Homem com as mãos estendidasNão sou pretensioso para afirmar que há uma única trilha para que os estudantes tenham sucesso na aprendizagem e uma única ação para as IES diminuírem a evasão. Entendo que há boas soluções disponíveis no ambiente do ensino superior. Começo por afirmar o “mais do mesmo”: o ambiente do ensino superior é competitivo, estamos em um contexto de crise econômica, os custos de manutenção de uma IES são enormes, a evasão e a inadimplência aumentam constantemente e há urgência em repensarmos o perfil dos professores e dos líderes.

Os mais céticos podem afirmar que a situação é: afundar ou nadar. Não acredito em sentenças definitivas, acredito em processos, portanto, acredito que se uma IES não realizar transformações consistentes “a morte por afogamento” será lenta, mas virá. Provavelmente, IES que tenham mais prestígio terão mais tempo de vida, caso decidam fazer as mesmas coisas que sempre fizeram.

Faço um convite para os leitores: sejam ousados em suas atividades. No caso do ensino superior, se você é gestor, procure remover as barreiras burocráticas e promova a inovação, não permita a fragmentação institucional, onde prevalecem as “ilhas de micro poderes”. Se você é professor, procure compreender as diversas dimensões da aprendizagem. Caso seja da administração, entenda o ambiente em que atua e colabore com a integração das diversas áreas da IES.

Há várias formas de a IES obter o sucesso do estudante e evitar a evasão, com o objetivo de aumentar a competitividade institucional, a sustentabilidade e a qualidade acadêmica. No presente artigo, o foco será o sucesso do estudante, que acontece quando o aluno torna-se um egresso que age como cidadão e contribui com a resolução das demandas sociais, e quando ele é capaz de trabalhar de forma profissional e tem alta probabilidade de conseguir um emprego compatível com sua formação ou de atuar como empreendedor.    O artigo poderia tratar do investimento na inovação e no professor ou no modelo de gestão da IES, como fatores que garantem o sucesso do estudante, mas esses temas não são objeto da presente análise.

Quais são as ações de uma IES que podem garantir o sucesso dos estudantes? É comum as instituições oferecerem cursos de nivelamento, eventos de integração, orientação psicológica, vocacional e profissional, ou mesmo entenderem que ajudar o estudante é unicamente oferecer descontos financeiros. Aqui vamos defender que as IES devem elaborar um programa que contenha diferentes ações convergentes.

Entendo que o uso de predictive analytics (algo mais comum entre as IES nos EUA) é um fator de sucesso dos estudantes. Com certeza há instituições utilizando a análise preditiva no Brasil, mas a prática não é comum. Podemos entender essa análise como um processo de “mineração” e estudo de uma grande quantidade de dados para encontrar padrões e prever comportamentos. Essa é uma definição que pode ser encontrada no relatório “The Future of Learning” do The Chronicle of Higher Education.

A University of South Florida utiliza aproximadamente 300 variáveis para compreender o comportamento dos estudantes, com o objetivo de planejar ações para que os estudantes obtenham sucesso. São diversas variáveis: frequência de acesso à plataforma digital, uso da biblioteca, hábito de leitura, resultados de avaliação, frequência nas aulas, utilização dos laboratórios, entre outros. O big data tornou-se uma obsessão para acompanhar os estudantes.

As instituições que utilizam big data criam grupos de variáveis e, através de algoritmos, os gestores fazem análise do comportamento e propõem ações preventivas para que os estudantes não desistam de estudar e terminem o curso de graduação estimulado e com vontade de manter vínculos com a IES.

Pode ser comum no Brasil as IES organizarem alguns indicadores, mas o uso não é uma prática consolidada da gestão quando pensamos no sucesso dos estudantes. Podemos até ser bons em indicadores financeiros, e isso é interessante e contraditório, porque ser um bom gestor financeiro ou fazer gestão profissional de IES no Brasil não representa necessariamente cuidar dos estudantes. Bons indicadores financeiros não se sustentam no longo prazo quando os alunos percebem que não há aderência entre as suas demandas e o modelo de gestão da IES. Aprendemos que fazer gestão é prioritariamente cuidar dos resultados financeiros, não priorizamos práticas focadas no sucesso dos estudantes.

Gestores zelosos com o sucesso dos estudantes olham os resultados das análises preditivas e elaboram planos, fazem recomendações, provocam diálogos institucionais e criam metas para os diversos indicadores. Um gestor contemporâneo é aquele que consegue compreender e ter estratégias para as diversas dimensões da instituição. Priorizar o financeiro em detrimento do acadêmico é retomar um erro da década de 1990. Não priorizar os estudantes é um erro contemporâneo que provavelmente irá diminuir a capacidade competitiva da IES. O uso do big data tornou-se uma estratégia para planejar ações e antecipar a eventuais problemas.

