O irreversível avanço da tecnologia, inclusive no meio educacional, requer uma nova fórmula de pensar e oferecer o ensino superior

por Rui Fava

Uma mudança de época é o somatório de vários fatores como: genéticos, energéticos, culturais e outros que, quando acontecem de forma simultânea, determinam uma mudança de alcance excepcional, um divisor de águas entre o antes e o depois. Encontramos esses saltos épicos no surgimento do Homo habilis, o primeiro a utilizar ferramentas de pedra lascada; do Homo erectus, o primeiro a utilizar o fogo; do Homo sapiens, com inúmeras capacidades como raciocínio abstrato e linguagem.

Na Mesopotâmia, VI milênio a.C., o homem deixou de ser coletor e dependente da caça e passou a viver coletivamente provocando a eclosão urbana. Da Grécia antiga herdamos não somente a extensa gama de conhecimentos científicos como também os grandes fundamentos do pensamento filosófico e político. A sociedade industrial, no século 18, promoveu a concentração da mão de obra na indústria e não mais na agricultura. O advento da sociedade pós-industrial, em meados do século 20, teve como esfera principal a tecnologia, que possibilitou o rápido crescimento do setor de serviços, em oposição ao setor manufatureiro.

O tempo desses saltos evolutivos está cada vez menor. Do advento da agricultura ao da indústria decorreram oito mil anos; da sociedade industrial à pós-industrial duzentos anos. Com o forte desenvolvimento da tecnologia, vivenciamos uma mudança, vendo nascer o que podemos denominar de Homo digital ou sociedade digital. Estamos no olho do furacão da mudança provocada pela tecnologia e virtualização de atividades humanas. Surge a cultura interativa e participativa, novo perfil do ser humano, nova forma de ensino e aprendizagem.

Em épocas passadas a educação tinha o objetivo de desenvolver o raciocínio e a linguagem. Com a formação da sociedade industrial o ensino foi direcionado para treinamento, memorização e habilidades manuais, permitindo que as pessoas agissem só com o corpo, sem liberdade para expressar o raciocínio da mente. Foram duzentos anos de atrofia do pensar.

Se na sociedade industrial o cérebro foi deixado de lado, a sociedade digital requer que as pessoas pensem, que desenvolvam a habilidade de buscar a essência, separar o que é importante e útil daquilo que é descartável. Requer a capacidade de fornecer soluções alternativas para problemas antes nunca vistos, problemas que não podem ser resolvidos com a aplicação mecânica de soluções padronizadas. O mercado requer a habilidade denominada de acuidade mental.

Nesse contexto, as instituições de ensino superior deverão encontrar fórmulas eficazes para escolher conteúdos baseados no objetivo do que se deseja ensinar. A organização e a escolha do conteúdo não serão mais por disciplina, mas orientadas pela aplicação do conhecimento e não deverão abranger somente o passado e o presente, mas também focar o futuro, uma vez que cada vez mais o conhecimento é efêmero e se torna rapidamente obsoleto.

O sucesso e a perenidade de uma instituição se darão não somente por conteúdos eficientemente organizados e permanentemente atualizados, mas pela oferta de um ensino estruturado, em que são disponibilizados ao professor materiais didáticos desenvolvidos de forma coletiva e que provoquem o aluno a pensar. Também, pela adaptação as diversas mídias, pela ludicização dos conteúdos através de objetos de aprendizagem como games, animações e simulações e pela capacidade de ensinar através da jogabilidade.

Todo o processo de organização, escolha e disponibilização de conteúdos deverá ser acompanhado por um sistema de avaliação que possa medir a evolução do aprendizado e a eficiência do processo. Daí a importância de um sistema de ensino estruturado, afinal se não se sabe e não se tem o controle do que ensinar, como saber o que avaliar?

Mediado por tecnologias, surge um modelo híbrido de educação, mesclando atividades presenciais com não presenciais, que diminuem a distinção entre ensino presencial e a distância. Isso não significa o fim do primeiro e a vitória do segundo. Assim como o rádio e a televisão, os dois modelos conviverão e se complementarão.

A venda ou distribuição não será mais pelo conteúdo, que poderá ser facilmente encontrado de graça na web, mas pela metodologia e pela marca, que irão dar credibilidade ao conteúdo. É importante a instituição encontrar a melhor estratégia, se terá uma distribuição própria ou em parceria. Assim como houve uma revolução na distribuição da música, há hoje uma revolução na distribuição dos conteúdos.

A tecnologia está mudando a educação, não apenas na organização, escolha e disponibilidade dos conteúdos, mas também na distribuição. Isso obriga instituições de ensino a se adaptarem. Ou irão fracassar nos novos conceitos da sociedade digital.