Para fazer com que os novos recursos tecnológicos trabalhem a favor da educação é preciso envolver professores, alunos e gestores em um trabalho em conjunto

Filipe Jahn

171_24

Mesmo sendo incontestável a afirmação de que tecnologia por si só não melhora a qualidade do ensino, é também inevitável o uso de novas ferramentas aplicadas ao meio educacional. Por isso, o maior ou menor sucesso na utilização de recursos tecnológicos em sala de aula depende justamente da mobilização e envolvimento do corpo acadêmico como um todo nas decisões relacionadas às inovações adotadas.

Em muitas situações, professores mais tradicionais enxergam com restrições o uso das novas tecnologias em sala de aula, seja por não acreditarem no seu benefício ou mesmo por não saberem como elas funcionam. Assim o uso de recursos tecnológicos na educação diversas vezes esbarra na dificuldade de eles lidarem com metodologias inovadoras, quando poderiam até mesmo aprender com os próprios alunos.

Embora não seja possível conceber que um professor universitário não tenha acesso ou conhecimento dos novos aparatos tecnológicos, a realidade ainda é diferente. Parte do problema está relacionada à própria formação docente, que passa por um grande momento de transição: Uma boa parcela dos professores de hoje, universitários e de etapas anteriores, ainda é formada por profissionais que estão acostumados a trabalhar  sem o uso dos atuais recursos.

Só que enquanto o surgimento de novos profissionais vai mudando lentamente esse perfil, na outra ponta praticamente todos os estudantes já chegam à sala de aula dominando as novidades tecnológicas e esperando que elas sejam utilizadas no processo de ensino-aprendizagem. Para Carlos Araújo Jr, pró-reitor da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), o grande erro é devido à crença de muitos docentes que ainda enxergam as novas tecnologias somente como uma ferramenta. “A tecnologia como ferramenta não se transforma em educação. Mas se for entendida como recurso, pode oferecer ótimos resultados”, explica.

Novos métodos
Para tentar superar essas questões, Carlos conta que a Unicsul montou um programa no qual os professores tiveram de desenvolver projetos em sua área para o compartilhamento da tecnologia. O segredo, no entanto, foi reunir professores com mais e menos conhecimento sobre tecnologia e sempre levando em consideração o projeto pedagógico da instituição. “A integração é uma parte muito importante para vencer todos esses desafios”, comenta o pró-reitor.

A coordenadora de desenvolvimento educacional da Universidade Anhembi-Morumbi, Claudia Kober, lembra contudo que mesmo que exista o interesse do docente, ele pode ter dificuldades para se manter atualizado e assimilar as novidades que surgem em práticas educativas para a sala de aula.

Além disso, há situações corriqueiras que aumentam o incômodo. Como, por exemplo, o aluno pesquisar rapidamente pelo tablet e questionar informações logo após o professor ter passado um conteúdo. Dessa maneira, Claudia acredita que o professor precisa passar a ser visto (até por ele mesmo) como um mediador de conhecimento e não mais o detentor.

Isso significa valorizar a capacidade multimídia do aluno e ao mesmo tempo ajudá-lo a ser mais crítico diante do universo aparentemente infinito de informações que a internet oferece. “É uma tremenda oportunidade para ensinar metodologias científicas, mostrando como avaliar o conteúdo”, comenta Claudia.

Para a professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marta Maia, o docente pode ir um pouco mais longe e até mesmo perguntar e tirar dúvidas com os alunos sobre como utilizar aparelhos ou descobrir sites. Ela afirma que as quatro diretrizes da educação serão, nos próximos anos, mobilidade, compartilhamento, colaboração e abertura. Com isso, qualquer professor precisa, desde já, procurar as ferramentas mais populares e atuar através delas como recursos.

Entre as possibilidades existe o Twitter, que permite o diálogo rápido com os alunos e a criação de grupos no Facebook, para estender a noção de sala de aula, por exemplo. Marta sugere que uma aula de uma hora pode ser dividida entre 40 minutos com exposição de conteúdo e discussão e o restante com atividades que desafiem. O mais importante, segundo ela, é que o professor não deve ter medo de experimentar. “Se der errado, troca. Mas sabendo que metodologias mais ativas estimulam o engajamento dos estudantes”, sustenta.

