Política de restrição de estrangeiros no Reino Unido mobiliza comunidade acadêmica e coloca universidades em alerta para não verem suas relações internacionais prejudicadas

por Melissa Becker, de Birmingham

171_39Prestes a iniciar um novo ano letivo, cerca de 2,6 mil estudantes estrangeiros da London Metropolitan University se viram ameaçados de deportação do Reino Unido. De forma inédita, no final de agosto, o governo revogou o status “altamente confiável” da universidade, o qual permitia à instituição receber alunos de fora da União Europeia. A decisão provocou forte manifestação no setor, receoso com uma possível mácula à imagem do ensino superior britânico no mundo.

A revogação, porém, não ocorreu devido à qualidade de ensino da universidade, mas pelos seus procedimentos para recrutar e registrar alunos, que não estariam de acordo com as regras da Agência de Fronteira do Reino Unido (UKBA na sigla em inglês), responsável pela fiscalização de entrada e permanência de estrangeiros no país. “As universidades levam as leis de imigração a sério. Foi um incidente isolado e não impacta nos bem-vindos estudantes genuínos”, comenta Joanna Newman, diretora da UK Higher Education International Unit, ligada à agência UniversitiesUK, que representa universidades britânicas e é parceira do governo brasileiro no Ciência sem Fronteiras.

A situação, no entanto, expôs a tensão de estudantes com a política de imigração assumida pelo Estado em 2010. Quem vai para o Reino Unido estudar por mais de seis meses é considerado imigrante, e o governo quer diminuir a diferença entre os números de imigrantes e emigrantes dos atuais 216 mil para “dezenas de milhares”. Sem poder restringir a entrada de pessoas da União Europeia, o controle se volta para os chamados “além-mar”. “Alunos não deveriam ser incluídos nesse número, pois voltam para seus países”, afirma Joanna. Recentemente o governo anunciou a contabilização separada de alunos, apesar de não retirá-los da migração líquida.

Mais rigor
Joanna ressalta que o caso isolado da London Metropolitan não afeta as relações entre instituições britânicas e brasileiras. Dos alunos do Brasil que foram identificados pela Associação de Brasileiros Estudantes de Pós-Graduação e Pesquisadores no Reino Unido (Abep-UK), todos estavam matriculados na universidade por meios próprios, e não por bolsas, acordos ou parcerias institucionais.

Para Diego Scardone, diretor executivo da Abep-UK, universidades brasileiras não deixarão de cooperar com o ensino superior britânico. “Se você colocar de um lado da balança esse problema, que é sério, e de outro, a reputação das universidades britânicas, não dá para comparar. As universidades brasileiras certamente ficarão mais alertas, mas não tem como ter um aspecto tão negativo. Se houver, é especulação”, opina.

Já Steve Woodfield, pesquisador em políticas e gestão de ensino superior na Universidade de Kingston, acredita que as próprias universidades se tornarão mais rigorosas. “Poderemos ver universidades sendo mais firmes ao recrutar alunos, em relação aos requisitos da língua e credenciais acadêmicas, para que não haja riscos quando forem investigadas”, observa.

Antes da revogação da licença da London Metropolitan, outras duas universidades foram suspensas por seis meses – entre elas, a escocesa Glasgow Caledonian, que no momento conta com oito estudantes do programa Ciência sem Fronteiras. A instituição, por sua vez, ajustou seus procedimentos e agora mantém seu status “altamente confiável” perante o UKBA.

Desde setembro, mais de 500 bolsistas do programa brasileiro desembarcaram no Reino Unido, além de outros 150 pedidos para doutorado já terem sido aprovados. Pelo acordo, 110 instituições do país receberão 10 mil bolsistas nos próximos quatro anos. Em 2011, antes do esquema, havia 1,4 mil universitários brasileiros no país, conforme a Abep-UK.

Para Woodfield, a política de restrição inglesa serviu para reconher que o setor precisa cuidar melhor dos estudantes internacionais. “Outros países têm uma política de proteção que pode ser adotada por aqui. Se a universidade tiver problemas, o estudante é encaminhado para outra universidade”, observa o pesquisador. Ele admite, porém, que essas mudanças são lentas e não devem ocorrer ainda na gestão do primeiro-ministro David Cameron, até 2015.

Menos de um mês após a London Metropolitan ter a licença revogada, decidiu-se que alunos com curso em andamento poderiam finalizar seus estudos na instituição. A universidade permanece, porém, sem o direito de receber novos estrangeiros.

 

A língua como desafio
 No caso do Ciência sem Fronteiras, o desafio para a expansão em terras britânicas seria outro. Joanna Newman, diretora da UK Higher Education International Unit, reconhece que um alto número de bolsistas não chega ao país por não ter um nível suficiente de conhecimento da língua inglesa. “O Reino Unido tem uma política de imigração na qual o governo determina o nível mínimo de inglês (correspondente ao nível B2 no Quadro Comum Europeu de Referência para Línguas). Em outros países, como Estados Unidos, Austrália e Canadá, não é o governo quem decide, mas as universidades. É algo com que a UniversitiesUK gostaria que fosse mudado”, afirma Joanna.