Programa de renegociação de dívidas reabre prazo aos interessados em quitar débitos tributários com a União

por Christina Stephano

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Uma instituição de ensino superior do interior de São Paulo acumulou dívidas tributárias com a União devido a problemas relacionados ao aumento da concorrência em sua cidade. Outra, localizada em Santa Catarina, também devia milhões de reais ao governo federal por conta de conflitos de competência na cobrança do Imposto de Renda (IR). Em 2012, para permitir que instituições comunitárias e particulares como essas pagassem suas dívidas tributárias sem comprometer a manutenção das atividades, os Ministérios da Fazenda e Educação criaram o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies), que acaba de reabrir seu prazo para adesão. Com isso, as instituições interessadas em participar da iniciativa têm até o dia 8 de setembro para apresentar os documentos necessários.

Professora associada da Universidade Estadual do Norte Fluminense na área de Gestão e Política Educacional, Renata Maldonado da Silva explica que, com o Proies, o governo pretende recuperar as dívidas das universidades privadas e comunitárias que, juntas, somam R$ 15 bilhões e se referem, principalmente, a débitos acumulados do IR, do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e cota patronal. “Além da recuperação desses valores, o programa visa ampliar as bolsas de estudo para que as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) sejam cumpridas”, afirma a docente. Dessa forma, conta Renata, o programa se destina às entidades em grave situação econômico-financeira, ou seja, aquelas que até 31 de maio de 2012 apresentavam valor igual ou superior a R$ 1,5 mil em dívidas tributárias federais vencidas por aluno matriculado.

Ajustes do programa
Em relação à nova edição do programa anunciada em junho de 2014, a advogada Maria Ednalva, especialista em direito tributário e educacional, explica que houve uma mudança nas instituições de ensino criadas por lei estadual ou municipal, existentes antes da data de promulgação da Constituição Federal, em 1988, e que não eram mantidas somente com recursos públicos. A advogada conta que, apesar de essas instituições serem oficiais, sua manutenção, desde a criação, ocorre com a cobrança de anuidades escolares, por meio de fundações, ou mantenedoras, e também com recursos públicos. Como a Constituição Federal determina que pertence aos estados e municípios o imposto de renda retido na fonte (IRRF) sobre os rendimentos pagos a qualquer título, a partir de 1989, as fundações mantenedoras dessas instituições passaram, por determinação legal dos entes que as criaram, a recolher o imposto de renda diretamente para eles e não mais à União. Entretanto, a União não reconheceu esses recolhimentos e constituiu créditos do IRRF dessas fundações, gerando dívidas ao longo de anos. Com o Proies 2, a União vai perdoar os créditos desse IRRF, bem como as correspondentes multas, juros e encargos, às fundações que comprovarem a quitação junto ao estado ou ao município que as criaram. Além disso, detalha Maria Ednalva, como essas instituições pertencem ao sistema estadual de ensino, o programa definiu uma nova data para que tais estabelecimentos migrassem para o sistema federal. “E a migração é necessária porque somente poderão participar do Proies as mantenedoras de instituições pertencentes ao sistema federal de ensino”, esclarece a advogada.

Governo na fiscalização
Como contrapartida, a partir da adesão ao Proies, as universidades passam a necessitar de autorização prévia do MEC para criar, expandir ou extinguir cursos e ampliar ou diminuir vagas. E essa autorização está condicionada à manutenção dos indicadores de qualidade de ensino nas instituições e nos seus respectivos cursos (IGC). “Esse é um dos pontos que causam divergências entre o governo e os empresários do ensino, pois estes não se sentem confortáveis com a excessiva intervenção da União no gerenciamento das suas atividades”, ressalta Renata Maldonado.

As instituições mantenedoras deverão, ainda, pedir autorização prévia do MEC para fazer modificações de natureza jurídica, tais como fusões, cisões, transferências, unificação ou descredenciamento. Além disso, sofrerão fiscalizações do governo, tais como o recolhimento de tributos federais que não estão contemplados no pedido de moratória, o cumprimento integral do plano de recuperação fiscal apresentado, não atrasar três parcelas dos débitos devidos e a capacidade de autofinanciamento.

E justamente esse comprometimento da autonomia foi o que desmotivou as instituições a participarem do programa em 2012, na visão do advogado José Roberto Covac, especialista em direito educacional. Além disso, opina ele, como as instituições de ensino não sabiam bem como a iniciativa funcionaria, tiveram receio de aderir ou não conseguiram que seus planos de recuperação econômica fossem aprovados. “Nessa nova edição, a participação deve ser mais massiva”, estima o advogado.