Capacitação
Entretanto, mesmo com a perspectiva de que o corpo docente do ensino superior brasileiro esteja gradualmente mudando de perfil e se adequando mais ao gosto e necessidades do estudante da atualidade, há o consenso de que também cabe às instituições de ensino superior estimular o melhor preparo de seus quadros.
Para atingir isso, investimentos em grupos de pesquisa e cursos de capacitação podem significar um retorno de qualidade em tempo mais curto.
Ainda assim, Claudia Kober diz ser imprescindível a existência de espaços para que discussões sobre diversos temas, como o uso de tecnologias, sejam introduzidas no âmbito acadêmico. “Essas ações permitem uma mudança de mentalidade daqueles que têm restrições, além da possibilidade de surgirem novas metodologias”, aponta a coordenadora.

Outra iniciativa fundamental para o sucesso dessa tarefa é conseguir alinhar no projeto pedagógico da instituição de ensino superior a utilização das inovações tecnológicas. Por consequência, a entidade consegue fomentar o desenvolvimento de uma característica mais dinâmica, em sintonia com as demandas tanto dos alunos quanto do mercado de trabalho.

Mas professores e gestores precisam ter em mente que preparar bem um estudante não significa apenas oferecer e usar as últimas novidades da informática. O objetivo de ensinar é desenvolver o hábito de pesquisa, para que ele possa compreender melhor o que surgir no horizonte.

 

A neurociência em benefício da aprendizagem
O desenvolvimento das novas tecnologias também provoca discussões sobre de que maneira elas afetam o cérebro. Para Ramon Moreira Cosenza, autor do livro Neurociência e Educação, indicado ao Prêmio Jabuti em 2012, desde que entendidas como recursos, essas novidades ajudam a desenvolver uma série de habilidades que ajudam no aprendizado. Durante o Fórum de Educação, ocorrido na Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul) em novembro, e do qual foi palestrante, o cientista falou mais sobre o assunto à revista Ensino Superior.

Ensino Superior:  Como as novas tecnologias mudam a maneira de transmitir o conhecimento?
Ramon Moreira Cosenza: Hoje o aluno tem acesso a todos esses instrumentos e ele acaba utilizando uma série de habilidades que antigamente não eram tão solicitadas. No computador, por exemplo, você estimula o sistema visual, a atenção difusa e a memória operacional. Quer dizer, esse aluno multimídia divide a atenção. Isso força o cérebro a se desenvolver melhor nessas atividades.Como os estudos da neurociência contribuem para melhorar o processo de ensino-aprendizagem?
De uma certa forma, a maneira de aprender do cérebro ainda é a mesma. Só que agora ele interage com todos esses novos instrumentos tecnológicos e tem acesso a um número infinito de informações. A neurociência entra como uma fonte para entender como todos esses recursos podem ser melhor utilizados, em benefício da aprendizagem.

Mas existe um limite do uso das novas tecnologias para esse processo?

Não diria um prejuízo, mas elas têm de ser vistas como um recurso. Podemos usá-las de forma efetiva e conseguir uma aprendizagem melhor do que tínhamos no passado. Mas não podemos esperar tudo delas. Ficar o tempo inteiro parado na frente de um computador, por exemplo, leva ao prejuízo de outras atividades, como a física, que é uma das melhores maneiras de desenvolver o cérebro.

Qual deve ser a relação entre a neurociência e a educação?

Uma via de mão dupla. Ao mesmo tempo que os neurocientistas têm uma série de questões importantes para mostrar como o cérebro aprende melhor, o educador precisa trazer os problemas que ele verifica em sala de aula para serem levados em conta nos programas de pesquisas. Isso vai resultar numa melhor pedagogia.

Nessa perspectiva, como fica a formação do professor?

Acho extremamente importante que nos cursos de formação de professores, seja para qualquer etapa do ensino, houvesse uma disciplina que levasse os conhecimentos da neurociência. Por enquanto, vejo que isso só acontece nos programas de pós-graduação.