Pesquisa traça o perfil dos estudantes de iniciação científica da região Sudeste e indica os gargalos para que a modalidade avance, garantindo um diferencial desde o princípio da graduação

por José Eduardo Coutelle

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Quem são esses jovens que se aventuram no mundo da pesquisa? E quais os desafios da iniciação científica nas instituições de ensino? As respostas podem ser encontradas numa pesquisa que traçou o Perfil dos Alunos de Iniciação Científica – Região Sudeste, divulgada recentemente pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp). O levantamento teve como base um questionário preenchido pelos estudantes inscritos no 12º Congresso Nacional de Iniciação Científica (Conic), realizado na cidade de São Paulo no início de dezembro.

Em sua maioria, os jovens pesquisadores são mulheres brancas, solteiras, na faixa dos 21 a 24 anos, estudam em universidades da rede particular no período da noite, moram com os pais, são sustentadas pela família e recebem algum tipo de financiamento para pesquisa. Entre os principais cursos estudados estão as engenharias, direito, psicologia, fisioterapia e computação.

Esse perfil compreende tanto os alunos da rede pública quanto os da particular, com exceção de apenas um item: a origem dos recursos das bolsas de pesquisa. Nesse quesito, há um sensível desequilíbrio em relação ao financiamento público. Apenas 7,3% dos alunos de iniciação científica da rede privada contam com bolsas de estudo e pesquisa concedidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por exemplo, enquanto que na rede pública o número de trabalhos apoiados pelo órgão de fomento federal chega a 18,1%.

Para o diretor executivo do Semesp, Rodrigo Capelato, essa distribuição das bolsas é desproporcional e prioriza a menor parcela dos estudantes brasileiros: os 20% que estudam na rede pública. “A distribuição tem que ser mais democrática. Essa postura vem de uma questão histórica. Foram as instituições públicas as pioneiras na iniciação científica no Brasil, mas hoje o perfil mudou”, afirma Capelato.

Graduação qualificada
O descompasso é sentido na pele pelos alunos da iniciação científica da Anhanguera Educacional. Conforme a vice-presidente Acadêmica, Ana Maria Costa de Sousa, dos 660 alunos que desenvolvem um projeto de pesquisa dentro da instituição, apenas seis recebem algum tipo de apoio governamental. “Não é uma coisa simples conseguir entrar no Pibic [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica]. A prioridade é sempre para as instituições públicas. As particulares só conseguem bolsas por convênio muito bem avaliado”, afirma.

Mesmo com o reduzido apoio do Estado, a busca dos alunos por uma das vagas no programa se multiplicou. De 2011 para 2012, o crescimento foi de 150%. Com isso, comenta Ana Maria, o processo de seleção dos projetos se tornou mais rigoroso.

Na opinião da diretora, uma das explicações para o aumento da procura dos estudantes está relacionada diretamente às oportunidades de trabalho. “Como nossa experiência é voltada para o mercado, será um diferencial para o aluno, não só no desempenho, mas sim em uma formação acadêmica diferenciada que o ajudará na disputa de uma vaga de emprego”, explica.

Em uma das principais universidades públicas do Brasil, essa realidade é bem diferente. Com duas décadas de experiência em iniciação científica, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) consegue oferecer bolsas de pesquisa para quase todos os alunos interessados. Segundo o assessor da Pró-Reitoria de Pesquisa, professor Mario Fernando de Goes, a instituição abre três mil vagas anualmente para a graduação e a metade desses alunos busca por uma das 1.209 bolsas que são oferecidas para iniciação científica: 299 financiadas pela Unicamp, 827 pelo CNPq e 83 pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Na opinião de Mario, a obtenção do financiamento depende principalmente da intervenção das próprias universidades junto aos órgãos de governo. “As universidades privadas têm o mesmo direito e a demanda tem crescido. Tivemos uma reunião do Pibic recentemente e das 150 pessoas presentes a maior parte era das universidades privadas. A conquista das bolsas depende do que a universidade oferece em contrapartida”, explica Mario Goes.

