ENTREVISTA com Paulo Monteiro Vieira Braga Barone | Edição 205

Reconduzido ao Conselho Nacional de Educação, professor da UFJF diz que credenciamento de cursos poderia ser realizado em um prazo de um ano

por Rubem Barros

© Gustavo Morita

Um defensor de processos mais racionais e que levem em conta uma visão mais abrangente das questões educacionais e de sua cadeia de valores. Apesar de não se expressar exatamente nestes termos, é o que se pode depreender da fala de Paulo Monteiro Barone, professor do departamento de física do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e membro da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE), para a qual foi reconduzido em 2014 depois de lá ter estado entre 2004 e 2012.

Neste seu novo mandato, Barone aponta a questão regulatória como um dos principais desafios a serem vencidos. E garante: o credenciamento de cursos e instituições pode ser feito de forma mais célere caso o MEC deixe de dar tanto tempo a etapas burocráticas.

Ao retornar ao CNE, em 2014, o senhor dizia que um dos principais desafios nesse novo período seria fazer com que os órgãos responsáveis pela avaliação no ensino superior trabalhassem de forma mais integrada. Evoluímos?
É um dos grandes desafios. Entre avaliação e regulação, nosso sistema conta com um conjunto amplo de competências distribuídas por diferentes órgãos, e o diálogo é necessário para que funcionem de maneira articulada. Neste ano em que voltei, observei algumas boas articulações, não só diretamente entre Seres e CNE – diálogo que teve alguns contratempos com as mudanças no Ministério, mas que se renova com o novo secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior, professor Marco Antônio de Oliveira. Muitas outras iniciativas têm funcionado nessa direção, como diálogos diretos entre o CNE e dirigentes do Inep, da Seres e demais secretarias. Temos uma série de comissões operando no conselho, para as quais convidamos os atores relevantes e os colocamos nas discussões. Por exemplo, para formular uma nova regulamentação para a educação a distância foram chamados todos os atores do setor, e suas opiniões estarão refletidas. A sociedade está participando com suas entidades organizadas, o Fórum, a Abed. E ainda Capes, Seres, Sesu, Inep, diálogos com o secretário-executivo e com o ministro. A comissão ajuda a conduzir essa interlocução com aqueles que vão trabalhar conosco. Eles têm uma experiência importante a ser considerada. Se você vai falar de avaliação de EAD, precisa ouvir a diretoria de Avaliação da Educação Superior, que sabe o que tem acontecido e o que poderia ser reformulado. A mudança não se limita a esse aspecto, mas isso ajuda a pautá-la. Um aspecto importante, por exemplo: teremos cursos de pós-graduação stricto sensu, mestrado e doutorado, explicitamente a distância?

O senhor é favorável?
Sim. Cem por cento, ressalvadas as atividades que requerem alguma orientação. Tenho experiência de trabalhar num curso desse tipo que é não formalmente a distância, mas é quase integralmente a distância. Tem períodos presenciais duas vezes por ano, a orientação se processa frequentemente por intercâmbio eletrônico e com intermediação de tutores. É um processo interessante, favorece os mestrados profissionais, por exemplo, para os profissionais da educação. E outros públicos que requeiram esse tipo de flexibilidade.

O Inep está sobrecarregado?
Além de ser um instituto de estudos e pesquisas sobre educação, o Inep transformou-se numa agência de avaliação. Precisa trabalhar articulado com outras instâncias da sociedade, como organizações sociais que executem determinados exames. Acontece com o Enem, que tem um volume enorme. Há, portanto, tentativa de estabelecer ligação com outros organismos da sociedade para não sobrecarregar o Inep e deixá-lo manter a inteligência e a visão ampla sobre o processo de avaliação. A logística pode ser transferida para terceiros. Esse é um movimento que está acontecendo, em articulação com o MEC, para que o Inep resolva a sobrecarga que de fato existe hoje. Há outro aspecto que é a lei do Sinaes, muito avançada inclusive em termos internacionais, que diz que a decisão regulatória no Brasil se toma com base na avaliação. É um princípio muito importante. E essa avaliação tem como um dos componentes a avaliação por pares, um dos elementos essenciais de qualquer processo. Se nós dois pertencemos ao mesmo campo, eu devo te avaliar em algum momento e você deve me avaliar em outro momento. Esse conceito permite que padrões de qualidade se estabeleçam e que sejam padrões de qualidade da comunidade acadêmica. Não é algo simples, pressupõe idas e vindas, percalços, mas ao longo do tempo consolida uma ideia de que é a comunidade que faz o Enade, que vai aos cursos, que opina sobre a qualidade.

Uma reclamação recorrente é que o processo de aprovação de cursos é muito lento, com regras que mudam e investimentos que se perdem. Como melhorar isso?
A longa extensão da tramitação dos processos sujeita esse procedimento a mudanças de critério que não são desejáveis nem pedagógicas para o sistema. Toda a sociedade, inclusive o poder público, aspira a cursos superiores de maior qualidade, aspiração legítima e que deve ser por ele assegurada. Prazos mais curtos de tramitação favoreceriam esse processo. Isso implicaria reiterar as avaliações e assegurar a persistência da qualidade, ou a sua melhoria ao longo do tempo. A estrutura existente para a avaliação deve, de alguma maneira, condicionar a pretensão do processo regulatório. Não pode ser minucioso a tal ponto que a sobrecarregue e não se processe qualquer demanda, e nem pode ser frouxo de modo que não permita aferir e assegurar a qualidade.

