, como o IGC e o CPC. No mais, quanto menos interferência do Estado no desenvolvimento das IES da livre iniciativa, melhor e maior contribuição poderemos oferecer à sociedade brasileira, com qualidade e responsabilidade social.

Durante o período eleitoral, em suas falas a presidente, enfatizou ações educacionais destinadas ao ensino médio, fundamental e técnico, principalmente, em termos de investimento. Na visão da Anaceu, a ênfase a outros segmentos educacionais pode deixar o ensino superior com menos protagonismo nesses próximos quatro anos de governo?
Pelo contrário, caso, realmente, a presidente Dilma Rousseff cumpra a sua promessa de campanha, com ações de melhoria da educação básica pública, as IES, privadas e públicas, serão altamente beneficiadas, por acolherem estudantes melhor formados e em reais condições de continuarem e concluírem, com êxito, os seus estudos em nível superior. Sabemos que a educação básica está sob a responsabilidade dos entes federados e dos municípios, fato que torna essas ações mais complexas. Todavia, com o uso da inovação e da criatividade nas ações do governo federal, em relação às responsabilidades desses entes, o simples cumprimento das metas e estratégias do Plano Nacional de Educação para esse nível de ensino poderá alavancar a qualidade da educação básica pública.

Em seu discurso de agradecimento, quando reeleita presidente, Dilma Rousseff enfatizou que vai “continuar construindo (…) um Brasil cada vez mais voltado para a educação, para a cultura, ciência e inovação”. Na opinião da Anaceu, quais são os investimentos reais, as ações concretas, feitas pelo governo federal no ensino superior que garantem essa afirmação?
Para a educação superior, as ações da presidente Dilma Roussef que mais atenderam aos propósitos da livre iniciativa foram as relativas ao ProUni, Fies e Pronatec. Houve, contudo, uma quebra de contrato em relação ao ProUni, provocando desconfianças de todos os segmentos atingidos, em relação aos reais propósitos do governo. No âmbito da educação superior pública, o governo ampliou vagas e IES. Essas ações, contudo, não beneficiam radicalmente os estudantes de baixa renda, que são minoria na comunidade estudantil. Nas áreas da cultura, ciência e inovação, a livre iniciativa não teve acesso a benefícios fiscais ou relativos a investimentos ou apoios. A investigação científica nas IES particulares, um dos pilares da universidade, não tem apoio do governo federal, especialmente, nos investimentos necessários à aquisição de equipamentos e construção de ambientes específicos, como laboratórios e serviços. Caso a presidente Dilma cumpra a sua promessa, estendendo suas ações às IES da livre iniciativa, poderá caracterizar o seu governo como pioneiro nesse sentido.

A presidente Dilma Rousseff tem falado muito sobre a necessidade de investimentos em ciência, tecnologia e inovação para ser construir uma “sociedade do conhecimento”, nas palavras dela. As instituições de ensino superior particulares estão preparadas para atender a demanda da tecnologia, inovação e ciência? Há infraestrutura suficiente e professores capacitados?
Como disse na resposta anterior, o governo federal não tem promovido políticas e ações para apoiar os investimentos em ciência, tecnologia e inovação das IES particulares. Creio que a grande maioria das universidades e dos centros universitários não está equipada para ações de maior porte nessas áreas. Os recursos que essas IES usam são os oriundos das mensalidades escolares, pagos pelos estudantes para a oferta de cursos de graduação. Na pós-graduação stricto sensu, ambiente propício ao desenvolvimento dessas atividades, os recursos oriundos das mensalidades são insuficientes, sequer, para remunerar os docentes e pesquisadores. A Capes não oferece bolsas de estudos a esses alunos com a mesma frequência e amplitude das bolsas ofertadas aos mestrandos e doutorandos das universidades públicas. As IES da livre iniciativa, mesmo com as limitações impostas pelas políticas e ações governamentais, até agora, têm procurado contribuir para o desenvolvimento da sociedade do conhecimento, cumprindo a sua responsabilidade social. O apoio governamental, todavia, é peça fundamental para alavancar a pesquisa nas universidades particulares.

