MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

INTERESSADO: Sindicato dos Professores Municipais de UF: BA

Conceição do Coité, (BA) e outros.

ASSUNTO: Consulta tendo em vista a situação formativa dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental e da educação infantil.

RELATOR: Nelio Bizzo

PROCESSO N.º: 23001.000023/2003-61

PARECER N.º: COLEGIADO:

CEB 03/2003 CEB

I – RELATÓRIO

Histórico

O Sindicato dos Professores Municipais de Conceição do Coité, BA, encaminhou ofício em 28 de Outubro pp comunicando o temor dos professores sobre o que deverá ocorrer em 2007, explicitamente se será ou não admitida a permanência dos atuais professores em sala de aula, mesmo se detiverem credencial de nível médio, na modalidade Normal, e trabalhem na docência da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental.

Ofício de teor parecido foi encaminhado em 30 de Outubro pp pela professora Vitória Ana Pignatti Lima Barbosa, diretora da EMEI “Cara Pintada”, de Itapuí, SP, indagando da obrigatoriedade de freqüência em curso de capacitação para professores formados em nível médio na modalidade Normal. Ela registra a oferta feita pelo Centro Universitário UNIARARAS e indaga se o Curso Normal Superior é de fato obrigatório para que os professores com Normal médio continuem a lecionar após 2007 e se essa suposta obrigatoriedade se estenderia inclusive aos professores efetivos.

Mérito

A formação de professores em nível médio, na modalidade Normal, freqüentemente tem sido envolvida em controvérsias. A lei 9394/96 definiu o patamar mínimo para o exercício docente para os quatro últimos anos do ensino fundamental, ao estatuir que a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. (LDB, art. 62).

Nas Disposições Transitórias da mesma lei consta, no § 4º do Art 87, que “Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”. Por meio desta redação de significado pouco preciso muitas pessoas foram levadas a pensar que após 10 anos da promulgação da Lei o acesso a funções docentes passasse a ser prerrogativa exclusiva de professores com formação em nível superior.

Essa interpretação, apesar de muito difundida, não resiste a uma análise da legislação que serve de referência, em especial três suportes básicos: a própria LDBEN, a lei 10.172/2001 (Plano Nacional de Educação) e a Constituição Federal.

A redação do artigo 62 da LDBEN é clara e não deixa margem para dúvida. Aqueles que freqüentam um curso Normal, de nível médio, praticam um contrato válido com a instituição que o ministra. Atendidas as disposições legais pertinentes, a conclusão do curso conduz a certificado de conclusão que, por ser fruto de ato jurídico perfeito, gera direito. No caso, o direito gerado é a prerrogativa do exercício profissional, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.

Os professores que lograram obter formação de nível médio, na modalidade Normal, incorporaram a seu patrimônio individual a prerrogativa do magistério. Nossa Constituição Federal, a Lei Maior de nosso País, diz que o ato jurídico perfeito gera direito adquirido, e que a lei não pode prejudicá-lo.

De fato, no TÍTULO II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, da Constituição Federal, o CAPÍTULO I se refere aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, e em seu artigo 5 º , afirma:

“XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”

As pessoas que foram legalmente habilitadas para o exercício do magistério por força de ato jurídico perfeito têm assegurado o reconhecimento de seu título profissional por toda a vida, tendo incorporado irreversivelmente essa prerrogativa a seu patrimônio pessoal, não podendo ser impedidos de exercer a profissão docente na esfera da habilitação específica.

Outro preceito importante em relação ao direito adquirido se refere ao fato de ele ser incorporado mesmo se não exercido. Assim, não são apenas os professores que estão no exercício da profissão que têm direito adquirido, mas todos aqueles que têm o certificado de conclusão expedido por instituição reconhecida pelo respectivo sistema de ensino.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação em Nível Médio na modalidade Normal (Parecer CNE/CEB 01/99) reconhecem que o Art. 62 da LDBEN “flexibiliza” a trajetória de formação docente e indo além, afirma que:

Tal flexibilidade é compatível com o esforço dos legisladores no sentido de contemplar a diversidade e a desigualdade de oportunidades que perpassam a

realidade educacional no país. Sem criar impedimentos formais para a oferta dessa modalidade de atendimento educacional, de fato, a lei desafia os sistemas a repensá-la sob novas bases. A rigor, seu reconhecimento expressa um movimento em busca da recuperação da sua identidade, na medida em que é a única modalidade de educação profissional em nível médio que a lei reconhece e identifica. As políticas educacionais haverão de respeitar essa peculiaridade e envidar esforços para dar conseqüência à valorização do magistério em todas as suas dimensões.

Embora a lei determine que o nível médio é o patamar mínimo para o exercício da docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, existe plena concordância sobre a conveniência de formação em nível superior para todos os professores. Esse patamar mínimo e o desejo do movimento em direção ao aprimoramento da formação docente foi confirmado pelo Plano Nacional de Educação (PNE), a Lei 10.172, de 9 de Janeiro de 2001.