Com números crescentes em relação ao apoio à iniciação científica, o professor da Unicamp só vê um caminho para a pesquisa no Brasil, e ele é positivo. “A tendência é o crescimento. A iniciação científica é o primeiro passo para a transformação do estudante e todo aluno vislumbra uma oportunidade porque acha que vai saber mais. Para a universidade isso significa crescimento de pesquisa e reconhecimento, com os frutos sendo colhidos quando o trabalho é publicado em revistas de alto impacto”, complementa .

Direção dos recursos
Apesar do desequilíbrio na distribuição, não há falta de recursos. Nos últimos anos a verba federal para a pesquisa e a iniciação científica praticamente triplicou. O CNPq – órgão vinculado ao Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI) é um dos principais fomentadores desse crescimento através da criação de novos programas e a ampliação dos já existentes.

Após uma década de estagnação, a partir do governo do presidente Lula, os repasses aos programas de iniciação à pesquisa aumentaram ano após ano. Entre 2001 e 2011, os valores passaram de R$ 54,4 milhões para R$ 143,4 milhões. Em 2013 o orçamento prevê o repasse de R$ 146,6 milhões para a pesquisa.

Caminho burocrático
E como funciona o processo de distribuição dessas bolsas? O aluno pode requerer diretamente ao CNPq? A resposta é não. Todas as bolsas são repassadas diretamente para as instituições de ensino superior, que em seguida encaminham para os alunos interessados. Só que para participar do processo, as instituições precisam submeter proposta às chamadas públicas anuais do governo e contarem previamente com políticas de iniciação científica e tecnológica, além de um comitê institucional para gerir o programa. Sendo aprovado após todo esse trâmite, um comitê composto por pesquisadores doutores aprova ou não a solicitação do projeto encaminhado.

É justamente nesse ponto que se encontra a reclamação de grande parte das instituições particulares: o privilégio à rede pública. “Não dá para falar que não existe favorecimento”, aponta o coordenador do programa de iniciação científica do Instituto Mauá de Tecnologia, José Alberto Domingues Rodrigues.

Entretanto, ele acredita que o país vive um bom momento e que a inserção da rede particular nos programas federais se mantém crescente. “O governo está cada vez mais democrático. Há uma década, uma instituição privada que submetesse um trabalho receberia tratamento diferente. Hoje isso se reduziu muito. O aumento das bolsas na rede particular depende mais de uma motivação maior, de ter uma política interna. As públicas forçam para que isso aconteça. Nos últimos dez anos os canais aumentaram para se pedir dinheiro”, destaca.

Com formação na área de engenharia química e ampla vivência no mundo da pesquisa, Rodrigues entende que toda instituição deveria ter algum tipo de incentivo a pesquisa, mesmo que pequena. Segundo ele, todos os envolvidos – alunos, professores e instituição – ganham. “O professor que realiza os trabalhos adquire uma capacidade diferenciada de ensino, visto que fica mais atualizado. Os estudantes acabam tendo uma aula melhor. E a instituição fica com uma estrutura mais avançada, com laboratórios diferenciados”, avalia.

O Instituto Mauá faz a sua parte e disponibiliza para uma parcela de alunos a possibilidade de ingressar no programa de iniciação científica oferecido pela instituição. Anualmente são disponibilizadas 40 bolsas: 20 da própria instituição, 11 do CNPq e nove da Fapesp.

Futuro revigorado
Outra instituição com grande experiência em iniciação científica é a Universidade São Judas Tadeu. O programa completa 18 anos e já formou mais de 12 mil alunos pesquisadores. À frente do cargo de diretor do Centro de Pesquisa da São Judas há uma década, o professor Antônio José da Silva conhece bem a realidade da pesquisa na graduação. “Estamos em um momento em que em poucos anos vamos ter uma grande explosão nessa área”, prevê. Para ele, a mudança mais significativa é o aumento do apoio das entidades governamentais, principalmente para os programas das universidades particulares.