Em seu plano de governo, a presidente Dilma avalia que a eficiência produtiva brasileira passa necessariamente pelo acesso à educação de qualidade “como grande motor da transformação”. Na visão da Anaceu, o que efetivamente precisa ser feito para essa afirmação tornar-se realidade? Quais são os investimentos concretos que o governo federal precisa fazer?
A eficiência produtiva passa pela educação de qualidade, desde a educação infantil aos níveis mais elevados do ensino. A má qualidade da educação básica pública é o principal gargalo para esse “grande motor da transformação”. Efetivamente, o governo federal deve assumir a sua responsabilidade, conduzindo estados e municípios aos caminhos da responsabilidade social no desenvolvimento da educação básica, intervindo em estados e municípios que não atenderem às metas e estratégias do Plano Nacional de Educação para o próximo decênio, um extraordinário instrumento de política pública que poderá reverter a atual situação da educação básica pública. Os investimentos governamentais nessa área devem ser para reconhecer as escolas que promovam ensino de qualidade, com inovação e criatividade, ao mesmo tempo em que estimulem ações concretas e efetivas de melhoria substancial das que estão abaixo dos indicadores mínimos de qualidade. Simplesmente, continuar a distribuir ônibus, merenda, livros e outros insumos, aleatoriamente, para atender aos pedidos de políticos, descompromissados com a educação, mas ávidos de votos, não promoverá nenhuma melhoria radical da educação básica pública. Os investimentos nessa área devem ser para premiar a qualidade e estimular a saída dos baixos índices de qualidade.

Pelos números do governo federal, o orçamento destinado à educação, em 2014, foi de R$ 112 bilhões. Isso representa aumento de 223%, quando comparado aos R$ 18 bilhões investidos na área em 2002. Quanto mais é preciso incrementar nesse valor para termos uma melhora na educação do país em todos os segmentos?
O volume de recursos orçamentários destinados à educação não deve impressionar a ninguém. Primeiro, porque podem não ser liberados nesse montante. Há a opção de serem “contingenciados”, expressão governamental para corte de verbas públicas. Segundo, porque a qualidade da educação não está dependendo exclusivamente da alocação de recursos financeiros, mas, sim, da boa aplicação desses recursos. Grande parte dessa dotação orçamentária é para as universidades públicas e congêneres. A autonomia dessas instituições tem sido, até agora, o grande obstáculo para que esses recursos sejam aplicados adequadamente, em particular, na condução de pesquisas que realmente possam contribuir para o desenvolvimento científico, tecnológico e industrial do nosso país. Cremos que liberados os recursos orçamentários previstos, com equidade e competência gerencial, poderá haver melhora substancial na educação do país, em todos os segmentos.

A presidente Dilma destinará recursos provenientes da exploração do petróleo, no pré e no pós-sal, para a Educação. Está previsto o repasse de 75% dos royalties do petróleo e 50% dos excedentes em óleo do pré-sal. Como a entidade avalia essa ação? E quanto desse montante seria ideal para ser revertido ao ensino superior e como?
Os recursos provenientes do pré-sal ainda são um sonho, estimulado pelos marqueteiros. Para a sua concretização, a Petrobrás deverá realizar vultosos investimentos, que estão sendo substancialmente prejudicados por ações inconsequentes, como a compra da Refinaria de Pasadena e a aplicação de recursos em obras superfaturadas, como vem comprovando a operação Lava Jato da Polícia Federal, a Controladoria Geral e o Tribunal de Contas da União. Caso a Petrobrás volte a trilhar os caminhos do “Petróleo é Nosso” e abandone ações predatórias, esses recursos, quando efetivamente arrecadados, poderão contribuir, significativamente, para a melhoria da educação básica pública, revertendo em favor do desenvolvimento da educação superior, privada e pública, com qualidade e responsabilidade social.

Qual o impacto do ensino fundamental e médio hoje nas instituições de ensino superior? Como a Anaceu avalia a formação dos brasileiros nesses segmentos?
A formação dos brasileiros na educação básica pública tem sido calamitosa, refletindo-se na qualidade da educação superior, particular e pública. Tem contribuído para limitar o acesso de milhões de jovens aos cursos de graduação e para o alto índice de evasão e produtividade desse nível educacional. Os números do Enem comprovam isso. Com mais de oito milhões de inscritos, acessam o ensino superior apenas cerca de 30%. Mais de cinco milhões de jovens são barrados em seus sonhos e projetos, por terem recebido uma educação pública de má qualidade. Esse cenário terá de ser revertido em curto prazo, caso contrário, o Brasil continuará a ser um país de “bolsas famílias”, onde, em vez da redução anual do número de beneficiados, poderá continuar a ter uma expansão insustentável, em médio prazo.
Ou a educação básica pública promove um salto de qualidade ou o Brasil vai amargar décadas de obscurantismo, crescendo a passos de cágado, marginalizando milhões de jovens da educação, da ciência, da tecnologia e da cultura.