Ele defende a melhoria da qualidade do ensino em nosso país e reconhece que ela somente poderá ser alcançada com a valorização do magistério. Esta implica em, simultaneamente, cuidar da formação inicial, das condições de trabalho, salário e carreira e da formação continuada.

O Plano Nacional de Educação reconhece a existência de cerca de 30.000 professores que atuam na educação infantil e que não possuem formação docente, um número incerto atuando em creches, pouco mais de 10.000 professores atuando em classes de alfabetização, com formação apenas no ensino fundamental. Da mesma forma, pondera a mesma Lei, cerca de 100.000 professores (número que o PNE considerava subestimado) atuam nos anos iniciais do ensino fundamental e carecem de formação específica em nível médio.

O Plano Nacional de Educação estabelece que (meta 10.3.10) “onde ainda não existam condições para formação em nível superior de todos os profissionais necessários para o atendimento das necessidades do ensino, estabelecer cursos de nível médio, em instituições específicas, que observem os princípios definidos na diretriz no. 1 e preparem pessoal qualificado para a educação infantil, para a educação de jovens e adultos e para as séries iniciais do ensino fundamental, prevendo a continuidade dos estudos desses profissionais em nível superior.“ Todos esses profissionais devem completar sua formação em nível médio, na modalidade Normal, até 2006 (meta 10.3.17).

Ao mesmo tempo, somando-se a essa demanda, o Plano Nacional de Educação estabelece ainda a transformação progressiva de todas as escolas unidocentes em escolas com mais de um professor (meta 2.3.15) e a reversão do desdobramento de turnos, garantindo no máximo dois turnos diurnos e um noturno (meta 2.3.20). Essas determinações apontam para o equacionamento da formação docente na zona rural, em lugares de difícil acesso, de maneira a que todas as crianças tenham educação de qualidade, com professores que tenham pelo menos a formação em nível médio, na modalidade Normal.

A seguir é apresentado estudo sobre os mais recentes números oficiais de professores (em verdade, funções docentes) que carecem de formação específica para o magistério.

Regiões

Professores sem Ensino Médio

Alf+1 a . a 4 a . Pré –Escola

Creche

EJA

TOTAL

Brasil

52.751

17.604

11.349

4.366

86.070

Norte

11.561

2.129

499

1.310

15.499

Nordeste

33.977

11.854

3.463

2.741

52.035

Sudeste

2.330

1.574

3.670

119

7.693

Sul

2.106

1.334

3.356

120

6.916

Centro-Oeste

2.777

713

361

76

3.927

Fonte: MEC/INEP/SEEC.

Censo 2001

(funções docentes)

Os dados do Censo 2001 mostram a existência de 86.070 professores em sala de aula que carecem da formação em nível médio. Possivelmente, dados mais recentes, em especial colhidos com maior cuidado em instituições de ensino municipais, revelem contingente maior de professores nessa situação, seja na educação infantil, seja nos cursos de EJA. O desdobramento das classes unidocentes e a diminuição do número de turnos, metas do PNE, certamente ampliarão a necessidade de formação em nível médio, na modalidade Normal. Portanto, não resta dúvida acerca da pertinência das metas estabelecidas no PNE em relação à formação no nível médio, na modalidade Normal. A Escola Normal de nível médio, de saudosa memória em muitos lugares, ainda se faz necessária em nosso País e não é possível dizer o contrário senão sob o risco de incorrer em equívoco grave.

A formação em nível superior de todos os professores é uma utopia norteadora, um desejo que a lei quer ver satisfeito e, assim sendo, não pode ser considerada uma meta a ser alcançada de maneira trivial. Os sistemas de ensino e seus órgãos normativos deverão estimular e perseguir a causa da qualidade na educação – outro ditame constitucional – o que implica em buscar e oferecer oportunidades de formação docente, inclusive em serviço e com os recursos da educação à distância. No entanto, isso só poderá ser feito por meio de estímulos à progressão funcional, com planos de carreira que contemplem a formação em nível superior e incentivos diversos, inclusive com o recurso ao licenciamento periódico disposto no Art 67, II, da LDBEN.

Em relação à dúvida sobre a participação em concursos públicos, todos os profissionais da educação que adquiriram a prerrogativa do magistério não podem ser impedidos, de forma legal, de participar de qualquer mecanismo de acesso a funções docentes, em especial na esfera do serviço público. O concurso público de provas e títulos é genuinamente o mecanismo de acesso consagrado em nossa Carta Magna (art. 206, V, com a redação da Emenda Constitucional 19, de 04/06/98) e na legislação infra-constitucional. A LDBEN, também ressalta a importância do concurso público de provas e títulos (Art. 67, I), franqueado a todos os que estão legalmente habilitados, como via única de acesso a cargos docentes. A LDBEN chega a ser inclusive incisiva nesse ponto dado que o Art. 85. diz que qualquer cidadão habilitado com a titulação própria poderá exigir a abertura de concurso público de provas e títulos para cargo de docente de instituição pública de ensino que estiver sendo ocupado por professor não concursado, por mais de seis anos. A expressão “titulação própria” tem o fito de explicitar a abrangência que a formação docente comporta e que está definida no art 62.

