MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

INTERESSADO: Prefeitura Municipal de Andradina

UF: SP

ASSUNTO: Consulta sobre a situação de profissionais que atuam com crianças de zero a três anos e onze meses em Centros Municipais de Educação Infantil.

RELATOR: Neroaldo Pontes de Azevedo

PROCESSO Nº: 23001.000025/2004-31

PARECER Nº: 04/2004

COLEGIADO: CEB

APROVADO EM: 27/1/2004

I – RELATÓRIO

A Prefeitura Municipal de Andradina, no Estado de São Paulo, por meio da Secretaria Geral de Administração e Coordenação – Ofício Especial 0001/2003, datado de 15 de julho de 2003, manifesta desejo de proceder a uma mudança na nomenclatura das “educadoras de creche”, nos termos da legislação vigente. Manifesta dúvida, no entanto, sobre a classificação adequada: se como “auxiliares de educação” ou “professoras de educação infantil”.

Do oficio e dos documentos apresentados em anexo depreende-se a seguinte situação: Em 10/11/1999, a Prefeitura edita lei municipal 1831/99 sobre a criação de cargos, tendo sido criados, Quadro de Pessoal e Carreira, 15 (quinze) cargos de Educador de Creche. Em 25/01/2000, a Prefeitura, lança edital de concurso público destinado ao provimento de vagas para Educadora de Creche. Nele é exigido, como escolaridade, o 2° grau completo, com habilitação específica para o magistério de 1ª a 4ª ou em pré-escola. Apesar de dirigido a atuação na. creche, o concurso exige conhecimentos relativos a toda a educação infantil – 0 a 6 anos. …

Em 11/04/2000, a Prefeitura edita lei municipal 1846/00 sobre o Estatuto do Magistério Público Municipal que estrutura e organiza o magistério – docentes e profissionais de suporte pedagógico permanente. Na classe de docentes, está prevista classe de professores de educação infantil, para atuar na educação infantil de 0 a 6 anos e na Educação de Jovens e Adultos (art.l0). Exige-se, como requisito para o provimento dos cargos, a licenciatura em Curso Normal Superior em Educação Infantil ou habilitação para a pré-escola em Curso Normal de Ensino Médio (art.15). No capítulo das disposições gerais e transitórias, a referida lei cria, além dos cargos já existentes, 20 (vinte) cargos para Docentes de Educação Infantil (art.81).

Ainda, segundo relatado no oficio, estas profissionais atuam com crianças de zero a três anos e 11 meses nos Centros Municipais de Educação Infantil (Creches). Praticam funções docentes, como planejamento, execução e avaliação das aulas, participação nas Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (I TPCs) e controle diário de freqüência em diários de classe. Relata, ainda, :que estas professoras possuem formação em magistério, a maioria, inclusive, com graduação em pedagogia ou com pós-graduação.

A Prefeitura envia consulta ao CNE sobre a legalidade da transposição da nomenclatura de educadora de creche para professora de educação infantil e os procedimentos para tal operação (sobre tudo no tocante ao aspecto legal no âmbito do município). Questiona, ainda se as professoras passariam a ser enquadradas na lei que dispõe sobre o estatuto e se as mesmas gozariam dos mesmos direitos e deveres relativos aos docentes nela expostos.

A questão suscitada pela Prefeitura Municipal de Andradina situa-se no campo da organização da carreira docente. O caso em tela remete-se basicamente a duas questões centrais: em primeiro lugar, a mudança de nomenclatura e, consequentemente, de cargo e respectivas vantagens e, em segundo lugar, os mecanismos legais e procedimentais para tal fim.

Para iluminar a análise do tema em tela é indispensável recorrer à legislação em duas vertentes que se intercruzam, no caso do magistério:

· a dimensão das relações contratuais de trabalho as formas de ingresso na carreira e as possibilidades de reorganização.

· a dimensão educacional: a habilitação mínima como requisito básico para o exercício da carreira docente.

No tocante às formas de ingresso na carreira, a Constituição Federal, no seu artigo 37, inciso E, afirma de maneira clara que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos”. Esse principio é reafirmado na LDB, art. 67, inciso 1 e na Resolução CEB/CNE 03/97, que fixa diretrizes para os novos planos de cargos, carreiras e remuneração do magistério, no art. 3°.