No programa de governo da presidente Dilma, ela cita que uma das “grandes transformações no ensino superior foi a duplicação do número de matrículas nas universidades brasileiras, entre 2002 e 2013”. Como a Anaceu avalia essa afirmação?
Não comungamos com o entusiasmo da presidente Dilma Roussef nessa área. Essa duplicação do número das matrículas nas universidades brasileiras, entre 2002 e 2013, foi irrisória, não atingindo a meta do Plano Nacional de Educação – 2001/2010. A meta pretendia uma taxa líquida de matrícula de 33%, ao final da década. Atingimos 11%. A meta dos 33% passou para o segundo PNE, para o próximo decênio, e, com as ações até agora desenvolvidas, cremos que não será atingida.

Há o que aprimorar nas linhas de crédito e financiamento estudantil como o ProUni e Fies? É necessário criar alguma outra forma de financiamento?
Na audiência pública, promovida pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, com o tema “Dez anos do ProUni – balanço e perspectivas”, apresentamos, em nome da Anaceu, algumas propostas para a melhoria e ampliação do ProUni. Nessa oportunidade, afirmamos que o ProUni é o programa assistencialista do governo federal que pode promover a sustentabilidade social de milhões de jovens brasileiros, marginalizados da educação superior pública e gratuita. Atualmente, essa cifra é pouco superior a um milhão, mas poderá alcançar níveis muito mais elevados, caso sejam promovidas alterações e adequações à legislação e normas vigentes. O ProUni “ensina a pescar”, eis a diferença.
O acordo que resultou na Lei nº 11.096, foi alterado, pela Lei nº 12.431, de 2011, sem respeitar as tratativas com as entidades representativas da livre iniciativa na educação superior, como a Anaceu, que possibilitaram a implantação do ProUni. A nova lei modificou a forma de cálculo da isenção fiscal prevista na lei que institucionalizou o ProUni, passando a isenção a ser calculada “na proporção da ocupação efetiva das bolsas devidas”. Esse rompimento unilateral de contrato conduziu a situações que fragilizaram o ProUni, prejudicando o alcance de metas mais ambiciosas de inclusão social na educação superior.
Naquela oportunidade, após abordar as fragilidades do ProUni, apresentamos, em nome da Anaceu, as seguintes propostas:
1. Elevar a renda familiar, para a obtenção da bolsa integral, para cinco salários mínimos.
2. Elevar a renda familiar, para a obtenção da bolsa parcial (50%), para oito salários mínimos.
3. Revogar a Lei nº 12.431, de 2011, para excluir o dispositivo que calcula a isenção fiscal “na proporção da ocupação efetiva das bolsas devidas”.
4. Aplicar exclusivamente o Conceito de Curso (CC), estabelecido pela Lei do Sinaes, como define a Lei nº 11.509, de 2007, para a desvinculação dos cursos de graduação do ProUni.
5. Excluir a expressão “da própria escola” da exigência de o estudante ter cursado o ensino médio completo em escola da rede privada, na condição de bolsista integral.
6. Ampliar a oferta da bolsa permanência, com a alocação de recursos orçamentários próprios e mais expressivos, no orçamento do MEC, a partir de 2015.
7. Excluir a exigência de jornada diária de mínima de 6 horas para a concessão da bolsa permanência.
8. Cumprir a Estratégia 12.20 da Meta 12 do PNE, que visa ampliar, no âmbito do ProUni, “os benefícios destinados à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores presenciais ou a distância, com avaliação positiva”.

O Enem consolidou-se, definitivamente, como instrumento legítimo de acesso às instituições de ensino superior?
Não creio que o Enem seja “um instrumento legítimo” de acesso às IES. O Enem deixou de avaliar a real qualidade do ensino médio. A partir do momento em que passou a ser um vestibular para a graduação, reapareceram os cursinhos preparatórios, que mascaram a qualidade da educação básica. Por outro lado, transformou-se em um instrumento duvidoso de certificação do ensino médio. O acesso às IES privadas e públicas deve ser descentralizado e democratizado, mas sem descaracterizar o Enem, que não foi criado para ser vestibular, mas avaliar a qualidade do ensino médio.