Segunda chance
Com a adesão recusada na primeira chamada do programa, em 2012, um centro universitário do interior de São Paulo que existe há mais de 40 anos espera, agora, participar da iniciativa. Um de seus administradores – que pediu anonimato – atribui a falta de sucesso na primeira tentativa de ingresso à forma como os responsáveis no governo avaliaram o plano de recuperação econômica da instituição. De acordo com ele, apesar de o documento ter sido elaborado em parceria com uma consultoria e auditado por uma empresa externa, foi considerado inviável. “O plano foi avaliado por pessoas que não conhecem a realidade da instituição, de forma que seu parecer foi equivocado”, reclama. Ele opina que, antes de recusar os planos apresentados, os auditores deveriam reunir-se com os responsáveis na instituição de ensino, para discutir a fundo sua realidade e problemas. “Queremos quitar nossos compromissos com a Receita Federal e gostaria de ter tido um voto de confiança por parte dos auditores do programa”, diz. De acordo com o administrador, as dívidas com a União se iniciaram após a vinda de grandes grupos educacionais à cidade, que reduziram o número de alunos matriculados de 4 mil para 1,2 mil, nos últimos anos.

Apesar dos problemas para aderir à primeira chamada do Proies, o administrador assegura que, nessa nova etapa, a instituição conseguirá participar. “Nosso futuro está em jogo. Sem o ingresso no programa, provavelmente teremos de fechar as portas, algo que tampouco é positivo para o governo já que, dessa forma, ele não receberá os devidos débitos”, diz. Segundo ele, caso a entrada no Proies tenha êxito, a instituição poderá oferecer vagas hoje ociosas em cursos de graduação em direito, engenharia elétrica, administração e ciências contábeis. Como conselho aos interessados em aderir a essa nova etapa, ele destaca que é necessário contar com a ajuda de uma consultoria externa e de um escritório de advocacia especialista em educação, para garantir a aprovação do plano de recuperação por parte do governo.

Exemplo bem-sucedido
Geradas, principalmente, em função de conflitos de competência na cobrança do IR, as dívidas tributárias da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) já estão sendo pagas por meio do Proies. Michel Alisson da Silva, chefe de gabinete na instituição que possui 12 mil alunos, conta que a Unesc integra o sistema da Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe), composto por fundações criadas pelo poder público municipal antes da Constituição Federal de 1988, o que lhes dava, ao mesmo tempo, um caráter público, mas de direito privado. Essa especificidade resultou em um problema de entendimento jurídico sobre para quem se deveria recolher o IRRF. Assim, conta Silva, por um lado, os municípios catarinenses que criaram as fundações defendiam que o recurso era deles, enquanto a União, a partir de 2001, começou a exigir para ela esse recurso. “Após mais de 10 anos de conflitos judiciais, a resolução do problema veio na forma do Proies”, comemora o chefe de gabinete. Com isso, após a adesão ao programa em 2012, a dívida anterior da Unesc foi perdoada e o IRPF deixou de ser pago ao município de Criciúma, onde está localizada, e passou a ser recolhido à União. “Foi um grande ganho para a instituição e um reconhecimento sobre o trabalho feito até então em prol das comunidades que o Estado não conseguia atender por meio das universidades federais”, considera Silva. Com o abatimento dos débitos do IRRF, a dívida da instituição, que somava cerca de R$ 100 milhões, passou a ser de R$ 2 a R$ 5 milhões, nas estimativas de Silva. “E esse valor será convertido em bolsas de estudos, por meio da nova etapa do Proies”, detalha.

Silva conta que a maior dificuldade no acesso ao programa se deu por conta do processo de migração, já que a Unesc pertencia ao Sistema Estadual de Educação de Santa Catarina e agora está sob a fiscalização direta do próprio MEC e do Conselho Nacional de Educação. “O processo é demorado. Faz dois anos que realizamos a migração e ela ainda não terminou. Mas, mesmo com as dificuldades, o trabalho vai compensar”, garante.

Em sintonia com Silva, Aristides Cimadon, presidente do Sistema Acafe e reitor da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), lembra que o problema da Unesc é comum a outras 11 instituições do estado, que somam cerca de R$ 500 milhões em dívidas tributárias. “O Proies tende a beneficiar 150 mil estudantes de instituições de Santa Catarina voltadas ao desenvolvimento de suas comunidades regionais. Além disso, dá uma oportunidade para que as instituições se estruturem melhor”, conclui Cimadon.

Termos para adesão
Para aderir à iniciativa, os interessados devem apresentar, entre outros documentos, um plano de recuperação econômica. Caso o ingresso seja aprovado, o programa permite o parcelamento da dívida em 180 meses, sendo que o valor pode ser reduzido a 10% do total, desde que se ofereçam os 90% de débitos restantes em bolsas de estudos integrais aos estudantes dos cursos de graduação. A escolha dos alunos beneficiados ocorre a partir das notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e deve atender aos critérios exigidos pelo Prouni (Programa Universidade para Todos). Além disso, para acessar as bolsas, a renda familiar mensal do estudante não deve ultrapassar o valor de 1,5 salário mínimo. Como parte do Proies, o governo federal concede, ainda, uma moratória pelo período de doze meses, ou seja, a suspensão do pagamento dos tributos, a fim de dar fôlego financeiro à instituição em crise.