No caso de Andradina, a Prefeitura cumpriu o exigido em lei: o provimento de cargos por meio de concurso público. Neste caso, o concurso foi realizado para o provimento do cargo de educadora de creche que havia sido criado pela Prefeitura anteriormente, por meio da lei municipal 1831/99.

Mas, a pergunta decorrente é sobre as formas de organização ou reorganização da carreira do magistério, após a realização do concurso público.

A LDB, no art. 67, reconhece os estatutos e o planos como instrumentos para a valorização do magistério e como elementos norteadores da organização da carreira docente. Além disso, a Lei 9424/96 que regulamenta o FUNDEF estabelece a necessidade de que os Estados, os Municípios e o Distrito Federal instituam novos Planos de Carreira e Remuneração do Magistério, com base na nova legislação em vigor.

Vale registrar, também,. a própria Resolução da Câmara de Educação Básica que fixa diretrizes para os novos planos de carreira e de remuneração do magistério, editada em 08 de outúbro de 1997.

A legislação fala em Plano de Carreira e Remuneração e, em. alguns casos, do Estatuto. Cabe, então, diferenciar conceitualmente Plano de Carreira e Remuneração de Estatuto. O Plano de Carreira “é a própria definição da carreira, em sua estrutura, organização e funcionamento. No âmbito do serviço público, é instituída em norma legal específica”. O Estatuto, “encerra o sentido de regulamentação, de regime jurídico. Contém as normas definidoras de direitos e obrigações”.

É, portanto, o processo de elaboração do Plano e do Estatuto o momento privilegiado para se pensar a reorganização da carreira, nos termos da nova legislação em vigor e nos termos, também, dos interesses, das necessidades e das possibilidades de cada ente federativo.

Nele, é possível criar uma nova estrutura de cargos. Os novos cargos, no entanto, podem ser providos com os cargos anteriores, desde que não impliquem em mudanças para cargo distinto do anterior ou mesmo a mudança de atribuições diversas daquelas para as quais o servidor ingressou no serviço público.

Estão vedadas, ainda, a partir da Constituição de 88 as formas de ascensão profissional, como mecanismo de inserção em carreira diversa daquela em que se havia ingressado no serviço público. São permitidas, sim, as formas de progressão e promoção, mas como fator de evolução na carreira.

No caso de Andradina, a Prefeitura, não apresentou ou não possui Plano de Carreira e Remuneração, ainda que esteja previsto no art. 63 do Estatuto o seu estabelecimento por meio de instrumento legal especifico. Apresentou, sim, o seu Estatuto.

No Estatuto, há um capítulo destinado à normatização da organização do Quadro do Magistério – composição e campo de atuação. No artigo 10, no aspecto da definição do campo de atuação, afirma-se:

“Os ocupantes de cargos de professores atuarão na Educação Básica na seguinte conformidade:

I – Professor de Educação Infantil, nas classes de Educação Infantil de 0 a 6 anos e de Educação de Jovens e Adultos.

II – Professor de Educação Básica I nas classes de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental e nas classes de Educação de Jovens e Adultos.

III – Professor de Educação Básica II no Ensino Fundamental de 1ª a 8ª séries. IV-Professor de Educação Especial nas classes de Educação Especial. ”

São criados vinte (20) cargos de educadora infantil 0 a 6 anos (art. 81), sendo mantidos os cargos já existes (art.81), apesar de no capítulo das disposições gerais e transitórias serem revogadas as disposições em contrário (art.86).

Reside, aí um a questão de busca de interpretação jurídica e, ao mesmo tempo, de interpretação da vontade do gestor. O que significa a criação do novo cargo educadora infantil mas mantendo o cargo de educadora de creche? Poderia ser interpretado como uma vontade de coexistência dos dois cargos com atribuições diferenciadas: um para 0 a 6 e outro, para 0 a 3? Qual o sentido dessa diferenciação?

Para o caso do magistério, um requisito básico para o exercício da carreira docente é a habilitação especifica. Legalmente, a habilitação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental é a oferecida em nível médio, na modalidade normal (LDB, artigo 62/Resolução CEB 03/97, no art. 4°, inciso I ).