Em relação ao Sisu, há algo que poderia ser aprimorado nele como processo seletivo?
O Sisu é consequência da transformação do Enem em processo de vestibular unificado para acesso à graduação. O seu aprimoramento não depende de ações isoladas, mas de mudança primordial nas políticas do MEC para acesso de estudantes às IES, privadas e públicas. O governo não pode querer voltar aos anos de chumbo do regime militar, quando o vestibular era unificado e realizado em uma só data. Há que assegurar a liberdade de organização e acadêmica das IES. Cada instituição deve ter a liberdade de instituir, ao abrigo da LDB de 1996, suas políticas e estratégias próprias de acesso dos estudantes aos seus cursos de graduação. Qualquer interferência governamental nesse processo é espúria e acontece à margem da LDB.

Qual a avaliação da Anaceu sobre o programa Ciência Sem Fronteiras?
O Ciência Sem Fronteiras foi uma boa iniciativa do governo federal. As metas programadas não foram atingidas, como pretendia o governo. O Programa ainda é bastante tímido, sem regras claras que possam dar ao Brasil garantias de retorno importante para o nosso desenvolvimento científico e tecnológico. É um Programa que precisa ser aperfeiçoado, a partir de amplo diálogo com as IES, privadas e públicas. Um dos entraves ao sucesso do Ciência Sem Fronteiras, tem sido a fragilidade no domínio de línguas estrangeiras pelos estudantes que dele participam. Recentemente, pela Portaria n. 973/2014, o MEC instituiu o Programa Idiomas sem Fronteiras, expressamente destinado a “propiciar a formação e a capacitação em idiomas de estudantes, professores e corpo técnico-administrativo das Instituições de Educação Superior Públicas e Privadas – IES”, conforme estabelece seu artigo 1º. Todavia, a implementação do programa, iniciada com a publicação, no dia 18 de novembro, do Edital nº 33, abre o processo seletivo para acesso ao curso on-line de língua francesa, no âmbito do referido programa, exclusivamente para estudantes das instituições públicas. O item 1.2. do referido Edital dispõe que “serão ofertadas 1.500 (mil e quinhentas) senhas de acesso ao curso on-line, que serão distribuídas entre os alunos das universidades federais, universidades estaduais e institutos federais credenciados ao Programa IsF”. O item 2.3. estabelece como critério de inscrição que os candidatos sejam “alunos de graduação, de mestrado ou de doutorado, com matrículas ativas nas universidades federais, universidades estaduais e institutos federais credenciados ao Programa IsF”. Tais ações, que discriminam a livre iniciativa na educação superior, onde é majoritária e indispensável, nos levam a não confiar plenamente nas promessas governamentais representadas por políticas meramente marqueteiras.

A presidente, ainda em seu programa de governo, garante que fará “mudanças curriculares e na gestão das escolas; e valorizar o professor, com melhores salários e melhor formação”. Como as instituições de ensino superior podem colaborar para que isso, de fato, aconteça?
“Mudanças curriculares” têm sido uma frequência quando autoridades governamentais procuram encontrar as deficiências na educação básica. Trata-se de uma falácia. As diretrizes curriculares nacionais para esse nível de ensino são flexíveis e permitem que as escolas possam promover uma educação de qualidade, com uso de metodologias e tecnologias de ensino adequadas a cada comunidade, sem perda para o nacional e o universal. Quando os governos falam em aprimorar a “gestão das escolas”, as autoridades estão querendo falar em “democratização” da gestão escolar. E essa “democratização” conduz, geralmente, à eleição desses gestores. Esse tipo de escolha não privilegia o mérito, esse sim, o elemento substancial para a melhoria da gestão escolar. Por outro lado, a escolha, na maioria das escolas, é uma decisão político-partidária, sujeita a bruscas alterações de rumo, o que fragiliza a continuidade e a segurança de efetivas políticas de melhoria da qualidade da educação básica. “Valorizar o professor, com melhores salários e melhor formação” também tem aparecido no discurso de candidatos aos governos. Apenas no discurso. Por outro lado, “melhores salários” devem fazer parte de uma política mais ampla, onde o mérito seja um dos quesitos para promoções e melhorias salariais e não o simples cumprimento da carga horária e a obtenção de títulos em cursos de pós-graduação. O prémio à titulação deve estar atrelado à produção do professor, avaliada periodicamente.

