Número de 671 ações em língua estrangeira em IES brasileiras comprova tendência e eficiência de vertentes da internacionalização at home
por Mariana Queen Nwabasili

Até o ano de 2025, cerca de 8 milhões de jovens universitários estudarão fora de seus países, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Instituto de Estatística da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Porém, se a movimentação de intercambistas ao redor do mundo continuar do jeito que está, ainda serão muito poucos os alunos estrangeiros a escolher o Brasil como destino.

Segundo dados da Associação Brasileira de Educação Internacional (FAUBAI), Estados Unidos e Reino Unido recebem, juntos, 33% dos 4,5 milhões de universitários intercambistas do mundo.  Nesse cenário, o oferecimento de cursos e disciplinas em línguas estrangeiras como o inglês e o espanhol se torna um fator estratégico para colocar o Brasil no radar dos chamados alunos internacionais e, consequentemente, de suas instituições.

“É necessário colocar na instituição atividades, disciplinas, programas e cursos de curta duração em língua inglesa, para receber o estudante que não fala o português. Há anos nós enviamos estudantes para fora. Está mais do que na hora de podermos também receber cada vez mais estrangeiros”, diz Renée Zicman, diretora executiva da FAUBAI.

Atualmente, 45 instituições de ensino superior brasileiras oferecem 671 ações em língua inglesa, entre cursos, especializações, disciplinas e atividades complementares. Mais de 60% dessas iniciativas são cursos de curta duração oferecidos, em sua maioria, em instituições localizadas nas regiões Sudeste e Sul. Os dados constam no Guide of Brazilian higher education courses in English 2016, publicado recentemente pelo British Council em parceria com a FAUBAI.

Em verdade, o senso comum leva muitas pessoas a fazerem uma associação direta entre o intercâmbio e a internacionalização universitária, como se o envio de estudantes ao exterior fosse sinônimo de um ensino internacionalizado e global. Porém, esse fator tão atrativo aos alunos é apenas uma das modalidades e possibilidades da internacionalização, que também inclui ações como cursos de pós-graduação, projetos e publicações interpaíses, colaboração tecnológica, internacionalização do currículo e a internacionalização at home (internacionalização em casa), na qual se encaixam os cursos e aulas em língua estrangeira.

Para especialistas, além do alto número de iniciativas em inglês no ensino superior brasileiro, os dados apontam para um entendimento
e uma implantação complexa da internacionalização universitária nas IES.

Afinal, como diz a frase emblemática de Jocelyne Gacel-Avila, pesquisadora de relações internacionais entre IES da Universidade de Guadalajara, no México, “internacionalizar a universidade é repensá-la, desde a sua missão e as suas funções, até a maneira como desenvolve o ensino, a pesquisa e os serviços prestados à comunidade”. “Sob esse ponto de vista, a internacionalização representa uma mudança de cultura e uma renovação institucional”, completa. Nesse sentido, Renée recomenda também que as IES ofereçam cursos de português e cultura brasileira para estrangeiros, tornando o ambiente acadêmico estruturalmente intercultural para todos os alunos. “Além disso, é importante que também seja oferecido o curso de língua inglesa para os estudantes regulares brasileiros. Assim, esse aluno terá um curso como se ele estivesse estudando fora do país e com estudantes internacionais dentro da sala de aula”, diz.

Todos os alunos

Mateus Damo Rossato, estudante do terceiro ano de engenharia civil na Universidade do Vale do Itajaí (Univali), afirma que assistir aulas em outras línguas é uma experiência realmente muito promissora também para os alunos brasileiros. No segundo semestre de 2015, o jovem cursou a disciplina Global marketing end negociation como optativa. O curso é um dos vários da instituição ministrados em línguas estrangeiras (inglês e espanhol).

“A aula administrada em outra língua ocorre de uma forma mais rápida; você tem de estar preparado para apresentar um trabalho para a turma em inglês. Foi desafiador”, conta o aluno, que  durante o semestre teve como companheira de turma uma estudante de Sevilha, na Espanha. “A disciplina é mais do que aprender o conteúdo e praticar inglês; há troca de conhecimento com alunos de outros cursos e de outros países. Fiquei sem receio de me aventurar para ir estudar fora do Brasil”, completa. Desde 2011, a Univali oferece disciplinas ministradas totalmente em inglês e espanhol. “Pesquisas mostram que menos de 3% dos alunos brasileiros conseguem fazer intercâmbio. Na Univali, as várias vagas de mobilidade que disponibilizamos muitas vezes ficam inutilizadas, devido a questões como alunos que trabalham ou têm dificuldades familiares. Então, o módulo internacional de disciplinas é uma das estratégias da nossa política de  internacionalização at home. Expomos o aluno a uma realidade internacionalizada por meio de um currículo universalizado”, diz Maria Elizabeth da Costa Gama, coordenadora de assuntos internacionais da instituição.