Assim, os profissionais com formação em nível médio, na modalidade normal, têm assegurado o direito à docência no futuro e esse direito não pode ser cerceado por força da Constituição Federal.

II – VOTO DO RELATOR

Voto nos termos deste parecer, anexando minuta de resolução, solicitando remessa de cópia deste parecer aos interessados e às instituições mencionadas em suas missivas. Diante da relevância da matéria para os sistemas de ensino, solicita remessa deste parecer aos Conselhos Estaduais de Educação, por meio do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação e às Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, por meio do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME).

Brasília(DF), 11 de Março de 2003.

Conselheiro Nelio Bizzo – Relator

I- III – DECISÃO DA CÂMARA

A Câmara de Educação Básica aprova o voto do Relator, com voto contrário do conselheiro Arthur Fonseca Filho.

Sala das Sessões, em 11 de março de 2003

Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury – Presidente

Conselheiro Nelio Bizzo– Vice-Presidente

DECLARAÇÃO DE VOTO

Voto contrariamente ao presente parecer e ao seu projeto de resolução, exclusivamente, por conta do Voto do Relator. Considero que a matéria constante do referido parecer não é passível de normatização. Por outro lado, enquanto a comissão especial, criada no âmbito do CNE, não concluir seus estudos, no sentido de consolidar as normas para a formação de professores, é inoportuna a definição de mais um ato normativo.

Brasília, 11 de março de 2003

Arthur Fonseca Filho– Conselheiro

RESOLUÇÃO CEB N.º , DE ___ DE _____ DE 2003.

Dispõe sobre os direitos dos profissionais da educação com formação de nível médio, na modalidade Normal, em relação à prerrogativa do exercício da docência em vista do disposto na lei 9394/96, e dá outras providências.

O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais e tendo em vista o disposto na Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, e ainda o Parecer CEB __/03, homologado pelo Senhor Ministro de Estado da Educação em __de ___ de ___,

RESOLVE:

Art. 1º Os sistemas de ensino, de acordo com o quadro legal de referência, devem respeitar em todos os atos praticados os direitos adquiridos e as prerrogativas profissionais conferidas por credenciais válidas para o magistério na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, de acordo com o disposto no art. 62 da Lei 9394/96 .

Art. 2º Os sistemas de ensino envidarão esforços para realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício.

§ 1º Aos docentes da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental será oferecida formação em nível médio, na modalidade Normal até que todos os docentes do sistema possuam, no mínimo, essa credencial.

§ 2º Aos docentes que já possuírem formação de nível médio, na modalidade Normal, será oferecida formação em nível superior, de forma articulada com o disposto no parágrafo anterior.

Art 3º Os sistemas de ensino instarão os professores a aderir aos programas de capacitação por meio de estímulos de carreira e progressão funcional nos termos do Parecer CNE/CEB 10/99 e art 5 o . da resolução CNE/CEB 03/97, utilizando também, para tanto, o recurso do licenciamento periódico disposto no Art 67,II, da lei 9394/96, os recursos da educação a distância, de maneira a atender as metas instituídas na Lei 10.172/2001.

§ 1º A adesão aos programas de capacitação e formação em serviço será sempre voluntária, sendo garantido o pleno exercício profissional dos formados em nível médio, na modalidade Normal, em sala de aula nos termos da lei.

§ 2º A oferta de programas de capacitação e formação em serviço deverá ser feita sem comprometer o calendário escolar, assegurando aos alunos da educação básica o cumprimento integral da carga horária do ano letivo.

Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.

Art. 5º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

CARLOS ROBERTO JAMIL CURY

Presidente da Câmara de Educação Básica

Ministério da Educação

GABINETE DO MINISTRO

DESPACHO DO MINISTRO

Em 31 de Agosto de 2003

Nos termos do art. 2º da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, o Ministro de Estado da Educação HOMOLOGA o Parecer nº 03/2003, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que responde consulta do Sindicato dos Professores Municipais de Conceição do Coité BA. e outros, sobre a situação formativa dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental e da educação infantil, conforme consta do Processo nº 23001.000023/2003-61. CRISTOVAM BUARQUE

(Of. El. nº 336)

(Publicado no D. O. U., Nº 148, 04/08/2003 (SEGUNDA-FEIRA), SEÇÃO 1, P. 5)

Consulta tendo em vista a situação formativa dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental e da educação infantil.