A legislação apresenta como elemento de diferenciação, em termos de habilitação, a atuação docente para a educação infantil e as séries iniciais do ensino fundamental, é admitida a, habilitação em nível médio, modalidade normal; para. as séries forais e o ensino médio, a graduação no âmbito da licenciatura.

Dessa forma, o profissional que obtiver a habilitação em nível médio, modalidade normal esta apto para exercer a docência de 0 a 3 anos, de 4 a 6 anos, bem como até a quarta série do ensino fundamental ou ciclo correspondente. Assim como o profissional habilitado na graduação no âmbito da licenciatura está apto não apenas para uma série especifica do ensino fundamental ou ciclo correspondente, mas pára todas as séries finais e o ensino médio.

No caso específico da Prefeitura Municipal de Andradina, verifica-se, que as professoras possuem, na sua maioria, não apenas a formação mínima exigida na legislação vigente, mas curso de nível superior graduação (pedagogia) ou pós-graduação.

Desse ponto de vista, não haveria dificuldade que as professoras ampliassem a sua função docente, pois se verifica que as mesmas possuem habilitação para tal fim. Considere-se ainda o fato de que o concurso exigiu conhecimentos de 0 a 6 anos de idade. Um dos pontos do Programa do concurso é “Creches – Atividades de 0 a 6 anos”, quando o correto seria Creches – Atividades de 0 a 3 anos”. Ou seja, esta atitude pode revelar um certo desconhecimento, por parte dos responsáveis pelo concurso, dos aspectos estruturais da organização da educação no Brasil. Pode revelar, ainda, o entendimento comum e histórico de que toda a educação infantil, quando desenvolvida em unidade específica, é creche, sem atentar para as especificidade.

Pode-se apelar, no entanto, para o fato de o concurso ter exigido conhecimento em nível de 4 a 6 anos, também.

Observe-se que de um ponto de vista do Direito intertemporal, a lei retroage para beneficiar. Pode-se compreender que a modificação no estatuto do magistério, criando cargos de docente de educação infantil, com exigências que já vinham sendo cumpridas pelas professoras, pode beneficia-las.

Pode-se falar também de possíveis falhas no edital do concurso, o que é, em todo caso, questão a se resolver no âmbito do direito administrativo. No âmbito, porém, da dimensão pedagógica e da habilitação para o exercício da docência, as professoras estão, segundo a documentação processual, devidamente habilitadas.

II – VOTO DO RELATOR

Considerando as informações apresentadas pela Prefeitura Municipal de Andradina, torna-se evidente que este grupo de quinze professoras possui o cargo de professora, efetivadas por meio de concurso público, e exercem a função docente. São, portanto, professoras e não auxiliares de educação ou berçaristas ou babás ou qualquer outra dessas funções ainda existentes nas creches.

É evidente, também, que possuem habilitação para o exercício da docência não apenas para creche – 0 a 3 anos, mas para toda a educação infantil (0 a 6 anos). Num sentido pedagógico, não estariam ampliando as suas funções, mas cumprindo as funções para a qual obtiveram titulação.

Mas, do ponto de vista do direito administrativo, haveria que se considerar o fato de que as professoras não foram concursadas para tal fim, a docência de 4 a 6 anos. O edital é claro: educador de creche.

Em todo caso, somos de parecer favorável, à mudança da nomenclatura de educadora de creche para docente de educação infantil, nos termos do Estatuto do Magistério do Município, uma vez que o concurso exigiu conhecimentos no âmbito da educação infantil e as professoras possuem habilitação para tal fim.

Brasília(DF), 27 de janeiro de 2004.

Conselheiro Neroaldo Pontes de Azevedo – Relator

III – DECISÃO DA CÂMARA

A Câmara de educação Básica aprova por unanimidade o voto do Relator.

Sala das Sessões, em 27 de janeiro de 2004.

Conselheiro Francisco Aparecido Cordão – Presidente

Conselheiro Nélio Marco Vicenzo Bizzo – Vice-Presidente

Consulta sobre a situação de profissionais que atuam com crianças de zero a três anos e onze meses em Centros Municipais de Educação Infantil.