A análise preditiva requer investimento, mas os custos se diluem com o aumento da retenção e da satisfação dos estudantes em relação à IES. As instituições que utilizam esse recursos implementam ações proativas e superam programas de nivelamento, com resultados duvidosos.

De forma isolada, essas análises e as ações que são decorrentes não garantem o sucesso dos estudantes. É recomendável que os alunos tenham uma experiência curricular flexível, na qual eles possam construir sua formação ao longo do curso. Aliás, currículos com pouca prática desestimulam os estudantes. Uma das perguntas que o leitor que atua no ensino superior precisa responder é: o currículo de sua IES é hands on? Se não for, provavelmente sua IES terá dificuldade de atrair jovens digitais.

O vinculo com o egresso e com o setor produtivo e o investimento em programas de empregabilidade também são recomendados para garantir o sucesso dos estudantes. As instituições confundem programas de desconto financeiro e relação comercial com vinculo efetivo com o egresso. Acompanhar a vida do egresso, saber se a formação recebida garante a empregabilidade ou se há gaps na formação são informações que podem gerar análises e revisões na dinâmica acadêmica da instituição e dos cursos de graduação.

Da mesma forma, construir projetos com o setor produtivo que respondam aos desafios da sociedade pode garantir que a instituição mantenha-se contemporânea e relevante. Não há possibilidade de sucesso do estudante se a IES não formar cidadãos capazes de atuar no “mundo real”. A instituição que proporcionar um modelo de ensino e aprendizagem não compatível com o que acontece nos ambientes em que o estudante vai atuar quando finalizar o seu curso de graduação terá dificuldade de manter-se competitiva e atrair os jovens em campanhas de captação de matrículas. Aliás, o desafio vai além de formar para o mundo. É preciso formar os estudantes com as competências contemporâneas. Muitas IES proporcionam uma formação profissional desvinculada das demandas das organizações que contratam os egressos. Atualmente, é preciso reconhecer a necessidade de equilibrar a formação por competências com a formação profissional.

Uma estratégia que avança nas IES que buscam o sucesso dos estudantes é a criação de uma área de conselhos para a vida acadêmica. A área acompanha a vida dos estudantes ao longo do curso de graduação. A iniciativa é responsável por manter um relacionamento que cuide do dia a dia do aluno na IES, que atue desde os serviços de alimentação e logística até a orientação para sua trajetória acadêmica.

Há instituições que possuem pessoas especializadas em acolher os estudantes e inseri-los no ambiente do ensino superior, em aconselhá-los em relação ao currículo, à dedicação aos estudos e a leituras, ao uso dos espaços acadêmicos, à prática de esportes, e mesmo em seus relacionamentos com outros estudantes na IES.

O fato é que os gestores de IES precisam se tornar especialistas em jovens e realmente organizar ações que tenham como objetivo o sucesso dos estudantes. Temo que o conflito de gerações (gestores versus estudantes, professores versus estudantes) predomine nas instituições. O desafio dos gestores é cultivar o relacionamento com os estudantes, mas não de forma superficial e esporádica. Estudantes que são instigados a vivenciar em suas instituições experiências de voluntariado, sociais e acadêmicas, entre outras, provavelmente não vão evadir com facilidade.

Gestores sábios rapidamente vão perceber que é menos custoso alocar recursos financeiros em ações que instiguem o sucesso dos estudantes. O custo da evasão é maior. Os números da evasão no Brasil (IES públicas e privadas) são, em média, de 27.2% nos cursos presenciais, e 36.1% nos cursos em EAD.  Para a IES não “morrer afogada” o gestor precisa ir além das atividades de nivelamento, que muitas vezes são mal organizadas e trazem poucos resultados. A evidência internacional demonstra que o uso de big data para garantir o sucesso dos estudantes é uma estratégia emergente.

Em um ambiente competitivo e de crise econômica, a ousadia e a coragem de realizar mudanças que melhorem os indicadores acadêmicos e de sustentabilidade representam uma atitude que se espera dos líderes das IES.  Caro leitor gestor de IES ou professor, não tenho dúvida em afirmar: se deseja que a sua instituição de ensino tenha sucesso, atenda às demandas dos estudantes, seja especialista em perfil dos jovens e tenha um menu de ações que proporcionem o sucesso dos estudantes.

**Fábio Reis, diretor de Inovação Acadêmica e Redes de Cooperação do Semesp