“Acredito que há uma revigoração. Verificamos que agora há interesse do governo em patrocinar. Acredito que a demanda vai vir das próprias instituições privadas”, diz.

De acordo com Silva, o próprio conceito de pesquisa no âmbito da graduação mudou nos últimos anos, deixando de ser claramente empírico para se tornar menos abstrato. “Muitos cursos lidam com uma ordem mais prática. Nas engenharias, por exemplo, o projeto pode ser a elaboração de um protótipo e não de um texto que vai comprovar uma hipótese”, explica.

Voltando-se para a área do aprendizado, Silva comemora o interesse crescente dos jovens por uma oportunidade de pesquisa em iniciação científica. Para ele, esses estudantes tornam-se diferenciados no ponto de vista acadêmico. “O aluno que se aprofunda em um trabalho de pesquisa vê o aprendizado de outra forma. Passa a ser um ator mais ativo no processo”, destaca. E os resultados positivos seguem para a vida profissional. “As pessoas lidam com problemas novos. Não se consegue resolver com respostas prontas. Tem de ser criativo. A pesquisa possibilita isso”, completa.

Além disso, outra porta de trabalho poderá ser aberta para os jovens pesquisadores: a carreira acadêmica, desenvolvendo projetos, e por conseguinte, assumindo papéis de protagonistas na pesquisa brasileira. Esse é um cenário que ao longo das últimas décadas vem mudando gradativamente.

O Brasil galgou oito posições no ranking mundial de países com maior número de publicações entre os anos de 1996 a 2011, passando de 21º a 13º lugar, conforme o portal espanhol SCImago Journal & Country Rank. As publicações brasileiras aumentaram quase seis vezes neste período, chegando a 49.664 em 2011. Com novas políticas de incentivo à pesquisa, o país já ocupa a 6ª posição na área de enfermagem, 5ª em agricultura e ciências biológicas e é o 2º país com maior número de publicações em odontologia e veterinária, perdendo somente para os Estados Unidos, líder absoluto no ranking geral.

O próximo passo, como diz a assessora da pró-reitoria de Pesquisa da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Maysa Furlan, é o Brasil qualificar melhor suas pesquisas para que sejam publicadas em revistas mais lidas e com isso aumentar o índice de citação e de impacto. Neste ponto, o programa de iniciação científica poderá fazer a diferença: formando o jovem ainda na graduação ele terá todos os atributos necessários para ser um grande pesquisador no futuro.

A Unesp também comprova o aumento no interesse pela pesquisa e iniciação científica. De 2011 para 2012 a quantidade de alunos que se inscreve para obter uma bolsa quadruplicou na universidade. Os números são vistos de forma positiva por Maysa. “Todo crescimento está relacionado à demanda. Com isso o programa fica mais qualificado e gera maior colaboração dentro da universidade”, conclui a assessora.

Para todos os tipos
 Em 2011, foram disponibilizadas 37.542 bolsas, destas 24.210 para os alunos do programa Pibic de 331 instituições de todas as regiões do Brasil – a maior parte, 42%, para a região Sudeste. Para 2013, será mantido este número e pouco mais de 24 mil alunos contarão com o auxílio de R$ 400 mensais durante o período de um ano para o desenvolvimento de seus trabalhos. Desde 2010, o financiamento do governo foi estendido para os alunos do ensino médio da rede pública com a criação do programa Pibic Ensino Médio. No ano passado, 5.558 jovens receberam a bolsa mensal no valor de R$ 100, número que será mantido para 2013. Além do Pibic, outro programa importante é o Pibit, voltado para o desenvolvimento da iniciação tecnológica. Criado em 2007, mais de 27 mil alunos de graduação já receberam o financiamento federal e em 2013 mais 3.094 estudantes deverão receber a bolsa. Outros três programas com menor dimensão completam a lista das concessões de bolsas feitas pelo órgão federal.