O projeto exige que cada centro de formação da IES ofereça ao menos uma disciplina ministrada em espanhol, em inglês ou nas duas línguas. “Nossa intenção é captar o aluno estrangeiro, para tornar o nosso campus mais internacionalizado, e, ao mesmo tempo, aprimorar a fluência dos brasileiros em outra língua, para que o nosso aluno possa fazer um mestrado ou um doutorado fora
do Brasil”, diz a coordenadora.

Proficiência

Para os estudantes brasileiros frequentarem as disciplinas em língua estrangeira oferecidas em suas faculdades, é preciso que tenham, ao menos, nível intermediário de fluência no outro idioma. Do contrário, não conseguirão acompanhar minimamente as propostas feitas em sala de aula.

Ao mesmo tempo, a experiência do programa Ciência sem Fronteiras, que desde o seu surgimento, em 2010, já ofereceu 92,8 mil bolsas de estudos para o exterior, mostrou quão poucos jovens universitários do país têm familiaridade com alguma língua para além do português. “O governo federal teve de abrir oportunidade para o aluno bolsista estudar fora por mais seis meses para
poder aprender e se acostumar com o idioma do país de destino”, lembra Maria Elizabeth, cobrando a necessidade de investimento para o bom ensino de língua estrangeira aos jovens ainda na educação básica. “Os alunos brasileiros precisam saber se comunicar, interagir, resolver os seus problemas e expressar sentimentos em língua estrangeira. O governo federal precisa priorizar isso, e formar professores”, completa.

Segundo a coordenadora, o recomendado em eventos internacionais sobre mobilização universitária é que a IES não aplique testes aos estudantes nacionais para selecionar quem pode assistir a aulas em língua estrangeira. “O aluno tem de ser responsável o suficiente para entender o quanto ele já estudou a língua e se é possível acompanhar a aula”, diz.

Para resolver problemas dessa ordem, o Grupo Educacional Unis, de Minas Gerais, tem convênios com escolas particulares de língua estrangeira. A intenção é facilitar o acesso dos alunos da IES a esses cursos a partir de descontos nas mensalidades. O grupo é considerado um case de sucesso, sendo uma IES de médio porte com um programa de Cooperação Internacional consolidado: mantém 20 convênios com instituições internacionais  levando estudantes daqui para Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Hungria, entre outros países, e trazendo estudantes desses países ao Brasil. A partir de 2017, a instituição oferecerá disciplinas optativas em língua estrangeira para aprimorar o projeto.

“Estamos recebendo uma demanda de alunos internacionais, então queremos disponibilizar primeiro disciplinas em inglês,dando possibilidade ao estrangeiro e ao aluno Unis de assistirem a aulas em português e na língua estrangeira”, diz Stefano Barra Gazzola, presidente do Grupo.

Professores

Segundo Gazzola, os docentes que irão ministrar as aulas em língua estrangeira no Unis passaram por uma seleção da instituição e receberão um treinamento específico. “Afinal, não basta apenas o professor saber falar inglês, ele tem de ter condições de dar uma aula em inglês. Temos quatro professores que irão agora para a Hungria para aperfeiçoar esse idioma”, pontua.

Na Univali, são oferecidos cursos para os professores aprenderem a internacionalizar os seus currículos. “A intenção é que os docentes possibilitem aos alunos acesso a conteúdos com foco internacional e intercultural”, diz Maria Elizabeth.

Segundo Renée, um caminho para iniciar um curso em língua estrangeira nas IES é identificar um docente que domine outro idioma. “Em seguida, é preciso capacitá-lo para que tal
domínio linguístico possa ser direcionado ao ensino universitário. E existem instituições no Reino Unido com cursos específicos para formar professores estrangeiros que irão dar aulas em inglês em seus países”, orienta. “A tarefa da educação superior é formar cidadãos, profissionais e seres humanos para poderem atuar em um mundo que é complexo e multicultural. Ou é por aí ou é por aí”, finaliza.