O que fazer?
O processo pode ser mais expedito se focar as variáveis e os insumos mais significativos para a qualidade. Não é preciso visitar todos os cursos quando não há indicação de que tenham problemas. Ao lado disso, seria preciso adotar procedimentos técnicos padronizados que focalizassem os elementos essenciais da qualidade para a tomada de decisão. Como funciona hoje o credenciamento de instituições, que é uma atribuição que culmina com a decisão do Conselho Nacional de Educação? É um longo processo que trata primeiro da apresentação da proposta com os documentos essenciais; depois, vem uma análise por parte da secretaria, da regularidade e da competência desse projeto; a avaliação in loco e a possibilidade de recursos, fase que demanda mais tempo, com a composição de uma comissão, a visita, o prazo para recurso e o julgamento do recurso. É um período que não vale a pena encurtar muito, pois os prazos recursais são importantes, inclusive para aferir a qualidade do processo de avaliação, contramedida importante que decorre dessa possibilidade. Depois, segue para a análise e a decisão da secretaria para a sua opinião em relação ao credenciamento. Finalmente, vai ao Conselho. A fase entre o protocolo do processo e o fim do despacho saneador, a primeira análise documental, costuma ser muito longa e poderia ser curtíssima. Essa análise dispensaria algumas etapas de diligência. Com muita frequência o que se pede nas diligências já estava demonstrado nos documentos originais. Depois há uma fase de avaliação com um tempo mais longo. E a manifestação da secretaria acontece após um período longo em excesso, em que uma série de aspectos cadastrais poderiam ser vistos de forma automática. A inteligência deveria se dedicar a verificar se os elementos do processo educacional estão assegurados. Boas avaliações, boa proposta, o que se pretende, isso poderia ser feito rapidamente. Com organização do trabalho e foco nos pontos importantes, é possível encurtar os prazos. Em resumo, deixaria o prazo da avaliação próximo do que é hoje. A fase documental e a análise poderiam ser muito rápidas. A última fase, a decisão de recomendar ou não o credenciamento, poderia ser muito encurtada se o MEC não dedicasse tanto tempo e esforço a questões burocráticas, e olhasse mais para o relatório de avaliação.

Em quanto tempo o processo seria reduzido?  
Com esse tipo de procedimento, todas as instituições poderiam ser credenciadas num prazo próximo a um ano.

A avaliação não deveria levar mais em conta o perfil da instituição, se é mais voltada à pesquisa, ou ao ensino?
Seria muito importante que fosse assim, e em tese é. Mas boa parte da nossa regulamentação tem o espírito oposto. Muitas diretrizes curriculares de cursos dizem respeito a cursos universitários em que alguns aspectos têm uma importância muito grande, e que uma instituição de menor porte, sem a natureza universitária, não tem como propósito. Há uma pretensão de produção de conhecimentos numa escala que não seria apropriada a nenhum curso de graduação, mas que é característica do pensamento das instituições de natureza universitária. A mesma coisa vale para o olhar que frequentemente se tem sobre as instituições menores. Às vezes, o avaliador tem uma experiência próxima à instituição de grande porte, universitária, dedicada à pesquisa científica, e vai visitar uma instituição que tem propósitos muito diferentes. Esse estranhamento cultural gera problemas. Seria preciso mais coragem para separar formação superior em determinados campos ligados ao exercício de funções do mundo do trabalho de outras que têm pretensão acadêmica.

As restrições ao financiamento, ainda que justas, podem afetar seriamente a meta 12 do PNE (taxa bruta 50%, taxa líquida, 33%). Quais as saídas para esse impasse?
A saída é financiamento. Estudos mostram que olhar exclusivamente para a questão financeira é uma visão parcial, que não só reduz a capacidade de alcançar a meta 12, como tem impactos adicionais. Espera-se que, após um período de quatro anos de formação, grande parte da população que hoje cursa o nível superior se gradue e alcance níveis de remuneração mais elevados. Isso geraria ganhos imediatos para a economia, pois nossa média salarial é característica de uma população sem curso superior. Pessoas com formação superior ganham 2,7 vezes mais, em média, do que aqueles que não a tem, segundo estudo da FGV. Ou seja, é preciso olhar impactos posteriores sobre a economia, não apenas o impacto sobre o fundo. Além disso, há outros ganhos possíveis de produtividade nas cadeias produtivas que serão importantes no deslocamento da nossa economia, hoje focada em produtos de baixo valor agregado, para uma economia mais focada em inovação. O financiamento estudantil é um fator de investimento mais importante do que vários outros, tem impacto de longo prazo. Infraestrutura tem impacto, mas não muda a qualidade da economia.

Como o CNE tem encarado o desafio da Meta 12?
O CNE tem tido forte preocupação em dar conteúdo à Meta 12 do PNE. Não adianta só pensar na expansão numérica do alcance da educação superior. É preciso refletir no que isso significa em termos de formação para os egressos, olhar, por exemplo, para os campos da saúde e da tecnologia como áreas que precisam de muito mais gente do que o número de estudantes que temos hoje. E o campo das sociais aplicadas precisa perder um pouco da sua importância numérica. É preciso também redirigir os esforços para ações que tenham mais impacto na vida da sociedade e do egresso. Uma tentativa importante nesse sentido é redirecionar a formação médica para o sistema único de saúde. É preferível ter uma saúde – e esse é o projeto brasileiro – com um padrão de atenção básica, como se faz em países como Inglaterra e Canadá, a ter um padrão centrado em especialidades, como nos Estados Unidos, que tem muita dificuldade em financiar o seu sistema, pois os custos são explosivos. Esse tipo de direcionamento ajuda a dar conteúdo ao cumprimento da meta.