Idealizador da Univesp defende a implantação de uma cultura científica que transcenda o espaço acadêmico e aproxime os jovens da construção do conhecimento

Paulo de Camargo

 

171_15-1Foi-se o tempo em que os cientistas e pesquisadores das universidades podiam “apenas” se dedicar a produzir novos conhecimentos. A sociedade contemporânea acrescentou uma nova dimensão ao fazer científico: agora, é preciso também comunicar uma cultura científica às novas gerações e ao conjunto dos cidadãos.

Foi com essa preocupação que Carlos Vogt, coordenador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, participou do II Seminário Internacional Empírika, ocorrido em outubro, em Campinas. Para Vogt, ex-reitor da Unicamp e ex-presidente da Fapesp, a comunicação é requisito fundamental da produção científica nos dias de hoje.

Assessor especial do governo de São Paulo para a implantação da primeira universidade pública virtual paulista, a Univesp, Carlos Vogt recebeu a revista Ensino Superior  para falar sobre a construção dessa nova cultura de divulgação científica, tema que norteia o seu trabalho.

Ensino Superior: Mesmo com o aumento da produção científica brasileira, por que não conseguimos reduzir o abismo entre a ponta da produção e o conhecimento dos jovens e do conjunto da população?

Carlos Vogt: Esse é mais um entre os muitos paradoxos que marcam o sistema do ensino. No Estado de São Paulo, formamos anualmente 440 mil estudantes de ensino médio, sendo que desses 360 mil são formados em rede pública e o restante nas privadas. No entanto, são esses que vão ocupar 70% das vagas públicas. Um segundo assunto mal resolvido é o número de indivíduos diplomados no ensino superior. Nossa média gira em torno de 10,5% da população de 25 a 64 anos, contra 32% dos países da OCDE e 42% dos Estados Unidos. Esses paradoxos vão ficar mais graves pelo próprio processo de transformação pelo qual a população brasileira vem passando.

Que transformações?

Uma delas é o aumento da classe média. Mesmo que se discorde dos critérios socioeconômicos do IBGE, temos hoje 54% da população na classe média. Assim, a demanda por ensino superior tende a crescer, e não adianta dar apenas respostas quantitativas, como o ProUni, ainda que sejam necessárias. Se não houver qualidade, vamos criar uma porta giratória, na qual as pessoas saem da mesma forma como entraram. Precisamos aprender como se inclui uma população que legitimamente aspira ingressar no curso superior, mas com condições para que se faça isso de maneira qualificada. Basta ver o que nos diz o Pisa. É verdade, temos uma tendência de melhora, mas o desempenho ainda é muito baixo e estamos entre os últimos colocados.

A quem cabe elevar o nível geral da sociedade no que se refere aos conhecimentos científicos?

A todos nós. Vivemos um tempo inédito, com uma sociedade impregnada pelos fatos da ciência, da tecnologia e da inovação, em que a questão do conhecimento não é um fenômeno superestrutural, mas diz respeito às relações sociais cotidianas, de trabalho, de consumo, de circulação. A participação cidadã passa, assim, pela possibilidade de acesso ao conhecimento; o direito civil passa pelas condições de comunicação do conhecimento – um conhecimento sofisticado, que faz parte do que se chama cultura científica.

O que é cultura científica?

A ciência de hoje se diferencia não apenas por ser um fenômeno cultural mas por ser um novo tipo de cultura. Entender esse fenômeno e torná-lo parte de uma visão crítica de comunicação é fundamental. Ninguém acredita mais que a ciência tenha de ser decidida nos recintos fechados de laboratório. As políticas de ciência e tecnologia precisam ser definidas de forma aberta, ampla e participativa, que leve em conta, claro, a meritocracia. Quem decide tem de estar a par e informado desse sistema. No Labjor trabalhamos com a ideia de divulgar o conhecimento científico, de levar à população mais do que informação. Precisamos despertar a visão crítica dessa forma de cultura.

Ou seja, os pesquisadores precisam desenvolver habilidades de comunicação?

Não há mais ciência sem comunicação. Qualquer projeto de ensino superior passa por isso. É preciso se aproximar da sociedade até pelos paradigmas de gestão do conhecimento no mundo contemporâneo. Na medida em que há reforço dos direitos civis, há necessidade de que essa cidadania possa ser exercida com qualidade.

Os pesquisadores estão sós nesse desafio?

Claro que não. Entra também aí, por exemplo, o jornalista, que transforma os códigos cifrados da ciência em uma linguagem que cria empatias com o leigo. A divulgação científica é uma espiral, com diversos quadrantes. Passa pela comunicação entre pares, com os periódicos e congressos; pelo ensino de ciências, formando novos pesquisadores; pela mobilização que desperta interesse, como feiras de ciências, museus, e pelo processo de comunicação mais amplo da ciência com a sociedade, que é o jornalismo. Isso faz o ciclo da espiral.

A iniciação científica faz parte dessa espiral?

Sem dúvida, pois é parte do processo de ensino de ciências. A iniciação trata do ensino de como se formula um projeto científico, seus procedimentos. Do ponto de vista do ensino, isso é tão importante quanto ensinar conteúdos dos diferentes campos.

Como esse esforço de comunicação se reflete na dinâmica da produção científica hoje?

De muitas maneiras. Mas há uma forma digna de menção especial: o fato de que o conhecimento passou a ser uma questão de um mercado competitivo, no qual é preciso disputar espaço. Não há como fazer ciência, receber apoio financeiro para os projetos, se o cientista não for capaz de convencer os tomadores de decisão da relevância de seu trabalho. Para isso, precisa deixar para trás apenas as abstrações para “sensibilizar os conceitos” com imagens e pelas metáforas. Em certa medida, isso acaba criando um espaço novo para um novo ator, misto de cientista e jornalista, ou vice-versa. O cientista virou escritor.