Como a Anaceu avalia os atuais processos de regulação/avaliação do ensino superior?
Esses processos, conduzidos pelo Ministério da Educação, por intermédio de uma de suas secretarias, a Seres, têm sido morosos e punitivos, na contramão do estímulo ao prêmio aos mais competentes, ao mérito. Segundo o próprio ministro da Educação, há um passivo de mais de vinte mil processos de regulação na Seres, aguardando despachos e decisões dos órgãos específicos do MEC. A burocracia é terrível nesse ambiente, prejudicando, especialmente, as IES que não têm autonomia, as faculdades. No campo da avaliação, o uso indiscriminado de indicadores marginais à Lei do Sinaes, como o CPC e o IGC, transformados em “conceito de qualidade”, respectivamente, de cursos e de IES, tem trazido insegurança jurídica e punições arbitrárias para cerca de 30% das IES. Os processos de regulação, avaliação e supervisão adotados pelo MEC têm de passar por ampla e imprescindível avaliação, para correção das distorções até agora evidenciadas, a fim de que possam, efetivamente, funcionar de maneira ágil, eficiente e eficaz, tanto para as IES particulares quanto públicas.

Para a Anaceu, seria válido ter critérios distintos de avaliação para as instituições educacionais superiores, levando em conta as diferenças regionais do Brasil? Principalmente, pelo fato das dimensões geográficas do país?
Na área da avaliação, a Anaceu defende, simplesmente, a aplicação da Lei do Sinaes, sem qualquer adereço marginal a ela. Essa Lei assegura o respeito à diversidade e às especificidades das diferentes organizações acadêmicas (faculdades, centros universitários e universidades) e o respeito às características regionais (Norte e Nordeste – Sudeste e Sul). Os instrumentos de avaliação, aprovados pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes) e aplicados pelo Inep não cumprem a lei, exigindo indicadores mínimos de qualidade tanto para universidades, que têm o compromisso de constituição da indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, quanto para centros universitários e pequenas faculdades do interior. Esse processo tem levado ao fechamento e crises institucionais em centenas de IES, particularmente, as pequenas faculdades, que são indispensáveis no interior do país, onde a universidade pública ainda não teve a coragem de estender os seus cursos. Somos favoráveis à aplicação de critérios distintos de avaliação para as universidades, centros universitários e faculdades, levando em consideração as diferenças regionais do Brasil, não por um querer nosso, mas para o cumprimento de uma lei – a Lei nº 10.861, de 2004, aprovada pelo povo através de seus representantes no Congresso Nacional. Nesse campo, cumpra-se a lei. É simples.

Como as fusões e aquisições, cada vez mais frequentes, estão alterando o cenário do ensino superior brasileiro?
Vejo com restrições as fusões e aquisições que estão concentrando, em meia dúzia de instituições, um contingente expressivo de estudantes, com o uso de cerca de 40% por cento do Fies, um instrumento de financiamento governamental que tem sido aprimorado, mas que ainda é uma incógnita em relação à sua sustentabilidade, em longo prazo. Um colapso em qualquer desses grupos, como aconteceu recentemente no Rio de Janeiro, com uma universidade e um centro universitário, embora em proporções ainda tímidas, pode levar a uma crise no setor da livre iniciativa na oferta da educação superior. Há que haver responsabilidade social nessas instituições, o que pode ser complexo, quando se trata de sociedades anônimas, com ações nas bolsas de valores. Confiamos que os educadores brasileiros, envolvidos nesses processos, tenham consciência de sua responsabilidade na execução dos programas e cursos da educação superior no Brasil.

Em relação a EAD, é possível imaginar que esse modelo de ensino é uma aposta garantida para ampliar o acesso de alunos à educação superior? Há algo que precisa ser aprimorado nesse modelo educacional para garantir a qualidade do ensino oferecido?
A oferta da educação superior na modalidade a distância é uma inovação da LDB, de 1996. Passados dezoito anos, a EAD ainda não conseguiu impor-se como uma modalidade de ensino de qualidade, com raras exceções. Por um lado, as normas do MEC são alteradas com frequência, inserindo, também nessa área, a insegurança jurídica. Por outro, os processos de avaliação, incluindo os instrumentos aprovados pela Conaes e aplicados pelo Inep, são frágeis e não avaliam a real qualidade da EAD, que já abriga mais de um milhão de estudantes. As normas do MEC necessitam de revisão, no sentido de aprimorar os processos de regulação e avaliação da EAD. O governo precisa cumprir as suas promessas de ampliação e consolidação da banda larga no uso da Internet, uma das mídias mais utilizadas nessa modalidade educacional, ainda bastante precária até nas grandes metrópoles. E as IES devem rever a maioria das metodologias usadas que, em muitos casos, são meras transposições do que se aplica no ensino presencial, com o uso de apostilas virtuais. Governo e IES devem, para tanto, agir em comum, para o benefício dos milhões de brasileiros que, na próxima década, poderão procurar o ensino e a certificação em cursos de graduação e pós-graduação ofertados na modalidade EAD.